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Análise: Crash do petróleo coloca governos da América Latina em sinuca de bico: gastar ou não gastar?

Jamie McGeever

11/03/2020 18h05Atualizada em 11/03/2020 18h16

BRASÍLIA (Reuters) - A queda acentuada nos preços do petróleo e a consequente turbulência nos mercados colocaram os governos da América Latina em uma posição pouco invejável: a de tentar fortalecer suas economias sem que um buraco seja aberto nos orçamentos ou que investidores internacionais acabem assustados.

Do México ao Brasil, diversos países da região são grandes exportadores de petróleo e outras commodities, e foram afetados por um golpe triplo, formado pelo "crash" do petróleo, pela redução da demanda da China por importações e pela queda vertiginosa no valor de suas moedas.

As projeções de crescimento econômico para este ano já vinham sendo reduzidas por causa da disseminação global do coronavírus, mas agora uma queda em importantes fluxos de receitas apertará ainda mais os orçamentos de muitos governos.

A resposta monetária ortodoxa, especialmente em mercados emergentes, que dependem muito dos fluxos de capital estrangeiro, seria apertar o cinto fiscal, algo que também é aprovado pelas agências de classificação de riscos.

Mas isso também acelera um ciclo vicioso de crescimento lento e austeridade cada vez maior. Em um momento de crise econômica, financeira e agora de saúde pública, a "austeridade expansionista" é uma política particularmente arriscada.

Alguns países, como o México, parecem mais abertos à ideia de estímulos fiscais. Outros, como o Peru, que recentemente ampliou em três anos —para até 2024— o prazo para redução do déficit orçamentário, também podem ter um pouco mais de espaço para manobras fiscais.

Outros mais —como a Argentina, que já está em uma profunda crise econômico-financeira— não têm qualquer espaço para impulsionar gastos.

O Brasil, enquanto isso, sob a liderança de Paulo Guedes, ministro da Economia guiado pela Escola de Chicago, está reforçando sua política de "zelo fiscal", conforme disse o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, na terça-feira.

"Muitos países já estão em déficit, então eles têm uma escolha", disse Monica de Bolle, pesquisadora-sênior do Peterson Institute for International Economics, em Washington.

"Ter um déficit e não fazer nada, empurrando a economia para a recessão. Ou fazer alguma coisa —você continua tendo um déficit, mas minimiza o risco de outros problemas, como o desemprego elevado e a inquietação social", afirmou.

Estímulo monetária, não fiscal

Em uma indicação do quão comprometidos alguns países latino-americanos estão com a disciplina orçamentária, analistas do JP Morgan calculam que apenas o México, entre as principais economias da região, reagirá aos danos econômicos causados pela epidemia de coronavírus tanto com estímulos fiscais quanto com cortes na taxa de juros.

Brasil, Chile e Peru, por outro lado, não fornecerão estímulos fiscais, contando apenas com a maior flexibilização das políticas monetárias, mesmo diante do enfraquecimento das taxas de câmbio, disseram eles.

Os dados vão variar de país para país, mas nenhum deles sairá ileso da situação.

Na terça-feira, economistas do Bank of America Merrill Lynch reduziram a estimativa para o crescimento do PIB da América Latina em 2020 para 0,7%, contra 1,2% projetado anteriormente, e não descartaram uma recessão global moderada, o que reduziria o crescimento da região para apenas 0,2%.

O México atingiu sua meta de superávit primário de 1% do PIB no ano passado, registrando um superávit de 1,1%, mas apenas porque retirou 40% de um fundo destinado à estabilização orçamentária.

Agora, a grande queda nas receitas do setor petrolífero forçou o Ministério das Finanças mexicano a reduzir seus compromissos com o orçamento e defender um relaxamento fiscal para impulsionar uma economia que já havia flertado com a recessão no ano passado.

O ministro das Finanças do país, Arturo Herrera, disse na terça-feira que um programa de "hedge" (fixação de preços) de US$ 1,4 bilhão, o maior negócio financeiro do mundo relacionado ao petróleo, cobriu completamente a receita nacional com a commodity em 2020, e que dessa forma o "crash" do petróleo não terá um impacto "direto" no orçamento deste ano.

"Mas ainda é uma situação preocupante", afirmou Herrera.

A estatal Pemex, gigante do petróleo, é uma potencial preocupação. Caso queira sustentar seu plano de investimento de US$ 11 bilhões para este ano, o governo precisará fornecer um suporte adicional de US$ 13 bilhões, ou cerca de 1% do PIB, segundo estimativas de analistas do Citi.

(Reportagem de Jamie McGeever, com reportagem adicional de Julia Symmes Cobb e Nelson Bocanegra em Bogotá)