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Análise: volta do PIB a nível pré-pandemia levará mais de um ano

Após retração histórica do PIB brasileiro de 9,7% no segundo trimestre sobre os três meses anteriores, a atividade retornou aos níveis vistos em 2009 - Ilton Rogerio/iStockphoto
Após retração histórica do PIB brasileiro de 9,7% no segundo trimestre sobre os três meses anteriores, a atividade retornou aos níveis vistos em 2009 Imagem: Ilton Rogerio/iStockphoto

Da Reuters, em São Paulo

01/09/2020 16h51

A economia brasileira já deixou para trás o fundo do poço da crise causada pelo coronavírus, depois de registrar contração recorde no segundo trimestre, mas a recuperação a patamares pré-pandemia ainda vai demorar mais de um ano e permanecerá suscetível ao estado deprimido do mercado de trabalho e aos riscos associados à questão fiscal, de acordo com especialistas consultados pela agência de notícias Reuters.

Após retração histórica do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro de 9,7% no segundo trimestre sobre os três meses anteriores, a atividade retornou aos níveis vistos em 2009, informou hoje o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Embora sinais de retomada já sejam evidentes, principalmente na indústria e no varejo, esses ganhos vêm na esteira de medidas de estímulo, que têm duração limitada.

"Esses impulsos de curto prazo são importantes, mas essencial é o médio prazo, cinco a dez anos. O ponto central é, quando tirar todas essas ajudas, qual será a posição da economia e qual será a taxa de crescimento de médio prazo?", afirmou Flávio Serrano, economista-chefe do banco Haitong.

"Existe sim esse trabalho de recuperação de curto prazo com sustentação da renda, mas quanto ficará comprometido para as gerações futuras?", completou.

Nesta terça-feira, o governo anunciou a extensão do auxílio emergencial pago a vulneráveis, confirmando que o valor a ser pago até o final do ano ficará em R$ 300 mensais. O combate ao coronavírus também teve aumento do crédito, programa de proteção ao emprego e flexibilização monetária.

Entretanto, a saúde fiscal do Brasil assombra tanto o governo quanto os mercados financeiros, pressionando o real recentemente e levantando questões sobre um furo do teto de gastos.

A própria SPE (Secretaria de Política Econômica) do Ministério da Economia destacou nesta terça-feira que é preciso continuar com a agenda de reformas e de consolidação fiscal para que a retomada econômica seja "consistente".

Os dados do PIB mostraram que houve perdas acentuadas em segmentos que são grandes empregadores, como indústria, comércio e transportes, o que levanta cautela quanto à qualidade e velocidade da retomada do emprego.

"A questão do emprego será determinante para a qualidade de recuperação da economia. O governo está preocupado e até estendendo os incentivos, mas o empresário ainda ficará receoso de fazer investimentos para expansão, que é onde teria recuperação mais rápida das contratações", disse o economista-chefe da TCP Partners, Ricardo Jacomassi, destacando que ainda levará um ano para o emprego voltar ao nível de 2019.

Serviços

O setor de serviços —um grande empregador e o que vem mostrando recuperação mais lenta - tombou 9,7% no segundo trimestre sobre o primeiro, maior queda da série histórica.

Mayara Santiago, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, prevê que o segmento voltará a crescer na margem no terceiro trimestre, mas ainda com perdas na comparação anual.

"O consumo como víamos não vai voltar de imediato, e há muita incerteza sobre como será esse padrão de comportamento", disse Santiago. "Olhando o peso dos serviços da composição do PIB, acaba que o crescimento da economia, nesse cenário, fica comprometido", acrescentou.

O IBRE prevê contração de 5,4% da economia em 2020 e expansão "em torno de" 2,5% em 2021. Já o governo estima que o PIB vai contrair 4,7% este ano e crescerá 3,2% em 2021.

O Itaú Unibanco tem uma estimativa melhor —de queda de 4,5% neste ano e de crescimento de 3,5% para 2021, o que deve ajudar a levar o PIB no quarto trimestre do ano que vem aos níveis de antes da pandemia.

O economista Luka Barbosa avaliou que a economia tem se recuperado de forma "robusta" e não apenas a reboque do estímulo emergencial, que ele coloca na quarta posição entre os elementos favoráveis ao PIB —depois de juros baixos, recuperação global e queda no isolamento social.

O ponto de alerta, segundo ele, está relacionado sobretudo à política fiscal.

"O risco é manter o auxílio emergencial, não retirá-lo", afirmou. "É preciso uma política fiscal sustentável para o juro continuar baixo. Sem isso, o juro sobe, você tem aperto nas condições financeiras e então um impacto negativo na atividade."

A taxa Selic —que baliza os empréstimos no país - está na mínima recorde de 2% ao ano, mas os juros de médio e longo prazo têm subido por causa do receio de investidores com as contas públicas, o que encarece o custo de financiamento da população e do setor produtivo.

O Santander Brasil vê chances de a economia retomar patamares do começo deste ano apenas no início de 2022 e afirmou que, depois dos números divulgados nesta terça, seu viés de alta para o PIB "se apagou". O banco estima crescimento entre 6% e 6,5% para o terceiro trimestre e de retração de 6,4% em 2020, antes de expansão de 4,2% em 2021.

"Estamos preocupados com o teto de gastos. Um prejuízo a esse mecanismo vai ter implicações na confiança e nas condições financeiras, afetando todo o processo da retomada", afirmou o superintendente de pesquisas macroeconômicas do Santander Brasil, Maurício Oreng, acreditando que o consenso de mercado —de queda de 5,28% do PIB neste ano - caminhe para a casa dos 6% de baixa.