UOL - O sonho do jovem brasileiro, no passado, era ter um carro, mas essa tendência vem mudando. Como a Fiat está percebendo este comportamento do consumidor?
Antonio Filosa - Os grandes centros têm graves problemas de mobilidade urbana, para os quais devem existir respostas no mercado automobilístico e fora dele. O transporte público deve ser melhorado. Grandes centros diminuíram o uso de carros porque privilegiaram outras opções de mobilidade.
Exemplos como a Europa, algumas cidades da Ásia, Coreia do Sul, que realizaram investimentos gigantescos em mobilidade urbana, seja em automóveis, seja em outros meios. Os aplicativos claramente mudaram o cenário competitivo da indústria, mas, até agora, apenas agregou demanda.
Neste momento, existe um aumento generalizado da demanda de veículos, que no Brasil foi comprimido ou reduzido nos últimos anos por conta da crise, mas vai voltar.
No mundo, a demanda aumentou muito impulsionada pelos países emergentes, como Indonésia, Malásia, Camboja, Vietnã. São mercados gigantescos, que eram bem menores há dez anos.
No futuro, claro que vai mudar. Acredito que todos os competidores estão enxergando o chamado Taas (transportation as a service) como uma das respostas dessa mobilidade. A ideia é o usuário comprar milhas [ou quilômetros] em vez de carros. O Taas pode ser a chave para impulsionar ainda mais os carros autônomos, que é uma das tendências macro de investimento.
Existem estudos sobre comprar quilômetros? Como funcionaria?
Nós temos um programa de direção autônoma que se associa às experiências de Taas, em fase avançada no Arizona, em Nevada e no sul da Califórnia [todos nos EUA].
São carros com um nível de autonomia elevado. No futuro, por meio de aplicativos, as pessoas comprarão milhas, haverá pontos de coleta, e os carros chegarão a sua casa pela compra de milhas ou o compartilhamento delas.
E os carros do futuro como serão?
O consumidor terá cada vez mais a possibilidade de fazer com o carro o que ele hoje faz com um smartphone ou até mais. Terá controle de voz, entenderá diferentes sotaques, fará a tradução para que toque a música dos Rolling Stones que ele pediu, pagará contas, se conectará aos sistemas de casa, terá assistência direta no próprio carro.
A indústria está fazendo pesquisas em desenvolvimento e alianças com parceiros que não são tipicamente da indústria, como Google, Facebook, WhatsApp, ampliando a abrangência das colaborações tecnológicas. Haverá modelos de comercialização cada vez mais digitais.
As concessionárias terão menos carros e mais telas para navegar pelo carro, com uma touch screen, e entender como ele funcionará e se é adequado ao consumidor.
Na fábrica, o robô enviará mensagem para a manutenção, avisando da necessidade de um reparo. Não haverá alguém ao lado da máquina. Essa pessoa poderá usar o tempo para treinar outras pessoas e ser avisada pelo robô.
Com a indústria 4.0, um grupo de profissionais de produção do Brasil criou um equipamento, que depois foi adotado também pela FCA global, de leitura termal da temperatura do corpo dos operários.
Estamos experimentando isso para ver quais áreas musculares ficam mais vermelhas ou laranja, o que pode indicar uma lesão. Nosso objetivo é a prevenção. Por exemplo, se o operário está com nível laranja, substituímos por outro [para ele poder descansar].
A Fiat foi pioneira no uso de etanol, não é?
Há 40 anos, lançamos o primeiro carro do mundo [movido a etanol], o Fiat 147.
O quanto avançamos na tecnologia com etanol?
Atualmente é uma tecnologia acessível a todos e, no futuro, acredito que será regionalmente uma das alternativas mais importantes da produção de energia. Mas é preciso melhorar. Por isso, estamos construindo, em Betim [MG], uma fábrica para produzir novos motores, que têm a ambição de conseguir alta eficiência de etanol.
O etanol tem uma característica de ser quase neutro na cadeia do CO2, porque, durante o cultivo e o plantio da cana-de-açúcar, tira CO2 do meio ambiente e, depois, ele é usado nos motores.
Ele é claramente uma oportunidade, mas precisamos que o mercado seja sustentado também com programas governamentais. Possuímos uma infraestrutura fantástica porque todos os postos hoje vendem etanol.
Existe uma preocupação governamental em relação à produção de energia limpa?
Acho que sim. É quase óbvio enxergar isso como uma nova fonte de riqueza para o Brasil. Temos laboratórios absolutamente avançados, universidades que investem em pesquisa nesse sentido, empresas que também investem, fazendas de altíssima produtividade, entre as melhores do mundo.
O etanol de cana-de-açúcar é o que mais gera eficiência nos motores frente a outras possibilidades de etanol em outros lugares do mundo.
É uma combinação que não vai ajudar somente a indústria automobilística e fornecedores, mas também será uma alternativa de business para a agropecuária, uma oportunidade de alavancar programas de pesquisas e desenvolvimento, que já são fortes.
Há novidades de investimento no Brasil?
Temos um plano de investimento até 2023/2024. Serão R$ 16 bilhões que queremos investir nas duas principais marcas: Fiat, sobretudo em Minas Gerais, e Jeep, sobretudo em Pernambuco.
Inauguramos recentemente em Minas Gerais o nosso "safety center" para a América Latina. Um ambiente de pesquisa e desenvolvimento no qual verificamos e melhoramos planos de resistência estrutural de materiais do carro para segurança, identificamos estratégias de segurança ativa.
O que o consumidor pode esperar?
A Jeep, que hoje tem produção local de Jeep Renegade e Compass, dois modelos que são orgulhosamente líderes do mercado de SUV no Brasil, vai receber um terceiro modelo do carro. Será uma oferta mais premium que teremos para o mercado da América Latina.
A Fiat está desempenhando um papel muito interessante no mundo das picapes. O Fiat Toro anda muito bem, e outra versão foi lançada agora. Temos outra picape, que é a Fiat Strada, que queremos rapidamente renovar.
Lançamos recentemente Fiat Mobi e Fiat Argo, que atualizaremos ano a ano. Vamos misturar um pouco do DNA italiano com o DNA brasileiro. Somos a mais brasileira das italianidades e a mais italiana das brasilidades deste país. Vamos trazer dois SUVs da marca Fiat até 2023.
Por que não deu certo a fusão da Fiat com a Renault?
Foi feita uma oferta, foi avaliada, e uma parte do grupo Renault decidiu não continuar. Faz parte de negociações tão importantes assim.
A nota oficial divulgada pela Fiat dizia que não existem condições políticas na França atualmente para que essa fusão tivesse sucesso. O que a Fiat quis dizer com isso?
O sistema França, digamos assim, está entre os acionistas de maior peso do grupo Renault. Acredito que a nota foi escrita nessa direção, porque a parte do grupo Renault fez avaliações específicas daquele lado. Acredito que a nota expressa isso. Industrialmente, como cadeia de valor, havia condições para dar certo. Há ainda.