A derrocada econômica da Argentina em 3 gráficos
Poucas reservas cambiais nos cofres do Banco Central e, em suma, pouca liquidez. Esses são dois dos principais males que perseguem a Argentina ciclo após ciclo econômico e mantêm o país à beira do abismo.
Para os mercados, esse abismo tem um nome: calote. Ou seja, a quebra dos compromissos financeiros com investidores que emprestaram dinheiro ao governo argentino.
Desde a esmagadora vitória do peronismo nas eleições primárias de 11 de agosto, em que Alberto Fernández obteve 47,35% dos votos enquanto o atual presidente, Mauricio Macri, recebeu 32,33%, a instabilidade econômica que o país vive há meses piorou, com consequências diretas para o bolso de seus cidadãos.
Essas primárias são geralmente um termômetro confiável para medir o humor do eleitorado argentino antes das eleições presidenciais - a próxima está marcada para 27 de outubro.
Os resultados apontam para o retorno ao poder do kirchnerismo, a força que governou por 12 anos, entre 2003 e 2015, com uma forte intervenção estatal na economia e retórica antimercado.
Alejo Czerwonko, da equipe de Mercados Emergentes do banco suíço UBS, diz que a possível chegada de Fernández ao poder - com Cristina Kirchner como vice-presidente - causa preocupação entre investidores.
"[Alberto] Fernández e sua equipe indicaram que pararão de pagar juros sobre os títulos conhecidos como Leliq (dívida de curto prazo) emitidos pelo Banco Central, renegociarão o acordo com o FMI [Fundo Monetário Internacional] e manifestaram sua intenção de reintroduzir algum tipo de controle de capitais."
Para o analista, esses avisos estão "longe de serem construtivos" e destacam a possibilidade de que uma mudança de governo implique em descumprimento de obrigações financeiras.
Mas a crise argentina vem de longa data. O grande calcanhar de Aquiles do governo Macri tem sido a economia. Embora ele tenha prometido reduzir a inflação e levar a pobreza a "zero", ambas aumentaram durante seu governo.
A situação mais grave ocorreu em 2018, quando o peso argentino perdeu mais da metade de seu valor em relação ao dólar. A inflação disparou, e o governo teve de pedir um empréstimo significativo ao FMI.
A Argentina está atualmente em recessão e registrou uma inflação de 22% durante o primeiro semestre do ano.
Aqui estão três dados que mostram a delicada situação pela qual a economia do país está passando.
1. Deterioração das reservas em dólar
As reservas em dólar têm uma importância crucial para uma economia como a da Argentina. São uma ferramenta vital de política monetária para evitar a desvalorização de sua moeda e o indicador mais confiável da solvência do país - indicam se o Estado pode ou não administrar os pagamentos com que se comprometeu.
A posição da Argentina, que sofre com a falta de moeda estrangeira, foi agravada pela recente fuga de capitais do país.
Isso estrangulou ainda mais suas finanças em um momento em que o ambiente econômico permanece altamente volátil.
As reservas internacionais de dólares no Banco Central estavam, no fim da semana passada, em US$ 54,09 bilhões, segundo comunicado oficial. Isso significa US$ 12,21 bilhões a menos em comparação com 9 de agosto, dois dias antes das eleições primárias.
Na tentativa de conter a depreciação do peso argentino, o Banco Central está usando uma média de cerca de US$ 300 milhões por dia, segundo a mídia local. Mas sua intervenção no mercado de câmbio não conseguiu deter a desvalorização.
E, se o Banco Central não conseguir fazer isso, "é provável que uma nova depreciação da moeda aumente a inflação e force a aplicação de políticas fiscais e monetárias mais rigorosas", explica a equipe de análise econômica do fundo de investimentos AXA.
"Além disso, diminuirá o crescimento econômico e elevará automaticamente a relação dívida/PIB a níveis insustentáveis."
2. Depreciação do peso argentino e 'dólar azul'
Macri sabe que a depreciação afeta o bolso dos cidadãos e que, se não recuperar o controle da situação, além de ver suas chances de reeleição ainda mais complicadas, o país ficará a um passo de pedir a falência e do temido calote.
A moeda argentina já perdeu mais de 33,5% de seu valor neste ano, e, para comprar um dólar, agora são necessários aproximadamente 60 pesos. Com isso, as empresas com dívidas em dólar têm mais dificuldade para fechar as contas.
Os argentinos sabem bem o que isso significa: em alguns países, existe uma memória muito viva sobre a ligação direta entre desvalorização cambial e inflação - e entre inflação e pobreza.
A economia argentina se contraiu 5,8% no primeiro trimestre de 2019, depois de ter caído 2,5% no ano passado. Em 2018, 3 milhões de pessoas entraram na pobreza.
Em uma tentativa desesperada de evitar o esgotamento das reservas em dólares do Banco Central, a equipe de Macri impôs uma das medidas mais criticadas de sua antecessora, Cristina Kirchner: o controle do câmbio.
Empresas terão de solicitar permissão do Banco Central para vender pesos, adquirir moeda estrangeira e fazer transferências para o exterior. Os cidadãos podem continuar comprando dólares até um máximo de US$ 10 mil por mês.
Com isso, Macri quer reduzir a necessidade de intervenção do Banco Central no mercado em uma tentativa de conter a sangria das reservas internacionais.
Durante o governo de Cristina Kirchner (2007-2015), os argentinos também foram obrigados a pedir autorização para comprar dólares e fazer transferências para o exterior, pagando uma taxa adicional pela compra por meio de cartões no exterior.
Isso levou ao surgimento de um mercado informal de moedas e o que ficou conhecido como "dólar azul" ou dólar paralelo.
3. O empréstimo do FMI
A aplicação dos controles cambiais criou dúvidas de que o FMI conferiria em setembro uma nova extensão do resgate solicitado pelo governo Macri em 2018. O valor do empréstimo planejado para este mês é de US$ 5,4 bilhões.
A Argentina também procura adiar o pagamento da dívida ao FMI para enfrentar a crise. Uma delegação do órgão visitou a Argentina na semana passada e se reuniu com autoridades do governo Macri e do Banco Central, além do candidato presidencial Alberto Fernández e sua possível equipe econômica.
O FMI divulgou no domingo uma declaração apoiando as medidas tomadas e disse que "está analisando seus detalhes", disse um porta-voz em um comunicado.
Ele acrescentou que o FMI continuará em "contato próximo" com as autoridades e que o órgão continuará apoiando a Argentina durante "esses tempos difíceis".
Alejandro Hardziej, analista do banco suíço Julius Baer, acredita que o auxílio não corre perigo, porque o governo Macri seguiu as diretrizes definidas pelo FMI para receber ajuda financeira.
Para obter esse empréstimo, a Argentina prometeu reduzir os gastos públicos e, assim, o déficit fiscal, que para o FMI e muitos investidores é a fonte das instabilidades do país.
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