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Argentina declara moratória de dívida e pede renegociação com FMI

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC News Brasil

De Buenos Aires para a BBC News Brasil

28/08/2019 22h13

O ministro da Fazenda da Argentina, Hernán Lacunza, anunciou nesta quarta-feira (28) que o governo de Mauricio Macri pediu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) prazos maiores para pagar a dívida bilionária do país com o organismo.

O anúncio está de acordo com o que defendem os candidatos da oposição à Presidência. Falaram a favor da renegociação o candidato Alberto Fernández, da chapa Frente de Todos - cuja vice é a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner - e o ex-ministro da Fazenda Roberto Lavagna, da coalizão Consenso Federal.

Fernández e Lavagna reclamam que os vencimentos da dívida argentina - de cerca de US$ 57 bilhões - estão concentrados no próximo mandato, enquanto a maior parte da liberação do dinheiro já foi realizada durante o governo Macri.

Segundo Lacunza, a Argentina pedirá a renegociação dos prazos previstos para pagar a dívida de um acordo assinado no ano passado, mas sem a reduzir do valor do que deve ser pago ao Fundo. O governo argentino tenta assim deixar claro que não se trata de um calote ou tentativa de redução da dívida, como confirmaram economistas ouvidos pela BBC News Brasil.

"Nosso objetivo é a estabilidade cambial e econômica da Argentina, dando as ferramentas necessárias para o próximo governo", disse Lacunza ao falar sobre a iniciativa, ressaltando que o próximo governo pode ser de Macri, que busca a reeleição, ou da atual oposição.

Lacunza assumiu o Ministério da Fazenda argentino dias atrás após a renúncia do antecessor, Nicolas Dujovne. Pouco depois da fala dele, a pasta divulgou uma nota oficial sobre o tema.

"Depois de ter cumprido estritamente todas as metas fiscais e monetárias do acordo com o Fundo, e para dar continuidade ao acordo em vigor, propusemos a este organismo internacional iniciar o diálogo, que deverá ser concluído no próximo mandato, para mudar o perfil os vencimentos da dívida com o FMI", diz o texto.

Em Washington, segundo a imprensa argentina, o FMI informou que "continuará ao lado da Argentina" e que o país "tomou um passo importante para preservar a liquidez e as reservas (do Banco Central argentino)", mas que "analisará" o impacto da proposta de Buenos Aires.

Para o economista argentino Orlando Ferreres, da consultoria econômica Ferreres e Associados, o pedido de maior prazo para o pagamento da dívida ao FMI "não será resolvido de um dia para o outro". Segundo ele, o pedido argentino "pode não ser algo fácil de ser atendido", já que dependerá da decisão dos países que lideram o Fundo e "colocam o dinheiro neste empréstimo" para a Argentina.

Além do pedido ao FMI, Lacunza informou que os prazos de pagamentos de títulos do país comprados pelo setor privado serão modificados. Para Ferreres, nesse caso o governo está declarando moratória, que significa atraso ou revisão dos prazos de pagamentos previstos.

O ministro justificou as iniciativas, dizendo que elas foram tomadas após a volatilidade registrada nos últimos dois dias no mercado financeiro argentino, com nova alta do dólar. Os argentinos costumam poupar na moeda americana, e variações no dólar têm grande impacto sobre a inflação no país. Nesta quarta-feira, o dólar fechou na casa dos 60 pesos.

O economista Matías Rajnerman trabalha na empresa de consultoria econômica Ecolatina, fundada pelo ex-ministro Lavagna. Para ele, a renegociação com o setor privado representa "uma ruptura de contrato", já que a Argentina não pagará aos investidores no prazo prometido.

"A Argentina está dizendo (aos que compraram títulos do país): 'vou pagar, mas no prazo que posso pagar'", afirma o economista.

Ele também observou que, neste caso, como no do FMI, não se trata de "calote" ou "redução da dívida", ou de "moratória": "A Argentina está dizendo 'devo e pagarei, mas num prazo maior'".

'Default técnico'

Para o economista Diego Martínez Burzaco, ao mudar os prazos de pagamentos dos títulos do setor privado, a Argentina "está em um virtual default técnico" e não se sabe como o mercado financeiro reagirá. Para o economista Martín Vauthier, a Argentina "vive principalmente um problema político, que está contaminando o (sistema) financeiro".

A decisão do governo Macri foi tomada após dois dias de forte incerteza no mercado financeiro e na política local. No fim de semana, Macri recebeu o apoio de simpatizantes num ato em frente à Casa Rosada, a sede da Presidência argentina. Esta foi a primeira manifestação registrada após Macri ser derrotado pelo candidato opositor Alberto Fernández e sua candidata a vice-presidente, a ex-mandatária argentina Cristina Kirchner.

Os dois abriram mais de 15 pontos de vantagem sobre a chapa de Macri nas primárias partidárias argentinas, realizadas em 11 de agosto. O desempenho da chapa opositora deixou a impressão, segundo analistas, de que o país viveu um primeiro turno eleitoral antecipado.

Agora, a dois meses do primeiro turno, no dia 27 de outubro, cada fala de Alberto Fernández tem forte influência no mercado financeiro e no tabuleiro político local. Nesta semana ele emitiu comunicado criticando fortemente o acordo assinado por Macri com o FMI.

Fernández responsabilizou Macri e o organismo pela "catástrofe social" vivida pela Argentina. Fernández disse ainda que o empréstimo não serviu para melhorar a economia do país e que, ao contrário, só piorou o quadro recessivo.

Sua fala provocou críticas do governo e alimentou especulações de que ele, se eleito, poderia decidir não cumprir com os pagamentos da dívida. O candidato a vice de Macri, senador Miguel Ángel Pichetto, disse que Fernández e Cristina "querem incendiar o país" antes da posse do novo presidente. O eleito pelos argentinos neste ano assumirá o poder em 10 de dezembro.

Nesta quarta-feira, após os anúncios de Lacunza, analistas políticos e econômicos diziam que a reação dos mercados dependerá também de "como Fernández reagirá aos anúncios do governo Macri".


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