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Inflação recuou, mas seu aluguel não diminuiu? Veja se pode mudar isso

Foto: Agência Brasil
Imagem: Foto: Agência Brasil

Téo Takar

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/08/2017 04h00

Quem esperava economizar no aluguel por causa da queda do índice que corrige os contratos, o IGP-M acumulado dos últimos 12 meses, pode ter uma surpresa ao receber o boleto de cobrança.

Embora o índice tenha ficado negativo tanto em junho (-0,78% no acumulado de 12 meses) como em julho (-1,67% em 12 meses), um fenômeno não era visto há mais de sete anos, muitas imobiliárias não estão reduzindo o valor do aluguel nos contratos que têm data de reajuste anual em julho e agosto (o reajuste é feito com base no índice acumulado até o mês anterior).

Isso é correto? Veja o que dizem imobiliárias, advogados e especialistas do setor de imóveis.

Imobiliária diz que reajuste negativo “não existe”

O UOL Economia entrou em contato com várias imobiliárias de São Paulo e ouviu diversas vezes como resposta que não existe reajuste negativo para aluguel. “Não existe isso (de reduzir o aluguel). Quando acontece de o IGP-M cair, a gente mantém o valor do aluguel”, disse uma corretora de imóveis que preferiu não se identificar.

“Não é comum ter índice negativo. Eu mesmo nem me lembrava quando isso aconteceu da última vez. A prática comum nas imobiliárias é não alterar o valor do aluguel nesse caso”, afirma o advogado Alexandre Jamal Batista, especialista em direito imobiliário.

Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que aplicar um reajuste negativo significa tirar poder de compra do proprietário do imóvel, que muitas vezes tem naquele aluguel sua principal fonte de renda. “Por essa razão, normalmente o valor é mantido.”

O valor do aluguel pode ser compreendido também como um piso monetário, que deve ser respeitado, explica Marcelo Prata, especialista em mercado imobiliário e fundador dos sites Canal do Crédito e Resale. “O que temos agora é uma situação incomum. Na melhor das hipóteses, o valor do aluguel deve ficar igual, sem reajuste. Não vejo sentido em desrespeitar esse piso.”

Secovi orienta que imobiliárias reduzam o aluguel

O Secovi-SP, sindicato que representa o setor da habitação, orienta que as imobiliárias sempre apliquem o reajuste do IGP-M, mesmo que seja negativo. “Acho natural que o cálculo do aluguel também seja feito para baixo. Se você aplica o reajuste só quando é positivo, você provoca uma distorção nos preços ao longo do tempo”, afirma o advogado Jaques Bushatsky, diretor do Secovi-SP.

O advogado Alexandre Jamal Batista diz que o inquilino tem direito a pleitear a redução no valor do aluguel com base no que está em contrato. “Juridicamente falando, reajuste vale tanto para cima quanto para baixo. Se a correção é feita pelo IGP-M, faz sentido usar o índice quando ele é negativo também.”

Roseli Hernandes, diretora comercial do grupo Lello, que possui imobiliárias em diversos bairros da capital paulista, além do ABC e da Baixada Santista, afirma que a empresa está reduzindo o valor dos aluguéis com base no que está em contrato.

“Alguns proprietários têm nos ligado surpresos com a redução. Estamos explicando a eles que existe uma base contratual. Se eu deixo de aplicar o reajuste quando ele é negativo, eu vou privilegiar um lado em detrimento do outro”, afirma Roseli.

Cláusula que prevê apenas reajuste positivo é questionável

O inquilino poderá ter dificuldades em conseguir a redução do aluguel caso tenha assinado um contrato que tenha alguma cláusula afirmando explicitamente que o reajuste do aluguel será aplicado apenas quando o IGP-M for positivo.

O advogado Jaques Bushatsky, diretor do Secovi-SP, afirma que não há jurisprudência sobre o tema.

“Eu vejo duas interpretações possíveis nesse caso. A cláusula pode ser considerada nula porque ela contraria a lógica de você ter um índice de correção, que pode ser positivo ou negativo. Outra interpretação é que as duas partes assinaram o contrato. Logo, elas concordaram com tudo que foi acordado ali. Por essa interpretação, fica mais difícil contestar a cláusula judicialmente”, diz.

A diretora comercial da Lello considera que a cláusula é abusiva. “Nós já tivemos essa discussão internamente com nossos advogados. E a conclusão é que é uma cláusula leonina (abusiva). Você não pode colocar uma cláusula em contrato que vai beneficiar apenas uma parte em prejuízo da outra.”

Inquilina achou bom o aluguel não mudar de valor

“Eu recebi o boleto com o mesmo valor que eu pagava antes”, conta a dona de casa Maria Cristina Oliveira, moradora de um apartamento de dois quartos no bairro de Santana (zona norte de São Paulo). “Achei bom, porque todo ano sempre sobe, né?”

O contrato do imóvel de Maria Cristina prevê reajuste no dia 2 de julho de cada ano, com base no IGP-M acumulado nos 12 meses até junho. Neste ano, o índice ficou negativo em 0,78%.

Apesar de ela ter achado bom o aluguel não subir, Maria Cristina teria, na verdade, direito a um aluguel menor.

Diferença de valores gera efeito bola de neve

Como Maria Cristina pagava um aluguel de cerca de R$ 2.000 por mês, se o contrato fosse seguido à risca (aplicando o reajuste de -0,78%), o valor deveria ter sido reduzido para R$ 1.984,40, uma economia de R$ 15,60 por mês, ou R$ 187,20 em um ano. Mas isso não aconteceu.

Numa simulação hipotética para 2018, se o IGP-M voltar a cair 1% na data de reajuste do contrato dela, o aluguel de Maria Cristina continuaria nos exatos R$ 2.000, pela lógica adotada pela imobiliária de não aplicar o reajuste negativo.

Mas, se fosse aplicada a redução prevista em contrato agora e também no próximo ano, o aluguel em 2018 ficaria em R$ 1.964,56. Ou seja, a diferença cresceria ainda mais. O acumulado dos dois anos saltaria de R$ 15,60 para R$ 35,44 por mês, ou de R$ 187,20 para R$ 425,32 por ano. Ao fim de dois anos, Maria Cristina pagaria R$ 612,52 a mais de aluguel, num efeito “bola de neve”, até o reajuste de julho de 2019.

Relação entre proprietário e inquilino pode azedar

A economista do Idec recomenda que inquilino, imobiliária e proprietário busquem um acordo amigável, de forma a não prejudicar nenhuma das partes e evitar que a relação entre eles fique estremecida.

“A interpretação do contrato (sobre a redução do aluguel) é legítima. Mas o resultado pode não ser bom para o inquilino, porque o proprietário pode entender que está perdendo dinheiro e resolver pedir o imóvel de volta. O melhor é conversar com calma e chegar a um consenso”, afirma.

Momento é bom para mudar de imóvel

A queda do IGP-M reflete outro fato, que é o desaquecimento da economia do país. Muitos imóveis estão vazios há vários meses.

“Como os aluguéis não estão subindo por causa do IGP-M negativo e a procura por locação ainda está baixa porque a economia ainda está desaquecida, agora pode ser uma boa oportunidade para quem quer mudar de casa. Você pode encontrar um imóvel maior ou com localização melhor por um valor próximo ao que você está pagando hoje”, diz Amorim, do Idec.

Deflação anual é “raridade”

A última vez que o IGP-M ficou negativo no acumulado dos 12 meses anteriores foi entre os meses de julho de 2009 (-0,66%) e janeiro de 2010 (-0,65%). Em dezembro de 2009, o IGP-M registrou a maior queda em 12 meses, de 1,71%.

Segundo Salomão Quadros, superintendente-adjunto para inflação do IBRE/FGV, instituição responsável pelo cálculo do IGP-M, deflação anual é uma “raridade”.

“O principal motivo para o recuo do indicador foi a safra agrícola recorde, mas há também um efeito da recessão”, relata. Quadros prevê que o IGP-M continuará apresentando índices negativos no acumulado de 12 meses em agosto e setembro.