Emergentes chegam mais 'humildes' a encontro do G20
Os principais países emergentes se acostumaram, nos últimos anos, a chegar aos fóruns econômicos multilaterais com a superioridade de quem mantinha taxas de crescimento aceleradas enquanto via o mundo desenvolvido envolto em recessão e perspectivas econômicas desanimadoras.
A oitava reunião de cúpula do G20, grupo que reúne as maiores economias do planeta, começa nesta quinta-feira (5) em São Petersburgo, na Rússia, com um cenário diferente - os países desenvolvidos vem dando mostras de que estão retomando o crescimento econômico, enquanto os emergentes vem sofrendo com fuga de capitais, desvalorização cambial e desaceleração econômica.
As discussões econômicas, que nesta cúpula devem abordar essa mudança da conjuntura global, são o principal objetivo do G20, mas temas políticos que vêm dominando a agenda global nas últimas semanas devem também estar presentes nos debates.
Além da possibilidade do lançamento de uma ação militar liderada pelos Estados Unidos na Síria, que enfrenta a resistência da Rússia e da China, outro assunto que deve surgir nas discussões é o escândalo de espionagem internacional promovido pela NSA (a Agência de Segurança Nacional americana).
BRICS
O Brasil - cujos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff costumavam apontar o dedo para as economias ricas nos últimos encontros do grupo, acusando-os de provocar a crise financeira global iniciada em 2008 e de adotar políticas recessivas para solucioná-la, em vez de estimular o crescimento econômico - é um dos países mais atingidos pela atual reversão de expectativas.
Desde o início do ano, o real já se desvalorizou mais de 15%, e a economia nacional acumula indicadores negativos. O crescimento do PIB esperado para este ano, de 2,3%, é muito inferior aos mais de 7% verificados em 2010, no auge do otimismo econômico com o país e do triunfalismo dos emergentes.
Os companheiros no grupo BRICS também vêm sofrendo. Mesmo a China, segunda maior economia do mundo, acostumada a crescer a taxas de dois dígitos nas últimas duas décadas, enfrenta uma forte desaceleração e espera para este ano um crescimento de 7,5%.
Índia, África do Sul e Rússia também sofrem com a desvalorização de suas moedas e veem suas economias patinarem.
"O Brasil, assim como os demais países emergentes, sabe agora que precisa mais do que nunca do G20", diz John Kirton, professor de ciência política da Universidade de Toronto e diretor do grupo de pesquisas G20 Research Group. "Sabe agora que apontar o dedo para os outros não é a melhor maneira de fazer com que façam o que o país quer", diz.
"O ministro (da Fazenda) Guido Mantega vai estar menos autoconfiante. Nos anos anteriores, ele aparecia como o autor da expressão 'guerra cambial' (por causa da valorização excessiva do real e das moedas dos demais emergentes), mas agora vê acontecer o efeito oposto. Ele sabe agora que estão todos no mesmo barco", afirma.
Ainda importantes
Para a maioria dos especialistas ouvidos pela BBC Brasil, no entanto, a momentânea mudança de expectativas em relação às economias emergentes não reduz a importância dos países em desenvolvimento na equação das negociações dentro do G20.
"Apesar da atual desaceleração, os mercados emergentes vão continuar a ser um motor do crescimento global no longo prazo, por conta de seu enorme potencial de crescimento. Deveríamos pensar no longo prazo", afirma Mike Callaghan, diretor do Centro de Estudos do G20 no Lowy Institute for International Policy, da Austrália.
"Haveria algo de fundamentalmente errado com o G20 como fórum de cooperação econômica se a influência dos países fosse ditada pela sua performance econômica recente. Logicamente essa não é uma competição de crescimento entre os mercados emergentes e as economias desenvolvidas. O objetivo é que todas as regiões sejam motores do crescimento global", afirma.
Para a americana Nancy Alexander, especialista em G20 na Fundação Heinrich Böll, da Alemanha, a mudança de expectativas em relação às economias emergentes reforça a importância do G20.
"Na cúpula de São Petersburgo, a política americana de "Quantitative Easing" (QE, aumento da oferta de dinheiro no mercado, que provocou como efeito colateral a desvalorização do dólar) estará na agenda de debates, mesmo que não esteja na agenda formal. Se o G20 não existisse, os BRICS não poderiam confrontar os EUA sobre suas políticas de QE em uma forma tão estruturada e continuada", afirma.
"O G20 é cada vez mais um fórum no qual os países emergentes podem confrontar as economias avançadas sobre os efeitos de suas políticas para além de suas fronteiras - das quais o QE é apenas um exemplo", diz.
Wesley Widmaier, diretor do programa de estudos do G20 na Universidade Griffith, da Austrália, concorda e observa que os países em desenvolvimento têm interesses sobre esse tipo de política dos países desenvolvidos.
"A QE, de maneira geral, tornou possível que os Estados Unidos estabilizassem o dólar no longo prazo", comenta. "Os países em desenvolvimento também têm um interesse em políticas desse tipo", observa.
Retrospecto do G20
Para Widmaier, o retrospecto do G20 desde o início da crise econômica global após o colapso do banco Lehman Brothers, em 2008, tem sido positivo no sentido de promover o debate entre as principais economias do mundo, colocando na mesma mesa países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
Apesar disso, ele observa que pouco tem sido feito em termos concretos para aumentar a regulação do sistema financeiro global, que ele vê como necessária para evitar a repetição de uma crise como a de 2008.
Para Mike Callaghan, as críticas sobre a efetividade do G20 são "duras demais e baseadas em expectativas não realistas". "A magnitude do diálogo que ocorre envolvendo uma vasta gama de temas e envolvendo países que não estão acostumados a trabalhar juntos em fóruns internacionais como esse é um ganho", afirma.
Para ele, o principal risco para o G20 é o de que os líderes percam o interesse sobre o fórum a partir do momento em que a gravidade da crise se reduza. "Isso seria uma grande perda. O G20 representa uma ótima oportunidade para que os líderes dos mercados desenvolvidos e emergentes abordem alguns problemas globais complicados. Mas isso requer uma agenda focada e uma liderança forte", afirma.
Para Nancy Alexander, "a atual maré negativa (nos emergentes) não traz otimismo sobre o futuro". "Isso deveria levar o G20 a priorizar a economia 'real' em lugar da economia especulativa e tomar ações fortes para controlar a especulação excessiva, particularmente sobre as commodities", afirma.
Em princípio, a agenda do encontro desta quinta-feira e sexta-feira em São Petersburgo tem como foco o que Alexander chama de "economia real", com ênfase no crescimento, como estabelecido em três pontos pelas autoridades russas, que ocupam a presidência rotativa do G20: crescimento por meio de investimentos e empregos de qualidade, crescimento por meio de confiança e transparência e crescimento por meio de regulação efetiva.
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