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Banco ligado a escândalo da Fifa, controlado por bilionário brasileiro, já foi condenado por transações de cartel colombiano

Jesse Hamilton, Alan Katz e Silla Brush

03/06/2015 10h24

(Bloomberg) -- Um pequeno banco privado controlado por um recluso bilionário brasileiro aparece mais de duas dúzias de vezes nas acusações de corrupção dos promotores dos EUA contra autoridades do futebol mundial. Não é o primeiro contato do banco com escândalos.

O Delta National Bank Trust Co. teve pelo menos três desentendimentos anteriores com as autoridades em dois continentes nos últimos 15 anos, incluindo quando o Congresso brasileiro investigou seu papel como banqueiro de um dirigente do futebol nacional afetado por um escândalo. Em 2003, o Delta declarou-se culpado nos EUA por não informar transações ligadas a um cartel de drogas colombiano.

Mesmo assim, a Delta, com US$ 467 milhões em ativos nos EUA, manteve operações em seus escritórios de Manhattan, Miami e Genebra. Parte desses negócios, afirmaram promotores dos EUA na semana passada, incluía o processamento de milhões de dólares em pagamentos de propinas de uma empresa de marketing esportivo com sede em São Paulo para dirigentes do futebol afiliados à Fifa. O Delta não foi apontado como réu, nem culpado de nenhuma irregularidade em uma lista de 47 acusações divulgada pelo Departamento de Justiça americano.

A reguladora da Delta nos EUA, o Escritório do Controlador da Moeda (OCC, na sigla em inglês), agora está investigando a participação do banco nessas transações, segundo uma fonte com conhecimento do assunto que pediu anonimato porque a investigação está em andamento. Linda Chapman, vice-presidente do Delta no comando do compliance, preferiu não comentar.

Alertas

A mais recente apuração do Delta surge após mais de uma década de alertas sobre seus negócios, segundo uma análise de ações judiciais, documentos regulatórios e relatórios que documentam as investigações do governo. Não está claro como o banco pode ter mudado seus programas de relatórios ou compliance ao longo desse período, inclusive após a condenação do Departamento de Justiça dos EUA, 12 anos atrás. O OCC não impôs mais penalidades ao banco, disse o porta-voz do OCC, Bryan Hubbard, e permitiu que a empresa continuasse fazendo negócios nos EUA.

Hubbard preferiu não comentar sobre a mais recente investigação do OCC ao Delta.

"Não existe um histórico de fechamento de bancos por mau comportamento, existe?", disse Jack Blum, um ex-investigador do Senado dos EUA e especialista em lavagem de dinheiro. O Delta é "apenas mais um banco nesse grande mar de problemas no setor bancário".

A história do Delta mostra que até mesmo um banco pequeno pode continuar operando após uma condenação criminal, assim como os maiores bancos do mundo fizeram nos últimos anos após concordarem em declarar-se culpados de acusações como fazer negócios com nações párias e manipular taxas de juros globais.

Propinas da FIFA

Em alguns momentos, as supostas propinas da Fifa foram transferidas pelo Delta por meio de bancos maiores como Citigroup Inc. e JPMorgan Chase Co., segundo o processo do Departamento de Justiça dos EUA anunciado na semana passada. Os promotores dos EUA disseram que estão investigando os bancos como parte de sua indagação sobre a corrupção na Fifa, o órgão que administra o futebol mundial, mas não forneceram nomes de bancos específicos.

Embora os bancos dos EUA tenham a obrigação de informar transações suspeitas às autoridades, a acusação do departamento não explica se algum banco deixou de fazê-lo.

O Citigroup e o JPMorgan não são os únicos bancos que tiveram relações com o Delta. No curso de uma década, o banco transferiu dezenas de milhões de dólares em nome da Traffic Group, a empresa brasileira de marketing esportivo, por meio desses bancos e do HSBC Holdings Plc, do Wells Fargo Co. e do Banco do Brasil SA, segundo documentos do Departamento de Justiça.

Porta-vozes do Citigroup, do JPMorgan, do Wells Fargo e da Traffic Group preferiram não comentar e o Banco do Brasil não respondeu aos pedidos de comentário. O HSBC está analisando a acusação contra a Fifa "para garantir que nossos serviços não estão sendo usados para crimes financeiros", disse Rob Sherman, porta-voz do banco em Nova York.

Cavalos árabes

O Delta foi criado nos anos 1980 por Aloysio de Andrade Faria, um bilionário de 94 anos com afinidade pela criação de vacas leiteiras premiadas e cavalos árabes.

Com uma reputação entre os veículos de comunicação brasileiros de raramente conceder entrevistas, Faria construiu um império empresarial que inclui o Banco Alfa de Investimento SA, com sede em São Paulo, hotéis, uma produtora de azeite de dendê e uma rede de lojas de materiais de construção. Em 1998, ele vendeu um banco fundado por seu pai por US$ 2,1 bilhões.

Os negócios do Delta se baseavam "inteiramente" em ajudar clientes latino-americanos a reduzirem seus impostos, disse o OCC em um relatório, em 1996. Faria manteve laços com o Delta por meio de uma empresa de investimentos nas Ilhas Cayman, segundo um documento recente do Federal Reserve e um ex-funcionário.

Faria não foi encontrado para comentar esta reportagem e a porta-voz do Banco Alfa, seu banco de São Paulo, preferiu não comentar.

A maior mancha do Delta veio em 2003, quando o Departamento de Justiça dos EUA o acusou de permitir que traficantes de drogas colombianos lavassem dinheiro por meio de suas contas no banco. Após ser condenado por não apresentar relatórios das atividades suspeitas sobre transações de até US$ 10 milhões, o Delta concordou em pagar uma multa de US$ 950.000.

Anos depois, as autoridades do Departamento de Justiça que cuidaram do caso escreveram um artigo jurídico em que afirmaram que a conduta do Delta foi uma "decisão intencional do banco de permitir esses tipos de transações" e não uma falha de compliance.

Investigações brasileiras

Em 2008, promotores brasileiros buscaram ajuda do Departamento de Justiça dos EUA como parte de uma nova investigação sobre um dos clientes do Delta. Eles pediram informações sobre uma conta do Delta para examinar supostos crimes tributários e de lavagem de dinheiro envolvendo um executivo brasileiro do setor açucareiro, segundo documentos da Justiça dos EUA.

A acusação da semana passada não foi o primeiro contato do Delta com um escândalo no futebol.

Em 2001, uma investigação do Senado brasileiro concluiu que as operações do futebol no país estavam assoladas pela corrupção -- boa parte dela concentrada no então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira --. O Delta gerenciou dezenas de milhões de dólares em empréstimos para Teixeira e para a CBF, o que levou a questionamentos dos investigadores, segundo o relatório do Senado.

Anos depois, Teixeira renunciou ao Comitê Executivo da Fifa. A revista brasileira Época reportou nesta semana que a Polícia Federal o acusou de lavagem de dinheiro e fraude após uma investigação de dois anos. As informações de contato de Teixeira não puderam ser imediatamente localizadas pela Bloomberg News.

Título em inglês: Bank Tied to FIFA Scandal Has Drug Cartel, Regulatory History

Para entrar em contato com os repórteres: Jesse Hamilton, em Washington, jhamilton33@bloomberg.net; Alan Katz, em Washington, akatz5@bloomberg.net; Silla Brush, em Washington, sbrush@bloomberg.net.