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Conar critica politicamente correto, sofre reclamação e vai se autojulgar

Aiana Freitas

Do UOL, em São Paulo

11/04/2014 06h00

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) colocou no ar duas propagandas que, com cenas de humor, indiretamente criticam queixas politicamente corretas levadas ao órgão.

As campanhas estão gerando polêmica entre consumidores e associações, e viraram alvo de processo dentro do próprio Conar.

Em uma das propagandas, um consumidor aborda um palhaço chamado Peteleco, que está brincando com um grupo de crianças. "Você não tem vergonha de fazer apologia à violência, não?", pergunta o consumidor, fazendo referência ao nome do palhaço.

Ele também critica a flor de lapela do palhaço, que esguicha água. "Cadê sua consciência ambiental?", questiona.

Comercial do Conar mostra consumidor reclamando de palhaço

Clientes fazem queixa a garçom em comercial do Conar

No outro comercial, um casal está num restaurante comendo feijoada e o homem chama o garçom para fazer uma reclamação. "Não entendi por que você separou o arroz do feijão. Por acaso você é a favor da segregação?", pergunta.

A mulher reclama que a couve é o único alimento "feminino" do prato, uma vez que é servida com arroz, feijão e o torresminho. "Isso é machismo", diz ela.

Ao final das duas propagandas, criadas pela agência AlmapBBDO, uma voz diz que o Conar é responsável por regular a publicidade no Brasil e todos os dias recebe dezenas de reclamações. "Muitas são justas; outras, nem tanto. Confie em quem entende. Confie no Conar", diz a peça publicitária.

Vídeos ridicularizam reclamações, diz Idec

Consumidores que se sentiram ofendidos com as propagandas fizeram queixas ao Conar, o que resultou na abertura de um processo no órgão, habituado a julgar campanhas feitas por empresas.

Além disso, 30 associações, como Geledés - Instituto da Mulher Negra, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e Liga Brasileira de Lésbicas (LBL-SP), enviaram uma carta ao Conar pedindo que as propagandas sejam retiradas do ar. As entidades argumentam que as campanhas não tratam com seriedade as demandas de alguns grupos sociais.

Para o Idec, os vídeos "são abusivos por disseminar informações incorretas, ridicularizar e desqualificar as reclamações dos consumidores". O instituto diz que o Conar se mostra como o responsável por coibir abusos na publicidade, quando, na verdade, esse poder é restrito.

"[O Conar] pode apenas recomendar alterações ou suspensões de campanhas que ainda estiverem no ar. Cabe ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor impor sanções mais efetivas quando há o desrespeito ao consumidor, com a aplicação de multas, por exemplo", afirma o Idec, em nota.

Campanha não desencoraja queixas, diz agência

Bruno Prosperi, diretor de criação da AlmapBBDO, diz que o Conar procurou a agência para que fizesse uma campanha que aproximasse o mercado publicitário dos consumidores.
 
"Os filmes retratam situações de reclamações exageradas, mas, em momento algum, desencorajam o consumidor a reclamar. Pelo contrário. A ideia da campanha é mostrar que, seja lá qual for a reclamação, temos um órgão imparcial e formado por especialistas aptos a julgar se as críticas são cabíveis e decidir se uma campanha deve ou não permanecer no ar", afirma Prosperi.
 
Para ele, as redes sociais acabaram dando mais voz aos consumidores. "Ficou muito mais fácil opinar, criticar, refletir e comentar sobre qualquer assunto ou tema. Isso não significa que precisamos ter medo do que devemos comunicar. Mas, com certeza, devemos ter clareza e estar seguros do assunto de que estamos tratando."

O excesso de controle, porém, muitas vezes acaba tolhendo as equipes de criação das agências, afirma Murilo Orefice, professor do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Anhembi Morumbi.

"Por um lado, é necessário haver um controle, tanto por meio da autorregulamentação como por meio de legislação, e a sociedade ganha com isso. Mas o politicamente correto tem ganhado cada vez mais força e é preciso haver bom senso. As propagandas do Conar são claramente peças de humor. A mim, as reclamações sobre elas parecem um certo exagero", diz o professor.

O Conar diz que a carta das entidades civis foi anexada ao processo aberto pelos consumidores e tudo será analisado em reunião do conselho em maio. Até lá, as campanhas continuarão no ar.