'Recebo 20 ligações de cobrança de dívida por dia', diz cliente do Itaú

Uma cliente endividada do Itaú recebe mais de 20 ligações por dia cobrando o pagamento da dívida. Ela, que já fez reclamações por conta das ligações incessantes, deve R$ 77 mil depois de não conseguir pagar uma dívida de R$ 14 mil no cartão de crédito. Para o Idec, o excesso de ligações é um tipo de cobrança abusiva, o que é um crime. O Itaú afirma que não compactua com cobranças abusivas e comunicação indevida.

'Ligam mais de 20 vezes por dia'

Uma cliente do Itaú, que preferiu não ser identificada, tem uma dívida de R$ 77 mil com o banco. A dívida inicial era de R$ 14 mil, mas o valor se multiplicou com os juros. Ela ficou desempregada na pandemia e não conseguiu pagar a fatura do cartão, o que virou uma bola de neve.

Na época, usava o cartão para seus gastos pessoais e emprestava para outras pessoas em busca de aumento de crédito. Todos pagavam normalmente e, quando perdeu o emprego, começou a usar o dinheiro dessas pessoas para sobreviver.

Em abril, uma empresa de cobrança começou a ligar para a cliente. Ela fez diversas reclamações e as ligações pararam. No entanto, agora ela voltou a receber as chamadas do próprio Itaú: são mais de 20 por dia, de números diferentes.

Eu estava de saco cheio e atendi. Fiquei 12 minutos falando com a pessoa, e até pedi desculpa para ela, porque eu estava muito nervosa por ter atendido a ligação.
Cliente do Itaú

Assim que desligou o telefone, recebeu novas ligações. A cliente afirma que é diagnosticada como uma pessoa autista e que falar ao telefone é uma dificuldade que enfrenta. Ela conta que até mesmo familiares avisam com antecedência que vão ligar para ela poder se preparar e atender da melhor forma possível.

Nem informei [durante a ligação] sobre a minha condição, comentei na reclamação e aqui porque achei pertinente, já que atender e fazer ligações é uma dificuldade que tenho desde sempre. Acabei me expondo e dando essa 'carteirada' para ver se teriam um pouco mais de compreensão, que ligar 20 vezes para pessoa não vai fazer surgir dinheiro na conta de um minuto para o outro.
Cliente do Itaú

O banco propôs a renegociação da dívida, mas que não cabia no bolso da cliente naquele momento. Ela pediu que entrassem em contato com ela em três ou quatro meses para avaliar se ela conseguiria renegociar a dívida e que parassem de ligar tantas vezes ao dia.

Procurado pelo UOL, o Itaú afirma que não compactua com cobranças abusivas e comunicação indevida. O banco diz que monitora a intensidade de acionamentos dos prestadores por meio relatórios, indicadores e ligações para avaliar a qualidade do serviço prestado.

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O banco afirma, ainda, que o contrato de prestação de serviço com os parceiros possui cláusulas punitivas para reclamações e/ou desvio de conduta que podem ensejar desde multa até rescisão de contrato, dependendo da gravidade da situação. Nesse sentindo, o banco informa que irá investigar o caso descrito na reportagem e, caso seja constatada alguma irregularidade neste contato, serão tomadas as ações cabíveis para sua resolução. Por fim, o Itaú reforça que está à disposição para entender a situação de cada cliente e fornecer opções ou condições específicas para ajudá-los a reorganizar a vida financeiramente.
Itaú, em nota

Outras reclamações

E-mail enviado pela GRB a um cliente sem dívidas
E-mail enviado pela GRB a um cliente sem dívidas Imagem: Arte/ UOL

Clientes estão reclamando da abordagem de cobrança no Reclame Aqui. As dívidas destas pessoas estão sendo cobradas pela empresa GRB Services do Brasil, um escritório de cobrança parceiro do banco. Há reclamações de pessoas que de fato possuem dívidas em aberto, outros clientes que estão pagando renegociações em dia e, portanto, não deveriam receber cobranças, e de pessoas que nem sequer possuem dívidas com o Itaú.

Consumidores relatam diversas ligações por dia e emails intimidatórios. Nos casos de clientes sem dívidas, a GRB responde que fez o bloqueio dos dados do cliente nas bases de dados da empresa.

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Em maio, a GRB foi condenada por práticas abusivas de cobrança pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. O processo diz que um homem tinha uma dívida com o Mercado Pago e a GRB enviava cobranças aos familiares do devedor. Segundo o autor, no período de 40 dias, foram enviados 29 emails de cobrança a sua mãe e nove a seu irmão.

De 1º de abril a 30 de setembro foram registradas 1.198 reclamações contra a empresa no Reclame Aqui. Desde 26 de outubro de 2020, data que o Reclame Aqui começou a falar da reputação da empresa, foram 3.875 reclamações.

Procurada pelo UOL, a GRB Services diz que responde a todas as reclamações no Reclame Aqui e que faz a exclusão dos dados no caso de pessoas que não possuem dívidas em aberto. A empresa diz que "muitos telefones são pré-pagos e invariavelmente trocados pelos titulares, o que eventualmente pode ocasionar algum acionamento a pessoa diversa do contrato".

A GRB diz que está há 10 anos no mercado e que segue a lei. "Esclarecemos aqui que seguimos de maneira rigorosa todas as normas constantes em legislação vigente, além de políticas internas que busca prestar o melhor atendimento aos clientes, como nos horários fixados na legislação de cada Estado, bem como realizamos treinamentos constantes a nossos funcionários no sentido da experiência do cliente (CX), trazendo e explicando cada passo da jornada do nosso negócio", afirma em nota.

Estou recebendo diariamente vários emails da GRB Services do Brasil sobre uma possível regularização de débito com o banco Itaú, débito que desconheço, banco que não trabalho e que já se transformou em uma situação desagradável e abusiva. Inadmissível esse transtorno gerado por essa GRB Services do Brasil.
Reclamação do dia 25 de outubro de 2023

Estou recebendo ligações desta empresa da qual já acionei juizado pequenas causas. Não devo nada ao Itaú nem nunca devi. Respondi aos email, mas eles voltam. Quero e vou pedir indenização porque todo dia recebo ameaça, chega. Falei com o banco que disse não ter nenhum débito aberto nem vendido.
Reclamação do dia 25 de outubro de 2023

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Estou desempregado e fiquei inadimplente com o Mercado Livre. Desde que minha dívida foi parar na mão da GRB minha vida virou um inferno. Ligações contínuas, mesmo explicando a minha situação, por vezes em intervalos de menos de meia hora no mesmo dia!!!! SMS e emails intimidatórios, com mensagens subliminares ameaçadoras insinuando que a dívida irá pra justiça!!! Que Juiz dará ganho de causa pra quem massacra uma pessoa que não escolheu ser inadimplente? Estão me colocando contra a parede, em desespero!! A última mensagem fala em "justiça Arbitral"? Nas ligações as clientes sugerem que a gente peça dinheiro emprestado para pagar o que eu já peguei emprestado, ou seja: endivide-se com outro pra pagar a sua dívida! Não estou aguentando mais isso.
Reclamação do dia 25 de outubro de 2023

Cobrança abusiva

Cobrança abusiva é um crime, segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Carolina Vesentini, advogada da área de relacionamento do Idec, afirma que cobranças abusivas são aquelas em que o consumidor é humilhado, ameaçado, exposto a terceiros, ou ridicularizado.

Diversas ligações ao dia para os devedores é uma cobrança abusiva. "A [cobrança] abusiva é aquela que passa o limite do razoável, que causa um transtorno a pessoa. Ela é devida, mas causa um transtorno a pessoa", afirma Vesentini. O Código de Defesa do Consumidor diz que a pena para cobranças abusivas é de três meses a um ano de prisão, além de cobrança de multa.

A cobrança indevida é aquela que nem deveria existir, como os emails enviados a pessoas que não possuem dívidas.

Empresas podem entrar em contato por email e podem dizer que pretendem processar o consumidor, no entanto, não pode ser em tom de ameaça. Ligações podem ser feitas das 8h às 20h durante dias de semana e das 8h às 14h aos sábados. "O endividado tem o direito de ser tratado com dignidade e não ter a sua paz perturbada", afirma Vesentini.

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Empresas podem cobrar dívidas ativas, mas não podem constranger o cliente. Márcio Chaves, sócio do escritório Almeida Advogados, afirma que empresas não podem constranger cliente, nem impor situações vexatórias, fazer ameaças e contagens regressivas. "A questão não é o que fala, mas a forma e a frequência. Se você fala que falta uma hora, não faz nada e todo dia manda a mesma coisa, a mesma informação, já existe um comportamento abusivo", afirma Chaves.

Consumidor que não possui dívida e está sendo cobrado pode pedir que seus dados sejam excluídos da base de dados. Se não funcionar com a empresa, Chaves diz que é possível buscar o Procon, a Justiça ou fazer uma reclamação na ANPD, que é o órgão responsável por proteção de dados.

Cobrança abusiva tem pena de detenção. Parece que isso não intimida as empresas, não é o suficiente, porque o lucro ainda é maior do que o dano. As pessoas não chegam a fazer a denúncia formal ou alguns casos precisa entrar na Justiça.
Carolina Vesentini, advogada da área de relacionamento do Idec

[Quem está endividado] Pode ser cobrado, mas tem um limite. O que eu acho correto: o consumidor entrar em contato com a empresa, falar que tem a dívida, mas a forma como estão me cobrando excede os limites da lei, que causa um transtorno.
Carolina Vesentini, advogada da área de relacionamento do Idec

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