Desoneração da folha gerou empregos? Saiba o que está em discussão

A desoneração da folha de pagamentos vale desde 2011 e o veto de Lula ao projeto está gerando um impasse. Os setores beneficiados pela desoneração dizem que veto ao projeto vai gerar desemprego, enquanto o governo federal alega que a medida não foi positiva ao mercado de trabalho nos últimos anos. Uma pesquisa do Ipea mostra que de 2012 a 2022 os setores desonerados fecharam 960 mil postos de trabalho, uma queda de 13%.

O que está em jogo

A desoneração da folha foi introduzida há 12 anos, em 2011, em caráter temporário. A medida substituiu a contribuição previdenciária patronal (CPP), de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. CPP é o recolhimento de contribuições sociais pela empresa ao INSS.

17 setores beneficiados pela desoneração. São eles: confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação (TI), tecnologia de comunicação (TIC), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

A ideia central era de que a desoneração ajudaria a gerar mais empregos nos setores. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que não há estudos que comprovem que a desoneração trouxe uma geração de empregos significativa, enquanto os setores alegam que o fim da desoneração vai causar desemprego. Com o veto de Lula, a medida vale até 31 de dezembro de 2023 — data pode ser prorrogada caso o Congresso derrube o veto do presidente.

A desoneração começou em 2011 para os setores de tecnologia de informação e tecnologia de comunicação. João Claudio Leal, sócio-coordenador da área tributária do SGMP Advogados, afirma que depois foram incluídos diversos setores até chegar nos 17 de hoje. A contribuição sobre a folha de pagamento é um dos maiores custos para os empresários, segundo Leal.

Em conversa com os empresários que atuam nos setores que são beneficiados, o que eles falam é que a regra de desoneração, quando foi criada, em um momento mais difícil da economia, foi importante para que a situação difícil que estávamos passando no país não gerasse desemprego na proporção que se pensava. Hoje em dia com a contribuição substitutiva, o que alguns falam é que ela gera um alívio sim do que se fosse feita a cobrança da contribuição de folha, a carga suportada pela empresa seria maior, mas não é uma grande diferença.
João Leal, advogado

O que diz quem é contra a desoneração

O Ipea diz que os setores desonerados fecharam vagas nos últimos anos. A pesquisa da entidade mostra que empresas privadas de outros setores tiveram um aumento de 6,3% (1,7 milhão) nos empregos com carteira assinada de 2012 a 2022, enquanto os setores desonerados tiveram uma queda de 13%, o que representa menos 960 mil postos de trabalho. No mesmo período, todos os setores com folha desonerada reduziram suas participações nos totais de ocupados (de 20,1% para 18,9%), ocupados contribuintes da Previdência (de 17,9% para 16,2%) e empregados com carteira do setor privado (de 22,4% para 19,7%).

A política de desoneração não teve sucesso em aumentar o número de empregos, de acordo com Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea e autor da pesquisa. "[A desoneração] custou caro nesses 11 anos. Esse custo é muito alto e o resultado tem sido aquém do desejado. Não vejo justificativa para prorrogar a política", afirma Hecksher.

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A desoneração poderia ter sido menos cara aos cofres públicos, de acordo com o pesquisador. Para Hecksher, ela seria mais positiva se tivesse regras que determinassem que empresas teriam o direito de receber ou não o benefício — assim como é o Bolsa Família, que as famílias precisam cumprir requisitos como manter os filhos na escola e manter a carteira de vacinação em dia para continuar tendo direito a receber o valor mensal.

Ela poderia ser uma política menos cara, se fosse apenas no fluxo de aumento do emprego nas empresas e não para todo o estoque de trabalhadores ocupados nas empresas. Quando você desonera todos os empregados, mesmo que [a empresa] fique parada [em contratações], você pagou por algo que não vai ter resultado. Se a desoneração fosse focada apenas nas empresas focadas em aumento de empregados, aí talvez o custo se justificasse. Talvez com um retorno compensasse o custo.
Marcos Hecksher, pesquisador do Ipea

O pesquisador diz que a política pode ter diminuído a perda de emprego em algum momento, mas não ajudou a gerar novas vagas. Não há pesquisas que comprovem isto. "O cálculo é feito em cima do faturamento da empresa. A empresa pode optar por essa forma de pagamento, não tem que dar nenhuma contrapartida. Ela pode simplesmente fazer o que quiser, e parte desse dinheiro deve gerar apenas aumento de lucro as empresas", diz Hecksher.

Os estudos que mostram que a desoneração gerou empregos são ruins, na avaliação de Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV Ibre. Barbosa Filho afirma que um dos estudos mostra que o custo para geração de vagas fica muito alto perto do salário pago aos trabalhadores, o que na prática aumenta a margem de lucro das empresas.

A desoneração beneficia grupos específicos. O que a gente precisa fazer é uma reforma trabalhista reduzindo o custo do trabalho, não para setores específicos, amigos do rei nesse caso, que se beneficiam, mas que mude a regra geral, reduzindo por exemplo de forma horizontal na economia os custos trabalhistas no Brasil, que eles são elevados. Você também poderia fazer uma política de aumento da produtividade do trabalhador com qualificação profissional decente, efetiva. Enquanto você não fizer tudo isso, vai ser muito difícil as coisas andarem.
Fernando de Holanda Barbosa Filho, do FGV Ibre

O que diz o governo

Haddad afirma que o governo vai fazer novas revisões em incentivos fiscais. No entanto, não disse quais os temas que o governo pretende promover mudanças. O veto da desoneração é um "freio" para arrumar as contas públicas e corrigir distorções, segundo o ministro.

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Não estou alheio ao problema que isso [veto a desoneração] pode acarretar. Meu papel não é ficar cedendo à chantagem. Falavam em contratação quando houve a desoneração, o que não aconteceu.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, em coletiva de imprensa no dia 24 de novembro

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, afirmou em coletiva no dia 28 de novembro que a desoneração não gera empregos. Marinho disse que o que gera emprego é a produção.

O que gera emprego é a economia crescendo de forma perene, desoneração só de alguns setores não gera empregos, como alguns defendem. Foi o que ocorreu com a reforma trabalhista, só houve uma precarização do emprego. Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, que conversaram com os representantes dos setores, podem falar melhor sobre a desoneração da folha. Acho que o Congresso está querendo fazer uma reforma tributária, mas têm projetos mais importantes para serem votados e colocados na ordem do dia que derrubar veto.
Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego

O que dizem os setores a favor da desoneração

Os setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos dizem que o fim da medida vai causar desemprego. Veja o que dizem algumas associações de setores beneficiados pela desoneração:

A CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) diz que recebe veto com preocupação. A entidade destaca que o projeto é usado há 12 anos, que se mostrou eficiente na geração de empregos e que a decisão vai na contramão do desenvolvimento social.

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A decisão, aliada a isenção dos marketplaces em até US$ 50, vai na contramão do desenvolvimento social e econômico, gera instabilidade, desemprego e a informalização do mercado de trabalho, o que impactará negativamente e diretamente nos fundos dos trabalhadores (FGTS e FAT), na Previdência Social e na própria arrecadação do Governo.
CNDL, em nota

A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) afirma que "lamentou profundamente". "Para a entidade, a decisão contraria 'a agenda de industrialização do país e o melhor programa social que existe, que é a geração de postos formais de trabalho'. Dificulta, ainda, a competitividade do setor industrial, jogando contra a estabilidade dos preços", afirma a Abit em nota.

A NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos) também afirma que lamenta a decisão. A entidade diz que medida deve aumentar os custos totais do transporte coletivo por ônibus em 6,78%, o que significaria um aumento médio de R$ 0,31 no preço das passagens.

A reoneração deve afetar também a manutenção dos 328 mil empregos diretos gerados pelo segmento (dado de setembro/2023), que já foi duramente impactado pela covid-19: a pandemia provocou a redução de até 80% no número de passageiros transportados e perdas acumuladas de R? 36 bilhões, que acarretaram o fechamento de 77,9 mil postos de trabalho nos últimos três anos.
NTU, em nota

O IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) também é contrário ao veto do presidente. "Se essas empresas dos 17 setores puderem recolher [contribuição] sobre o faturamento, traz benefícios para elas e para o Brasil". Com a desoneração, as empresas pagam a contribuição de 1% a 4,5% sobre a receita bruta ao invés de pagar 20% sobre a folha de salários.

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