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Por que as empresas brasileiras não aderiram ao boicote ao Facebook?

Johanna Geron/Reuters
Imagem: Johanna Geron/Reuters

17/07/2020 14h01

O boicote ao Facebook proposto pelo movimento "Stop Hate For Profit" nasceu também por questões políticas —e tem ganhado mais adeptos nos EUA por causa disso. O processo eleitoral norte-americano acontece em novembro deste ano.

Com ele, há uma discussão imensa sobre a propagação de discursos de ódio e fakes news nas plataformas digitais, que influenciam diferentes tipos de violência contra grupos minorizados.

Criam uma tensão e polarização na população, que parece deteriorar qualquer chance de um pacto civilizatório.

Esse cenário não agrada as grandes multinacionais, a maioria delas estabelecidas nos EUA, que optaram por um boicote ao Facebook, sob alegação de que a plataforma tenha políticas mais eficazes para o banimento desse conteúdo.

Mas por que não vemos esse mesmo movimento ganhar força no Brasil, que passa por um processo semelhante com relação ao presidente da República e seu governo, que dá suporte a grupos que propagam discursos de ódio?

Racismo estrutural e falta de consciência política

O mundo corporativo brasileiro, principalmente aquele responsável pela comunicação das marcas, é conhecido por estar sempre em busca de referências de inovação muito além das nossas fronteiras. São relatórios de tendências, pesquisas, eventos: uma infinidade de materiais, quase todos eles em inglês, que versam de forma ampla sobre os desafios de problemas globais ou domésticos, nos EUA.

Inclusive, muitas das empresas que aqui estão estabelecidas são multinacionais, e já têm suas posições globais definidas pelos escritórios centrais, sobrando muito pouco espaço para movimentos locais.

Soma-se a isso o fato de que o Brasil é um país espantosamente mais desigual e segregado que os EUA.

Pessoas negras, que representam mais da metade da população, têm menos acesso a espaços de poder corporativo, acadêmico e político. Encontrar pessoas negras em posições de liderança em grandes empresas é algo que só é menos raro do que encontrar famílias negras almoçando em restaurantes das áreas nobres da cidade.

O racismo estrutural fez com que a ausência das pessoas negras em espaços de poder fosse tão normalizada que só agora as pessoas estão se dando conta disso.

Um outro problema é a ausência da consciência política. Por muito tempo, discutir política no Brasil era algo que não existia como "cotidiano". Somos uma sociedade ainda muito imatura em relação à influência da política em nossas vidas —e à influência das nossas vidas na política.

Justamente por isso, os debates propostos por movimentos sociais e do terceiro setor ganharam pouco espaço e/ou ainda são evitados nesses espaços de poder. Não falamos sobre o tema.

Muito se fala e pouco se faz

O resultado disso tudo é que, quando o assunto é algo como o movimento "Stop Hate For Profit", muito se fala e pouco se faz.

E esse contexto é importante para que o debate não se perca em culpabilizações individuais ou num maniqueísmo improdutivo sobre as posições dessas empresas (e as pessoas que estão à frente delas).

Isso quer dizer que as empresas no Brasil não devam ser cobradas e responsabilizadas? Pelo contrário.

Mais do que nunca, as empresas precisam se posicionar como elementos fundamentais nos processos de mudança rumo a um pacto civilizatório que conceda dignidade a todos.

E, como cidadãos comuns, consumidores, devemos também apontar possíveis erros e inconsistências estratégicas e soluções mais eficazes.

O boicote vai melhorar a vida de alguém?

Uma das coisas que mais me incomoda no "Stop Hate For Profit" é que a forma como ele é posto faz com que os holofotes fiquem sobre as marcas e o Facebook.

E mais, no dia em que o Facebook tomar providências com relação ao discurso de ódio, veremos uma melhoria na vida das pessoas de grupos minorizados?

O movimento me parece falhar no que considero o maior problema da publicidade hoje em dia: a forma da distribuição das verbas publicitárias para veiculação em mídias ainda é extremamente concentrada.

Os investimentos não contemplam iniciativas lideradas por veículos, criadores de conteúdo e outros meios de propriedade comprometidos com as pessoas com pouca representatividade política e econômica.

O "Stop Hate For Profit" poderia servir para uma revolução necessária na maneira como marcas se posicionam como transformadoras, comprometidas, ativistas.

Com isso, teríamos um mercado muito mais diverso em termos de players relevantes.

Mas, principalmente, com mais possibilidade das marcas realizarem uma releitura das suas narrativas, mais alinhadas com as diferentes perspectivas da população. Sem isso, acusações de apropriação de ativismos nunca serão exageradas.