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Política de ações para o bem comum será fundamental para as marcas em 2021

Magazine Luiza, de Helena Trajano, se destacou pela "Agenda 2030" - Divulgação
Magazine Luiza, de Helena Trajano, se destacou pela "Agenda 2030" Imagem: Divulgação
Luiz Peres-Neto

30/12/2020 04h01

Eis que chega dezembro e, invariavelmente, começam as retrospectivas. Neste 2020 atípico, pelo menos neste ponto não escaparemos da normalidade. Por mais enfadonho que possa parecer, quando tudo o que achávamos sólido se desfez, algo de rotineiro se torna um alento.

Para todos os profissionais de marketing e comunicação que tiveram que, mais do que nunca, "se virar nos 30", o ano que acaba deixa lições importantes e certamente algumas tendências. Portanto, vale a pena gastar um pouquinho do seu tempo e tentar ler este artigo.

É verdade que o autor não tem uma varinha mágica capaz de prever o futuro. Se assim fosse seria consultor e não professor-pesquisador. Contudo é precisamente por ser um pesquisador que proponho este balanço como um exercício de tentar passar a limpo o 2020 das marcas a partir do que foi feito. Afinal, a ciência é feita de fatos. Portanto, caro leitor ou leitora, vamos aos fatos!

A implosão do calendário

Nem mesmo o mais agoureiro dos planners (e olha que a amostra é grande) em um dia de fúria poderia supor um ano no qual o calendário de todas as agências iria para o vinagre. É bem verdade que aqui nos trópicos, o coronavírus deu um refresco para que o carnaval pudesse acontecer. A partir de aí, o jogo-jogado do planejamento Dia-das-Mães-Páscoa-Dia-dos-Namorados-Dia-Dos-Pais-Férias-Dia-das-Crianças-Black-Friday-Natal se transformou em uma montanha-russa.

É bem verdade que algumas marcas como a Coca-Cola souberam fazer da crise uma oportunidade. Em meio à dramática situação de mortes a borbotões e colapso generalizado dos sistemas de saúde (algo que alguns ainda tentam não ver) em respeito à sua filosofia de vendar a felicidade, a empresa decidiu suspender todas as suas ações e campanhas, retomando-as apenas agora, no final do ano, para o tradicional spot de Natal.

Em meio a uma pandemia, apenas cabem medidas excepcionais

Muitos viram a ação da Coca-Cola como exagerada. Mas, em meio a uma pandemia, apenas cabem medidas excepcionais. As marcas que tentaram se adaptar ao cenário atual, quer seja falando de um consumo futuro ("fique em casa agora, mas quando puder sair compre o carro da minha marca"), quer seja figurando uma realidade de esperança futura (com ou sem máscara) passaram desapercebidas e, certamente, perderam uma oportunidade de ouro para entrar num novo mundo, conectadas com os desafios do aqui e agora, sensíveis às dificuldades e, enfim, coerentes com os tempos que correm.

Claro, sempre pode-se fazer pior: pensemos em todas as marcas que tentaram usar a crise do covid-19 para seu próprio benefício, oportunismo que não passou despercebido e que não merece nem sequer ser lembrado aqui.

A grande bola dentro: Magalú

Toda a polêmica gerada em torno ao famoso processo seletivo para trainees negros do Magalú já indica o quanto o racismo estrutural perdura na sociedade brasileira, em geral, e não deixa imune o mundinho do marketing e das comunicações, em particular.

Ações afirmativas num país como o Brasil não apenas indicam a vontade de algumas marcas de saírem do "storytelling" das ações de responsabilidade social corporativa coreografadas por especialistas, selos, prêmios e institutos para efetivamente entrar no mundo das ações, do "storydoing".

Não há mais espaço para o discurso corporativo do bom-mocismo

Certamente, algum leitor ou leitora torcerá o nariz para esta afirmação. Porém, não há mais espaço para o discurso corporativo do bom-mocismo. A "Agenda 2030" está aí e ou as marcas se mexem ou serão engolidas por uma sociedade mais vigilante, ativa e totalmente pautada pela igualdade (de raça, gênero, crença, enfim, plena!).

A grande bola fora: Carrefour

Sem sombra de dúvidas o Carrefour nos deixa a pior lembrança em 2020. Sim, é preciso ter cautela e não criminalizar uma marca por uma ação concreta cujas responsabilidades estão sob judice.

No entanto, com independência disso, é inadmissível que em pleno século XXI tenhamos que lidar com a banalização do mal e de tudo que envolveu a morte de João Alberto Silveira Freitas, bem como a resposta da empresa ao caso, incapaz de reconhecer seus próprios erros ou de oferecer elementos de que indicassem que dali em diante tudo seria diferente.

2021 e a década vindoura, para as marcas, será política (ou não será)

Muitas marcas já caíram no canto da sereia do chamado "marketing de causa". Para espanto de alguns, afirmo com a tranquilidade de um pesquisador: trata-se apenas de uma versão mais bem acabada epistemologicamente das antigas teorias de responsabilidade social corporativa.

Sei que esta afirmação pode ruborescer entusiastas da "jet-set corporativa" e até mesmo de alguns colegas da academia. A leitura do ano 2020, no entanto, não deixa espaço para dúvidas: 2021 e a década vindoura, para as marcas, será política ou não será.

É preciso, no entanto, desfazer um equívoco conceitual. Não falamos em política partidária e sim em política como ação no espaço público. Política como ação para o bem comum. Paradoxalmente, durante mais de um século as marcas repetiram o discurso de que não se imiscuíam em questões políticas por mais que, nos bastidores, fizessem politicagem partidária, quer seja por meio de lobbies ou de doações ao sistema de partidos.

Consumidores do século XXI velam pela igualdade. São vigilantes. Neste contexto, não tolerar machismo, misoginia, transfobia ou racismo não é tendência. É realidade.

Aceitar esse novo mundo, diverso e político, pressupõe, primeiro, um exercício de escuta das vozes que vêm das ruas, um movimento que muitas marcas já iniciaram, mas que, com o infortúnio de 2020, aprofundaram. A partir daí, deixar de ser um mero agente propagandístico dessa nova realidade e passar a ser um agente transformador é o grande desafio que se apresenta.

Humanizar as marcas, o discurso repetido como tendência para 2020 já é realidade. Passar para a ação que nos define como humanos é o desafio. Afinal, não somos um animal político? Eis a questão!