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Opinião: Por que PL do mercado de carbono é boa oportunidade para o país

Os eventos climáticos extremos têm imposto muitas perdas humanas e materiais ao nosso país. Ao mesmo tempo, a crise climática representa uma janela de oportunidade histórica para nossa geração. Cabe aos formuladores de políticas públicas, empresários e consumidores, ou seja, a todos os cidadãos, extrair as lições certas do que temos vivido, evitar novos danos futuros e aproveitar o potencial singular do Brasil em contribuir com as soluções e ainda gerar prosperidade sustentável.

O ano de 2024 foi marcado por duas catástrofes no Brasil que infelizmente sintetizam o significado dos eventos climáticos extremos: as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas generalizadas em todos os biomas brasileiros. Ambos foram causados, primordialmente, pelo aquecimento global, resultado do aumento dos gases do efeito estufa na atmosfera.

As chuvas torrenciais no Sul foram potencializadas pela elevação da temperatura no oceano, que aumentou a evaporação. Em vez de se deslocar na direção Norte, as nuvens que se formaram ficaram retidas no Sul por uma barreira de calor atípica. Esse mesmo calor causou a pior estiagem dos últimos 50 anos nas demais regiões do país, facilitando a ocorrência das queimadas.

Esses eventos causaram queda na produção agrícola, redução da oferta de alimentos no mercado interno e, consequentemente, aumento de preços. Levantamento da consultoria Lifetime revela alta do IPCA nas culturas afetadas pelo clima adverso.

As frutas aumentaram 4,2% em agosto e mais 2,8% em setembro; o café moído, 3,7% e 4,0%; carne bovina, 0,5% e 3,0%. Em menor escala, o impacto também foi sentido nos preços de hortaliças e verduras, açúcares, derivados e etanol. Em outubro, o grupo alimentação sofreu novo aumento, de 1,2%, compressionado pela alta de 5,8% nos preços das carnes em geral. Mais uma vez, um dos fatores foi a seca, segundo André Almeida, gerente do IPCA e INPC.

Outro grupo bastante afetado foi o de habitação, por causa dos aumentos nas contas de energia elétrica. A queda no volume de chuva reduziu a geração de energia das hidrelétricas em até 10%, de acordo com estudo da Climate Policy Initiative/PUC-Rio e do Amazônia 2030. As usinas termoelétricas, que têm custo mais alto de geração, foram acionadas.

A bandeira vermelha patamar 1, o mesmo da crise hídrica de 2021, foi ativada. A cobrança adicional elevou a conta de luz em 5,4% em setembro. Em outubro, com a bandeira vermelha patamar 2, a energia elétrica residencial aumentou outros 4,7%.

A inflação de alimentos e da moradia afeta sobretudo as pessoas de mais baixo poder aquisitivo. Além disso, essas pressões inflacionárias pressionam os juros, para evitar o repasse para outros grupos de preços, num contexto de demanda aquecida. Juros mais altos prejudicam toda a atividade econômica e, de novo, afetam mais os mais pobres.

Prejuízos

Além de todo o sofrimento humano, que tem um custo incomensurável, as tragédias climáticas dos últimos anos custaram ao Brasil cerca de R$ 100 bilhões. O cálculo é conservador, porque não leva em conta os imensos custos de oportunidade decorrentes da interrupção das atividades econômicas.

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Os prejuízos causados pelas enchentes no Rio Grande do Sul em 2024 foram estimados em cerca de R$ 87 bilhões, segundo um estudo realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Elas devastaram o estado, causando perdas humanas e destruição significativa de infraestruturas e propriedades em 478 municípios.
Já as inundações no Litoral Norte de São Paulo em fevereiro de 2023, especialmente nos municípios de São Sebastião, Caraguatatuba, Ilhabela e Ubatuba, causaram mais de R$ 1,5 bilhão em prejuízos, com perdas significativas em infraestrutura e moradias.

Na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, chuvas intensas provocaram deslizamentos de terra e enchentes, que devastaram cidades como Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Os prejuízos econômicos foram calculados em torno de R$ 2 bilhões.

Os deslizamentos e enchentes na região de Blumenau e Itajaí, em Santa Catarina, em 2008, foram causados por chuvas intensas que resultaram em um grande desastre natural. O prejuízo econômico foi estimado em cerca de R$ 4,5 bilhões.

Oportunidades

Agora, vamos olhar para o outro lado dessa moeda. Essas tragédias causadas por eventos climáticos extremos estão ocorrendo em todo o mundo. O combate às mudanças climáticas adquire um caráter de urgência. Os biomas brasileiros, em especial a Amazônia, prestam reconhecidos serviços ambientais no equilíbrio climático, e há um enorme interesse do mundo de compensar suas emissões pagando por esses serviços, enquanto as empresas realizam suas transições energéticas, que não acontecem da noite para o dia.

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Entre 2004 e 2012, o Brasil reduziu em cerca de 80% o desmatamento da Amazônia. Estudos estimaram a emissão evitada de carbono equivalente em 4 bilhões de toneladas. Se cada tonelada tivesse sido vendida a US$ 10, um valor razoável, a receita gerada por esse esforço de conservação seria da ordem de US$ 40 bilhões — o dobro do montante dos prejuízos das catástrofes climáticas.

O cálculo de toneladas de emissões evitadas se baseia em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do World Resources Institute (WRI).

De acordo com um estudo da McKinsey, o Brasil concentra aproximadamente 15% do potencial global de compensação de carbono. Estima-se que o mercado de créditos de carbono no Brasil possa movimentar entre US$ 1,5 e 6 bilhões até 2030, dependendo dos cenários de oferta e preço dos créditos.

Na economia, a cada demanda, a cada necessidade, corresponde uma oportunidade de negócios. Raramente no entanto se observa uma correlação tão perfeita quanto essa, entre a prevenção ou pelo menos mitigação de prejuízos futuros e a chance de gerar prosperidade.

Para aproveitar essa chance, precisamos nos organizar como país.

Um bom começo seria aprovar o PL de regulamentação do mercado de carbono que aguarda votação no Senado; digitalizar o sistema cartorial como prevê a lei 14.382, sancionada em 2022, para dar segurança fundiária à Amazônia; e nos conscientizarmos de que os projetos de carbono geram recursos para proprietários e comunidades promoverem desenvolvimento socioeconômico sustentável nas regiões de floresta, possibilitando a sua conservação de maneira perene.

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Luciano Corrêa da Fonseca é economista, mestre em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), e co-presidente da Carbonext

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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