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Combate à corrupção não avança no Brasil por culpa dos próprios eleitores

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, durante seminário para comemorar o Dia Internacional Contra a Corrupção. - Marcelo Camargo/Agência Brasil Brasilia-DF
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, durante seminário para comemorar o Dia Internacional Contra a Corrupção. Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil Brasilia-DF

18/09/2021 04h00

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Na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do novo código eleitoral brasileiro. Dentre tantos retrocessos, o que mais me chamou a atenção foi a "preocupação" em se criar um arcabouço legal que favorecerá ainda mais a corrupção no país.

A proposta da deputada Margarete Coelho (PP-PI), aprovada por 378 votos a 80, reduzirá a transparência no processo eleitoral, dificultará a fiscalização e condenação de políticos e partidos, além de reduzir as penas, inclusive pecuniárias. Claro que este tipo de atitude no Congresso não é novidade. Há um forte instinto de autopreservação por parte daqueles que já enfrentam processo por corrupção ou que correm o risco de ser processados.

O pacote anticrime enviado pelo então Ministro da Justiça Sergio Moro em 2019, por exemplo, quase se transformou em uma defesa explícita da corrupção, com a tentativa de introdução de algumas emendas. Felizmente o texto final aprovado e sancionado foi menos ruim do que poderia ter sido, dado o contexto da discussão e a restrição do universo político ao então ministro.

De toda forma, acabaram ficando de fora pontos importantes, como o da prisão após condenação em segunda instância. Aliás, esse é um aspecto caríssimo para grande parte dos nossos congressistas. Não por outra razão, as Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que tratam do assunto, e que estão em tramitação no Congresso, não avançam.

Infelizmente, o processo de enfraquecimento dos mecanismos de combate à corrupção não tem ficado restrito ao Congresso. No Executivo, o presidente Jair Bolsonaro deslocou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) do Ministério da Fazenda, em vez de levá-lo para o Ministério da Justiça, como sugerido por Moro.

Também pesam contra o presidente as constantes tentativas de controle da Polícia Federal e o episódio da troca do Diretor-Geral, que culminou, inclusive, com a saída de Sergio Moro do governo. Isso sem falar da recondução do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, cuja fala recente no Congresso e seus próprios atos nos últimos dois anos criam uma desesperança no país.

No lado do Judiciário, os sinais também não são os melhores. Basta lembrar da tentativa do Ministro Dias Toffoli de cercear os limites da atuação do COAF. As recentes mudanças no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre prisão em segunda instância e o caso do julgamento da suspeição de Sergio Moro também não ajudam.

Não por outra razão, a Corte tem sido acusada em vários momentos de atuação política. Sem entrar no mérito das decisões do Supremo, fato é que a escolha dos seus ministros ocorre por indicação do Presidente da República e aprovação do Senado. E mais do que isso, só o Senado pode destituí-los caso algum deles descumpra o quanto contido no artigo 39 da Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment).

Assim, até a "qualidade" das decisões do Supremo, além de depender da qualidade das leis e de nossa constituição, também depende implicitamente da qualidade das decisões políticas, uma vez que são nossos políticos os responsáveis pela escolha e permanência do Procurador-Geral e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a exemplo de outros países.

É exatamente no contexto descrito aqui que entra nossa responsabilidade direta sobre o atual estágio de corrupção no Brasil. Vejo muita gente reclamando seletivamente da conduta dos nossos políticos e até casos extremos de pessoas pedindo o fechamento do Supremo e do Congresso. Mas, na verdade, observamos que muitos nem se lembram em quem votaram nas últimas eleições, quanto menos acompanham a atuação parlamentar de seus eleitos.

Não por outra razão temos até hoje no Congresso vários deputados e senadores envolvidos em escândalos de corrupção, tais como Mensalão, Petrolão, dos sanguessugas, dinheiro na cueca, rachadinhas, etc. Ou seja, nosso eleitor médio parece ser bem leniente com condutas não republicanas de nossos políticos.

Poderíamos criar várias teses para justificar esse comportamento do eleitor, mas o fato é que, seja qual for a razão, a polarização que tomou conta do país só tem reforçado esse comportamento. Por incrível que pareça, vejo por parte de alguns eleitores defesas ferrenhas de políticos que facilmente já estariam presos em países cuja institucionalidade funcionasse adequadamente.

E este comportamento só reforça e incentiva as atitudes de nossos políticos corruptos, que cada vez mais contam, para se eleger, com a raiva mútua criada entre eleitores em um verdadeiro "Fla x Flu" da política brasileira. É como se nesse ambiente, a eleição do meu "político de estimação" se justificasse pelas atitudes do seu "político de estimação", mesmo o meu também sendo corrupto.

Fato é que enquanto nosso comportamento médio não mudar, continuaremos a ter leis ruins, escolhas de ocupantes de cargos públicos muitas vezes questionáveis e uma institucionalidade de combate à corrupção sendo gradativamente corroída.

Pode parecer um pensamento Pollyanna, mas a única e verdadeira alternativa ao que está aí é adotarmos uma política de tolerância zero e, por meio do voto, expurgamos da vida pública todos aqueles envolvidos em qualquer tipo de escândalo de corrupção ou, do contrário, o "Mecanismo" de autopreservação dessa turma continuará a agir e nós continuaremos pagando essa conta.

Talvez este seja o único caso em que não devêssemos adotar o princípio "in dubio pro reo", mas sim "in dubio pro societate". Isso porque não se trata de um julgamento criminal dos acusados, mas sim de um julgamento político, no qual a prioridade deve ser evitar que haja um dano maior para a sociedade.

E isso é tão mais verdade quando lembramos os efeitos da corrupção sobre o país como, por exemplo, o quanto deixamos de investir em educação, saúde, segurança, etc., além da própria corrosão moral da sociedade. Com a palavra, o eleitor.