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Lula é problema do passado, não solução para o nítido desgoverno Bolsonaro

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) - Ricardo Stuckert e Isac Nóbrega/PR
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Ricardo Stuckert e Isac Nóbrega/PR

06/08/2022 04h00

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Temos assistido com certa frequência a discursos do ex-presidente Lula (PT) atacando o teto dos gastos. E neles, dentre os vários impropérios expostos, encontram-se ataques a empresários e banqueiros por conta de defenderem que o próximo governo assuma um compromisso sério com a responsabilidade fiscal.

Com relação aos empresários, Lula afirmou que eles não se preocupam com os pobres, assumindo implicitamente que haveria alguma contradição entre defender responsabilidade fiscal e a execução de políticas sociais. Já para os banqueiros, foi-lhes atribuída uma suposta satisfação com o nível elevado de taxa de juros promovido pelo governo Bolsonaro.

Essas falas seriam cômicas se não fossem falsas e até levianas. O que o teto dos gastos faz é apenas explicitar um conflito natural em qualquer democracia: como alocar o recurso público entre as diversas áreas possíveis. E com uma carga tributária de aproximadamente 35%, a questão não é falta de recursos, mas, sim, a própria definição de prioridades.

O problema é que Lula, a exemplo do comportamento populista e leniente do atual presidente Bolsonaro, não quer colocar a mão no "vespeiro" e levar para o Congresso um projeto que diminua as vinculações orçamentárias e permita uma gestão mais saudável das contas públicas do país. E isso, provavelmente, por desagradar uma boa parte da base que o apoia.

De toda forma, Lula, ao criticar empresários e banqueiros, parece ter se esquecido o que foram seu governo e o da ex-presidente Dilma Rousseff, quando, por exemplo, uma parte do empresariado brasileiro (obviamente o mais próximo e mais capaz de realizar lobbies), recebeu uma infinidade de recursos em transferências regressivas do Estado.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) disponibilizou bilhões de reais - via injeção direta ou com juros subsidiados - para grandes empresas, inclusive para formar grandes conglomerados com elevado poder de mercado. E isso sem falar das desonerações fiscais, iniciadas ainda no governo Lula, que chegaram durante o governo PT a quase meio trilhão de reais.

No capítulo dos banqueiros, devemos lembrar que a média da taxa Selic durante o governo Lula ficou em 15,5%, chegando, inclusive, a atingir 26,5%, patamar muito superior ao nível atual vigente. Não obstante, fato é que nenhum governo eleva juros porque quer, mas, sim, para controlar a inflação.

Hoje, apesar do discurso bolsonarista de contas públicas ajustadas, o que temos é uma bomba-relógio pronta para explodir a partir do próximo ano. E o que Lula propõe é apenas elevarmos os gastos públicos, na vã expectativa de gerarmos mais renda e, consequentemente, maior arrecadação para o Estado no futuro.

E isso, aparentemente, baseado em premissas que claramente já se mostraram equivocadas em toda nossa história; as de que a adoção de política industrial seletiva e de que mais renda destinada ao consumo possam ser os motores do crescimento econômico sustentável.
Fato é que políticas desse tipo, além de não gerarem o efeito multiplicador de crescimento esperado, acabam por inibir o potencial de crescimento do país e agravar a situação das contas públicas. E neste cenário, Lula só terá três maneiras de lidar com os déficits orçamentários futuros.

A primeira, via emissão de moedas, cujo resultado automático é elevar a inflação e, no limite, trazer de volta o processo hiperinflacionário que vivemos até a primeira metade dos anos 90. Neste caso, os mais pobres serão os mais diretamente afetados, como sempre.

A segunda forma será elevar a tributação, reduzindo ainda mais o potencial de crescimento da economia, com impacto ruim sobre o nível de emprego. Novamente, o efeito, em última instância, será a elevação do nível de pobreza.

A terceira maneira será financiar os constantes déficits públicos via emissão de títulos. Só que isso, além de implicar elevação crescente da taxa de juros, com resultados também negativos sobre o mercado de trabalhado, tem o limite da desconfiança dos detentores desse ativo.

Em outras palavras, com a elevação da relação dívida pública / PIB, a sociedade passará a desconfiar da capacidade de o governo honrar seus compromissos, sobrando-lhe apenas duas alternativas. A primeira é monetizar a economia, o que nos levará novamente ao primeiro caso, gerando inflação.

A segunda será dar o calote total ou parcial da dívida, algo pouco provável no curto prazo, mas que não pode ser descartado no médio e longo prazo, a depender da gestão das contas públicas. E, nesse caso, não serão só os banqueiros que perderão por terem títulos em carteira em suas respectivas tesourarias.

Ao contrário do calote argentino, caso em que grande parte dos detentores da dívida pública eram estrangeiros, os títulos públicos brasileiros compõem, em sua grande maioria, a carteira de fundos de investimentos de renda fixa, multimercados e de previdência (aberta e fechada) de milhões de brasileiros.

Assim, os reais prejudicados serão aqueles que fazem parte da classe média e todas aquelas pessoas que têm uma expectativa de se aposentar com uma renda minimamente digna no futuro. Neste processo, é pouco provável que os verdadeiros ricos sejam prejudicados, uma vez que eles têm mais capacidade de antecipar o problema e mais acesso a investimentos fora do país.

Definitivamente Lula não é a solução para o nítido desgoverno que se transformou a gestão de Bolsonaro. Ao contrário, é mais um problema do passado que trazemos de volta e cuja conta para a sociedade, que hoje já é muito elevada, amplificar-se-á caso ele leve à frente sua proposta de gestão irresponsável das contas públicas.

No fundo, deveria valer aquela máxima "se queremos resultados diferentes, devemos ter atitudes distintas". O que infelizmente estamos fazemos nesta eleição é mais do mesmo.