Graciliano Rocha

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Como perder dinheiro: o pato da Bolsa vendeu em março e comprou agora

1. O mercado de ações é um mecanismo de transferência de renda de gente impaciente para quem tem paciência. O chavão, atribuído ao Warren Buffett, provou-se correto outra vez.

2. O Ibovespa começou o ano em 110 mil pontos. Em março desceu ao pré-sal (97,9 mil em 23/3) e, desde então, foi subindo até superar o atual patamar de 134 mil pontos ontem.

3. Os esotéricos gostam de falar de uma suposta entidade mágica chamada "rally de final de ano".

4. Crença não se discute, mas a explicação é menos banal: a perspectiva do juro americano, e recuperação de ativos que estavam muito machucados aqui pelo ruído político.

5. A melhora do cenário global para as ações se dá pela expectativa de que o arrocho do juro americano pelo Fed tenha chegado ao fim. Juros mais altos lá fazem o capital abandonar ativos mais arriscados no mundo rico e nos emergentes e correr para o quentinho dos títulos americanos.

6. O MSCI global, um indicador de referência das bolsas pelo mundo, indicou avanço de quase 20% em dólar desde janeiro. Esta é mais ou menos a explicação do peso do juro americano. Mas por que a Bolsa brasileira avançou quase 30% em dólar?

7. A diferença deriva das peculiaridades brasileiras. Os preços de empresas locais no começo do ano estavam muito abaixo de sua média histórica porque refletiam também o barulho político.

8. Uma parte dos agentes de mercado ainda considerava que o governo Lula tentaria mexer na independência do BC ou reverteria a desestatização da Eletrobras, por exemplo. Nada disso aconteceu.

9. Banco do Brasil sendo negociado a 2,5 vezes o lucro anual pode ser qualquer coisa, exceto um mau negócio. Idem para Petrobras (3 vezes a relação preço/lucro), mesmo você detestando as ideias do PT para estatais. Sem falar de Vale, dos bancões privados e de algumas outras blue chips.

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10. Se você comprou ações de empresas com gestão eficiente e geram caixa, ainda no primeiro trimestre, e chegou com elas até aqui, ponto para você. Você ganhou dinheiro.

11. A contraparte perdedora provavelmente é o investidor individual de fundos de ações. Esses fundos, que formam uma indústria de R$ 500 bilhões no mercado brasileiro, sofreram pesados saques nos três primeiros meses do ano.

12. Ocorre que, em momentos de descrença, os saques superam os depósitos e, muitas vezes, os gestores precisam vender ações em mau momento para ter liquidez. Essa é a mãe do desempenho pífio.

13. Os saques foram tão importantes no começo do ano que, mesmo com a Bolsa atingindo recordes nominais agora, esse tipo de fundo vai terminar 2023 com menos patrimônio do que começou, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). É o comportamento de todo bom pato: vendeu cotas de fundos na baixa para voltar às compras na alta.

14. "Investidor em fundo de ações não deveria mexer no dinheiro antes de três anos. É uma tragédia vender na baixa e recomprar na alta", disse à coluna Tiago Reis, fundador da Suno, um grupo que reúne uma gestora e uma casa de análises.

15. Outro gestor de fundos de ações, que pediu para não ser identificado pelo nome, reclama do "Maria 12 meses", neologismo para designar aquele investidor que só olha o desempenho nos últimos 12 meses e fica pulando de galho em galho.

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16. A última semana de 2023 é de seguidos recordes nominais no Ibovespa. Nada a ver com o tal "rally do final do ano".

17. Investidores da Bolsa ganharam alguns presentes depois de Natal. O boletim Focus, que mede a expectativa dos economistas, mostrou queda de 0,25 ponto percentual com a Selic para 2024: caiu para 9% ao ano.

18. Somado com a perspectiva geral de menos juro no mundo, o bom momento da renda variável é alimentado ainda pela possibilidade da inflação fechar, pela primeira vez na gestão de Roberto Campos Neto no BC, abaixo do teto da meta (4,75%).

19. Isso é importante porque permite maior confiança em novas quedas sustentadas da taxa de juros.

20. Há uma importante melhora da percepção estrangeira sobre o Brasil. Isso vai dos indicadores econômicos propriamente ditos, como foi reconhecido pela agência de riscos S&P, à política internacional.

21. No primeiro caso, merecem menções a reforma tributária, o próprio arcabouço fiscal e a luta do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para obter déficit zero no próximo ano, mesmo enfrentando oposição de atores do seu partido e do próprio governo.

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22. Na tradicional escolha de "país do ano" pela Economist, o Brasil bateu na trave. A publicação britânica disse que os anos Bolsonaro foram marcados por "populismo mentiroso sob Jair Bolsonaro, que disseminou teorias conspiratórias divisivas, apoiou agricultores que destroem a floresta tropical, recusou-se a aceitar a derrota eleitoral e incentivou seus seguidores a tentarem uma insurreição."

23. O bom histórico do Brasil nos últimos meses só foi manchado, aos olhos da revista de corte liberal, pela aproximação de Lula com dois déspotas, Putin (Rússia) e Maduro (Venezuela).

PS: O "país do ano" para a Economist foi a Grécia, que na década passada viveu uma crise de explosão da dívida, empobrecimento da população e surgimento de extremistas na cena política. A revista agora celebra que os gregos tenham feito, pelo voto, reformas econômicas e a reconstrução de seu contrato social.

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