Graciliano Rocha

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Opinião

Ditadura de Salazar submeteu Portugal a atraso econômico e asfixia política

No dia 25 de abril de 1974, a Revolução dos Cravos pôs fim ao que restava do reinado autoritário de António de Oliveira Salazar, o mais longevo ditador da Europa no século 20. Economista formado na Universidade de Coimbra, o "Professor" foi escolhido ministro das finanças após o golpe de Estado em 1926. Assumiu o comando do governo em 1932, tendo instalado em Portugal uma tirania sem freios e contrapesos, baseada em clericalismo, instituições corporativas e subdesenvolvimento.

Em 1960, Portugal tinha a menor renda per capita da Europa ocidental (US$ 160, abaixo até mesmo da Turquia, US$ 214; para efeito de comparação, um americano ganhava, em média, US$ 1.354). A mortalidade infantil era a mais alta do continente e 32% da população era analfabeta (1).

Tecnicamente Portugal esteve no bloco liderado pelos Estados Unidos na Guerra Fria. Sob Salazar, o país passou a integrar a Otan em 1949 e permitiu o uso do território para o abastecimento de aeronaves militares americanas na ilha da Madeira e a construção de um complexo de transmissões de rádio pela CIA na região do Ribatejo para distribuir propaganda ocidental nos países da Cortina de Ferro.

Mas a adesão do ditador foi pontual e pragmática. O regime nunca permitiu o florescimento de instituições capitalistas no país. Adversário da economia de mercado, Salazar foi o último chefe de estado adepto do velho mercantilismo: elevou as reservas do país em ouro, mas vetava importações de bens de consumo e de capital.

Sem capital para desenvolver a indústria do país nem permitir investimentos estrangeiros, Portugal dependeu das exportações de produtos primários, sendo o principal sua própria gente. No livro "A ditadura de Salazar e a emigração", o historiador Victor Pereira estimou que 1,5 milhão de portugueses abandonaram o país, entre 1957 e 1974, principalmente em direção à França. Isso equivalia a quase 20% da população do país em 1965.

O pensamento social de Salazar correu nos trilhos da "Rerum Novarum" ("Das Coisas Novas"). Publicada em 1891, quarenta e três anos depois do Manifesto Comunista de Marx e Engels, a seminal encíclica de Leão 13 foi pioneira na doutrina social da igreja por tratar das relações entre o capital e o trabalho na sociedade industrial.

Em 1931, o papa Pio 11 escreveu a "Quadragesimo Anno", para marcar os quarenta anos da Rerum Novarum. Não se tratava de uma homenagem abstrata ao texto original, mas de um chamado à ação concreta. Nesta bula, Pio XI exaltava o modelo de corporativismo sindical que surgira na Itália de Mussolini.

O pontífice via nas associações que reuniam patrões e empregados a "colaboração de todas as boas vontades". A versão salazarista: proibição de greves e só eram permitidos sindicatos controlados pelo governo. O Estado intervinha sempre para assegurar a "boa vontade" de patrões e empregados. É de se pontuar que, quando Salazar se tornou ditador, Mussolini era um dos políticos mais populares da Europa.

Não é uma associação aleatória: Salazar tinha uma foto autografada de Mussolini em sua mesa de trabalho. Com o advento da guerra, o italiano acabou morto nas mãos de cidadãos de seu próprio país. Portugal não participou da Segunda Guerra Mundial e Salazar morreu aos 81 anos, em 1970.

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Salazar não era indiferente ao atraso de Portugal, ele o considerava a chave para a estabilidade do país. Ao ser informado da descoberta de petróleo em Angola, então colônia portuguesa, disse que era 'uma pena, e mais nada.
Tony Judt, historiador britânico, no livro "Pós-Guerra: Uma história da Europa desde 1945".

Na obra, em um capítulo dedicado às ditaduras portuguesa e espanhola, Judt descreveu o regime salazarista como "conscientemente retrógrado"

O ditador dizia com orgulho que havia afastado Portugal da Segunda Guerra Mundial, além de ter protegido o país dos males do capitalismo e do socialismo. Na realidade, os portugueses foram submetidos ao pior que se pode encontrar em qualquer sistema político: estagnação econômica, pobreza endêmica e sufocamento das liberdades individuais.

Em 1969, somente 18% dos portugueses adultos tinham direito a voto (do outro lado da fronteira, os espanhóis vegetaram sob a tirania de Franco até 1975).

A Pide, temida polícia política, ocupava-se do combate ao comunismo, intervinha em empresas privadas e torturava prisioneiros políticos. Seu poder ia da emissão de passaportes à censura de livros (apesar da existência de um órgão próprio para mutilar publicações). Seu espaço na vida do país faz lembrar a Stasi, o principal órgão de repressão da ditadura comunista na Alemanha Oriental. Alguns historiadores da ditadura estimam que a Pide chegou a ter mais de 200 mil informantes em um país com 8 milhões de habitantes.

Após substituir um Salazar incapacitado por uma doença neurológica em 1968, o sucessor ungido, Marcelo Caetano, tentou uma breve liberalização econômica, que resultou em inflação e mais contração econômica em virtude da Crise do Petróleo. Não mexeu nas estruturas do regime.

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À falta de uma oposição política tradicional, a contestação ao regime veio das Forças Armadas, que vinham engajadas em guerras para tentar manter as possessões coloniais na África a partir dos anos 1960, simultaneamente em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Um em cada quatro portugueses em idade de servir ao Exército entre 1967 e 1974 lutou na África. Eram guerras perdidas, caras e inúteis, já que regimes coloniais vinham sendo substituídos por nações independentes no continente.

Foi o ressentimento da bucha de canhão - militares engajados em guerras coloniais em nome de um governo impopular e sem voto - que deflagrou o movimento dos capitães de abril de 1974. A derrubada do regime permitiu a volta dos exilados ao país e a reorganização das forças políticas - primeiro numa "junta de salvação nacional", substituída depois de eleições.

Por algum tempo, temeu-se que o país fosse cair na órbita de Moscou, mas decisões equivocadas dos comunistas que integravam o governo provisório, como tentativa de coletivização de terras no norte do país, reduziram o seu apoio nos meses seguintes. Em 1975, os comunistas tiveram menos votos que a centro-direita num pleito em que o grande vitorioso foi o moderado Partido Socialista, liderado por Mário Soares.

Em 1986, com os socialistas locais já tendo abandonado a retórica anticapitalista, Portugal foi admitido à Comunidade Econômica Europeia - embrião da União Europeia - no que foi uma opção duradoura pelos primados da democracia e da economia de mercado, que prevalecem até os dias atuais.

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Está na Netflix a série portuguesa "Glória" (2021), que conta a história da Raret, a operação montada pela CIA durante o regime salazarista para transmitir propaganda política para o bloco comunista. A cidade montada pelos americanos em torno de potentes antenas de transmissão, em uma região remota do país, existiu mesmo, mas é ficcional que um de seus funcionários seria espião da KGB, o que dá o argumento da série. É uma aula de salazarismo: Pide, tortura, guerras coloniais, emigração, pobreza.

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(1) Dados econômicos foram extraídos do livro "Pós-Guerra: uma história da Europa desde 1945", de Tony Judt, editora Objetiva, 2007, p. 513.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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