Sob Lula, juros de títulos do Tesouro já encostam nos níveis de Dilma 2
Os títulos que o governo federal vende para rolar a dívida pública já estão sendo negociados a patamares de juros similares aos praticados durante a crise política que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
Nesta segunda (16), o Tesouro Prefixado 2027 (LTN), com vencimento para 1º de janeiro de 2027, foi negociado com uma taxa de 15,39% ao ano. Hoje, o mesmo título está sendo negociado a 15,67% ao ano. O pós-fixado (NTN-B1) oferece remuneração de juros de 7,77% mais a inflação medida pelo IPCA.
É uma taxa parecida com a praticada em 10 de setembro de 2015, a primeira vez que esse papel ofereceu mais de 15 pontos percentuais de remuneração anual no início do segundo mandato da presidente Dilma: 15,35% ao ano (prefixado, com vencimento em 1 de janeiro de 2017) e 7,59% mais a correção do IPCA na principal categoria de pós-fixado.
Ontem, por causa da disparada, houve quatro interrupção nas negociações dos títulos públicos. Nesta terça, o dólar alcançou R$ 6,199, o seu maior valor nominal na história.
A data da comparação não é aleatória: em 9 de setembro de 2015, a agência de classificação de risco Standard & Poor's havia rebaixado a nota de crédito soberano do Brasil de BBB- (nível de grau de investimento, potencialmente bom pagador) para BB+, colocando o país na categoria de grau especulativo.
Naquele período, o Brasil havia embicado em uma recessão econômica, a operação Lava Jato avançava e minava a capacidade de reação política do governo. Em 16 de agosto de 2015, ocorreu o terceiro grande protesto de rua - e o maior realizado até então naquele ano.
Em 24 de setembro de 2015, o juro oferecido pelo mesmo título prefixado do Tesouro atingiu a máxima naquele ano: prefixado oferecendo 16,09% ao ano e o pós-fixado, 8,07% mais IPCA.
Naquele momento, o Planalto vivia um impasse com o PMDB, partido do vice Michel Temer e do então presidente da Câmara Eduardo Cunha, que derrotara Dilma na disputa do Legislativo e se tornara um adversário renhido do governo.
Naquele dia, quando o principal partido aliado recusara uma proposta de reforma ministerial para tentar dar estabilidade ao governo, o dólar também batera seu recorde nominal, atingindo R$ 4,25. Foi o pior momento macroeconômico de 2015, mas o dólar desceu à casa dos R$ 4, mas o prefixado jamais recuou para baixo dos 15% naquele ano.
A pior notícia para a articulação política do governo Dilma veio no dia 2 de dezembro de 2015, quando Cunha anunciou que abriria o processo de impeachment contra a presidente. Num país que já vivia um sacolejo constante, o anúncio pouco fez com os títulos públicos: o LTN/2017 foi negociado a 15,72% a.a..
A crise escalou rumo ao desfecho em 2016, quando em abril a Câmara dos Deputados votou favoravelmente ao impeachment da presidente, afastando-a provisoriamente para responder ao processo. Em agosto daquele ano, o Senado confirmou a perda do cargo.
Juro real mais alto
Há diferenças macroeconômicas importantes entre a crise do segundo mandato de Dilma e o atual momento do governo Lula. Em 2015, a inflação fechou o ano em 10,67%; em novembro passado, o acumulado dos 12 meses foi de 4,87%. Em 2015, a economia encolheu 3,8%, pior resultado em 2015, enquanto agora, segundo as previsões do mais recente relatório Focus, o PIB deve fechar o ano crescendo 3,42%.
Quando o título prefixado ultrapassou 15% ao ano em 2015, a taxa Selic (taxa básica de juros decidida pelo Banco Central) já estava em 14,25% ao ano; agora, este patamar foi ultrapassado com a Selic a 12,25% ao ano.
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Quero receber"O que está acontecendo no Brasil hoje é uma coisa sui generis. O país está vivendo pleno emprego com alta taxa de juros, o que é incomum. O que está pegando é a trajetória da dívida pública, que cresce. O coração do problema é fiscal e há dúvidas de qual vai ser a posição do governo para deter o crescimento da dívida", analisa Douglas Elmauer, professor de direito econômico e financeiro da Universidade Mackenzie e doutor pela Universidade de Bremen (Alemanha).
Segundo a última edição do Relatório de Projeções Fiscais, divulgado pelo Tesouro Nacional ontem, com estimativas para os próximos dez anos, a dívida bruta subirá de 77,7% do PIB, em 2024, para 82,8%, em 2027.
Segundo ele, o rumo dos juros no futuro depende, entre outros fatores, da Lei Orçamentária Anual, pendente de ser votada pelo Congresso até o final do ano. O tamanho da redução de despesas do governo federal poderá sinalizar aos agentes econômicos o futuro da dívida pública.
Há também um componente político. Para a chamada "ala política" do governo, liderada por Rui Costa (Casa Civil), a exigência de mais juros e a disparada do dólar não refletiriam problemas fiscais unicamente, mas uma oposição ideológica dos agentes econômicos, a Faria Lima, à gestão do petista.
Nos círculos governistas, proliferam críticas de que o mercado erra frequentemente suas previsões em tópicos como crescimento do PIB, por motivação política.
Ceticismo da indústria financeira
Na indústria financeira, o conjunto dos agentes econômicos que define onde alocar quantidades bilionárias de capital, o ambiente que prevalece é o de ceticismo com relação ao compromisso do governo Lula com o equilíbrio das contas públicas.
Os indicadores - como a curva do juro futuro e o dólar - sofreram uma deterioração importante desde o anúncio do pacote de corte de R$ 70 bilhões em gastos, no mês passado.
O ruído veio do anúncio, inesperado naquele momento, de isenção de Imposto de Renda para quem ganha menos de R$ 5.000, que fez aumentar as dúvidas sobre a capacidade do governo de equilibrar as contas e começar a reduzir a trajetória da dívida. Segundo o governo, a perda de receita seria compensada com a tributação de quem ganha mais de R$ 600 mil por ano com aplicações financeiras. A conta não fechou para muitos analistas.
"Seria ótimo (do ângulo político) que a adesão à responsabilidade fiscal pudesse ser feita com um aumento na progressividade da tributação, idealmente sem aumento global de carga, e com aumentos das receitas tributárias decorrentes de maior atividade econômica. Seria fácil e politicamente funcional. Só que não existe essa alternativa", escreveu Gustavo Franco, ex-presidente do BC (gestão FHC) e sócio da gestora Rio Bravo, em carta a investidores.
"Não há saída fácil para o problema fiscal. Na verdade, ficou evidente entre técnicos que a inconsistência entre as políticas monetária e fiscal, da qual resulta o juro alto, não poderá ser resolvida sem um pacote de redução de despesa", afirmou.
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