José Paulo Kupfer

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Opinião

Incertezas sobre taxação de rendas altas são o motor da explosão do dólar

São muitas, como sempre são, as possíveis hipóteses e explicações para os movimentos de alta nas cotações do dólar, que sucessivas intervenções desde a semana passada, já tendo somado perto de US$ 10 bilhões despejados pelo Banco Central no mercado cambial, não estão sendo capazes de conter.

É possível que, enquanto não forem bem determinadas as regras para a tributação de rendas acima de R$ 600 mil anuais (R$ 50 mil mensais), anunciadas, mas não definidas pelo governo, ou, então, simplesmente oficialmente adiadas, nenhuma intervenção direta do BC, vendendo dólares no mercado cambial, terá sucesso em conter a alta das cotações.

Neste momento de forte pressão de compra da moeda americana no mercado brasileiro, os impactos sobre o real têm origem, entre outros, nos seguintes fatores:

Perspectivas de alta de alta dos juros de referência americanos e na Europa, depois da posse de Donald Trump na presidência dos EUA;

Discursos de Trump ameaçando sobretaxar, especificamente, exportações brasileiras;

Aumento "normal" de remessas para o exterior de empresas e fundos, em dezembro;

Ecos de desconfianças sobre o controle das contas públicas brasileiras, alimentadas pela expectativa de uma escalada explosiva da relação dívida pública/ PIB (Produto Interno Bruto).

Tudo isso deve ser pesado na balança, mas a hipótese possivelmente mais relevante para a pressão sobre o dólar no mercado cambial brasileira é outra. Deriva das incertezas sobre a criação e as formas de aplicação de um imposto mínimo sobre rendimentos totais acima de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil por mês), conforme aponta o economista Manoel Pires, referência em questões de política fiscal e coordenador do CPFOP - FGV/Ibre (Centro de Política Fiscal e Orçamento Público).

Esse imposto mínimo, na prática, eliminaria ou reduziria isenções de Imposto de Renda que hoje beneficiam uma série de papéis negociados no mercado de capitais. Sem falar que atingiria pelo menos parte dos lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas, atualmente também isentos de impostos.

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Não só os depósitos em poupança, mas também aplicações em fundos imobiliários e outras, mais adequadas a grandes investidores, como CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), LCI (Letra de Crédito Imobiliário), LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e debêntures incentivadas, são isentas de IR.

O governo anunciou a taxação, como forma de compensar a perda de receita com a também anunciada isenção de IR para rendas até R$ 5.000, mas não deu nenhuma indicação de como será implementada essa tributação. A reação dos aplicadores, diante da falta de referências, tem sido a de promover uma gigantesca "realocação de portfólios".

Com a taxação, qualquer que seja, haverá aumento da carga tributária efetiva de quem mantém esses papéis em sua carteira de ativos (portfólio). A reação natural é a de reavaliar os investimentos, cobrando juros mais altos para permanecer com eles ou, simplesmente, resgatando a aplicação para investir em outros papéis.

Nessa hora, em que não se sabe o que vai acontecer, uma tendência óbvia dos investidores é tentar se antecipar, resgatando o investimento em reais e aplicando os recursos na compra de dólares, pressionando o mercado cambial. Os recebedores de lucros e dividendos, diante das incertezas da tributação desses rendimentos, também antecipam mudanças de posição.

No quadro tributário atual, enquanto as regras de tributação não são conhecidas há incentivo para a remessa de recursos ao exterior. Como lembra Manoel Pires, é muito fácil, por exemplo, abrir um fundo offshore em algum paraíso fiscal e transferir rendimentos que vão ser tributados, escapando de uma alíquota mínima da qual nem se chama o tamanho.

Sem a definição das regras do imposto mínimo, o que simples anúncio da nova taxação produz é corrida para antecipar distribuições de dividendos e resgate de recursos ameaçados de tributação, com corrida para o mercado cambial, na sequência.

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Peitar o mercado cambial com despejo de dólares das reservas internacionais, para baixar ou somente estabilizar as cotações, nestas circunstâncias, não parece ser, como está demonstrando não ser, uma ação eficaz.

Se, de fato, a pressão sobre o dólar tem relação com a realocação de portfólios produzida pelas incertezas sobre a tributação mínima de rendas altas, parece não haver muitas dúvidas de que somente o anúncio das regras dessa tributação ou o anúncio oficial do adiamento de sua adoção teriam a capacidade de estancar a atual corrida para o dólar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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