Por que a Faria Lima é mais pessimista que estrangeiros sobre a economia
A tensão econômica mais recente - alimentada pelo repique que levou o dólar a R$ 5,86 na sexta e pela escalada dos juros futuros cobrados para financiar a dívida do governo - fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandar o ministro Fernando Haddad (Fazenda) adiar uma viagem à Europa prevista para esta semana para trabalhar em um anúncio de cortes de despesas do governo. Nesta segunda-feira (4), fechou em queda, cotado a R$ 5,78 e os juros recuaram um pouco. A volatilidade também é alimentada pela eleição presidencial nos Estados Unidos.
A espera é por anúncio de novas medidas econômicas - o governo recusa o termo "pacote", de ingrata memória desde as gestões anteriores à instituição do Plano Real (1994) - sinalizando algum corte de gastos. Qual o tamanho e que áreas ele deve atingir ainda são incógnitas.
A aposta mais corrente é que algo deve vir do BPC (Benefício de Prestação Continuada) e de mais algumas outras áreas do governo. O BPC deve fechar o ano tendo consumido R$ 103 bilhões do Orçamento com pagamentos a seis milhões de beneficiários, e cortes com fraudes ou pagamentos indevidos já eram esperados. Desindexação de gastos com saúde e educação, algo de que a indústria financeira gostaria, não deverá acontecer porque o presidente Lula tem repetido, desde a campanha de 2022, que considera essas áreas como "investimentos de Estado".
Hoje está disseminada na Faria Lima a impressão de que a ala política, liderada pelo ministro da Casa Civil Rui Costa (PT), tem prevalecido até agora sobre Fernando Haddad e Simone Tebet (Planejamento), mais favoráveis à tese da contenção de gastos para a redução de juros.
"Um investidor externo olha para o Brasil e vê que há crescimento maior que o esperado, inflação abaixo da média histórica, desemprego baixo. Quem está aqui tem um foco muito maior em outra métrica, o crescimento da dívida em relação ao PIB", disse Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, em um evento na sede do banco nesta segunda (4).
"O custo da dívida é o grande problema, porque quanto mais posterga um ajuste fiscal, mais a dívida sobe, mais os mercados ficam tensos e aí o juro sobe mais, não só a taxa básica, mas os juros dos mercados futuros. Isso implica uma dinâmica de dívida horrorosa, porque os juros reais começam a pressionar a dívida e você entra numa situação de descontrole. Aí para fazer o ajuste, para valer, é muito mais custoso. Vai fazer um ajuste mais intenso", afirmou.
Padovani não se vê exatamente como um pessimista. Ele acredita que o volume das exportações ajuda a manter o país mais resistente a choques externos e que o Brasil alcançou uma posição melhor que outros emergentes, como México, Turquia e Argentina.
Hoje a relação dívida/PIB é um dos indicadores sobre os quais governo, mercado e instituições independentes não se entendem. Segundos dados do Banco Central, ela alcançou 78% do PIB em agosto e vem crescendo nos últimos dois anos.
Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), que é vinculada ao Senado, apontava que em 2024 o endividamento do setor público poderia chegar a 80% do PIB este ano; isto é, haveria um déficit nas contas públicas maior do que o admitido pelo governo. O dado do governo federal, previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) seria de 76,6% no mesmo período.
No BV, por exemplo, a projeção é que, se mantido no atual ritmo o gasto público, o endividamento poderá alcançar 83% em 2026 e 87% em 2028 —mesmo patamar recorde que o país alcançou em 2020, durante a pandemia, quando teve que implementar às pressas o auxílio emergencial para milhões de pessoas que perderam a renda na crise da covid-19.
Pela atual regra fiscal, a meta de resultado (receitas menos despesas) é zero em 2024 e 2025. Em 2026, a meta é fechar o ano com um superávit de 0,25%. Depois, ele subiria para 0,5% em 2027 e 1% do PIB em 2028.
O setor privado é cético tanto com o cumprimento da meta, sem novos cortes. A via do aumento de arrecadação, que foi o foco do governo até agora, pode não ser o suficiente para zerar o déficit.
Numa carta a investidores da gestora da qual é sócio enviada no mês passado, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco (gestão FHC) também ressaltou a diferença de perspectiva entre estrangeiros e brasileiros.
O viés positivo estrangeiro foi notabilizado pela agência de classificação de risco Moody's, que melhorou a nota de crédito do país em um degrau inteiro, de Ba2 para Ba1, ainda um degrau abaixo do chamado grau de investimento.
Segundo Franco, a agência contrariou tendências e prognósticos fiscais, "majoritariamente pessimistas".
"Resta ver se as outras agências serão também 'ativistas' como a Moody´s e se o ministro entregará o que prometeu em matéria de política fiscal. Afinal, é um upgrade de um degrau de uma das três agências, uma espécie de incentivo para o que é necessário fazer para que o país atinja o grau de investimento", escreveu Franco.
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Quero receberMas sem abandonar o tom cético que prevalece sobre o atual governo: "A tese pela qual o crescimento resolve tudo e o gasto gera crescimento continua bem viva e perigosa."
CONTA DE PADARIA
Numa conta de padaria, o custo da credibilidade do governo Lula entre os investidores brasileiros estaria entre R$ 150 e 200 bilhões por ano - R$ 50 bilhões de déficit (que o governo afirma que não vai ter) e o restante um superávit de 1% ou 1,5% do PIB (que ninguém acredita que virá) para mudar para valer a curva do endividamento.
Como acontece com qualquer pessoa ou empresa que não consegue fechar as contas no azul, o credor passa a exigir juros mais altos se percebe aumento do risco de empréstimo.
Um título do governo, o Tesouro Educa+ 2027, oferecia ontem a remuneração de 6,86% de juros, além da inflação anual medida pelo IPCA.
Outro título de dívida, o Tesouro Prefixado 2031 estava oferecendo 13,11% de juros ao ano. Se você tivesse comprado um título nesta segunda (4) por R$ 471,26, o governo promete pagar R$ 1.007 em 1º de janeiro de 2031. Um sujeito de classe média ou média-alta poderia ver R$ 471 mil de suas economias virar mais de R$ 1 milhão em pouco mais de seis anos.
Agora eleve essa diferença à casa dos bilhões. A transferência de dinheiro do contribuinte para a parcela mais rica da população tende a crescer sempre que as contas não fecham.
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