Por que a situação financeira da Azul é 'insustentável', segundo a Fitch
Imagine um indivíduo que ganha R$ 6.000 por mês, mas tem dívidas equivalentes a R$ 180 mil, com vencimento nos próximos 12 meses.
Numa situação em que despesas e dívidas ultrapassam de longe sua capacidade de pagamento a curto prazo, esse indivíduo terá que se desfazer de patrimônio (caso tenha) e/ou ainda bater à porta de bancos, familiares e amigos em busca de algum dinheiro para se refinanciar. Só que o peso das obrigações financeiras o impede de respirar financeiramente, tornando o risco de inadimplência um perigo iminente se não conseguir renegociar suas dívidas.
Assim como esse indivíduo hipotético, que ainda consegue ganhar algum dinheiro, mas insuficiente para fazer frente às dívidas, a Azul gerou um caixa de R$ 1,2 bilhão nos primeiros seis meses de 2024, mas nada que faça frente a dívidas de curto prazo que somam R$ 6 bilhões, com vencimento nos próximos 12 meses.
É claro que comparar as dívidas de uma pessoa com uma corporação negociada em bolsa é uma simplificação grosseira, mas ajuda a ilustrar —a partir de uma regra de três básica— o que a agência de classificação de risco Fitch quis dizer, em último relatório divulgado na terça (24), quando escreveu que a situação financeira da Azul é "insustentável".
No relatório, a Fitch detalha as dívidas de curto prazo (até o final do primeiro semestre de 2024, recorte da agência) da Azul da seguinte forma:
- Dívida financeira de curto prazo: R$ 1,5 bilhão
- Obrigações de leasing de curto prazo: R$ 4,5 bilhões
"Insustentável", no caso, significa que a empresa tem um alto nível de endividamento em relação à sua capacidade de gerar caixa. Essa situação é agravada pela desvalorização do real, que aumenta o custo da dívida em dólar, e pelas dificuldades operacionais que a empresa enfrenta. O fechamento do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, também contribuiu para a queda das receitas da companhia, segundo a Fitch.
O relatório destaca que a Azul tinha apenas R$ 1,5 bilhão em caixa disponível, o que coloca a empresa em uma situação de alto risco de refinanciamento, dado que o tamanho dos vencimentos de curto prazo é significativamente maior que sua liquidez disponível.
Diferentemente do indivíduo comum, uma empresa como a Azul tem algumas cartas que podem ser usadas para levar o endividamento de volta a um patamar razoável. Renegociação dos contratos de leasing, por exemplo, é uma. Outra é a entrega de ações a credores em troca de abatimento da dívida. Essas saídas estão demorando mais do que o esperado para ser implementadas, conforme a agência de rating.
Basicamente esse foi o fundamento do downgrade (rebaixamento) da classificação de crédito da Azul para 'CCC'. No dia 20 de setembro, a Moody's também havia rebaixado a nota de crédito da companhia aérea., com fundamentação similar.
A Fitch também menciona alguns pontos positivos em relação à Azul:
Posição de mercado: O relatório reconhece a Azul "ocupa uma posição de negócios única no Brasil (classificação Ba2 positiva) como a única companhia aérea em cerca de 80% de suas rotas, o que resulta em menor concorrência e forte poder de precificação."
Resiliência na pandemia: "A capacidade da Azul de reduzir custos durante a pandemia e suas políticas financeiras conservadoras são fatores adicionais positivos para o crédito."
Recuperação do mercado aéreo: Segundo a Fitch, houve uma recuperação mais rápida do que o esperado do tráfego de passageiros no Brasil após a pandemia, além da competição e da capacidade mais racionais no mercado brasileiro, "o que permitiu que as companhias aéreas aumentassem as tarifas aéreas, mitigando o efeito dos preços mais altos do combustível de aviação e outras pressões inflacionárias de custos."
A Azul foi procurada pela coluna com pedidos de comentários sobre o relatório da Fitch na tarde desta quarta (25), mas preferiu não se manifestar.
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberO relatório pode ser lido aqui (em inglês).
FII do Pátria adquire condomínio logístico em Goiânia
O fundo de investimento imobiliário Pátria Log, do Pátria, adquiriu o condomínio logístico LOG Goiânia I por R$ 135 milhões. O empreendimento, em frente ao aeroporto da capital goiana, tem área bruta locável de 42.040 m².
A LOG Commercial Properties, que construiu e vendeu o ativo, receberá 40% do valor total em uma primeira parcela no próximo dia 27 de setembro, enquanto o saldo será pago ao longo de 12 meses, corrigido pelo IPCA, conforme comunicado do negócio. Segundo a LOG, a empresa superou R$ 1 bilhão em ativos vendidos em 2024.
CURTAS
OMETTO E OS NORUEGUESES: O Norges Bank, administrador do fundo soberano norueguês, anunciou que ampliou sua participação na Raízen, joint-venture de energia da Cosan, do empresário Rubens Ometto, e a britânica Shell. Os noruegueses passaram a ser donos de 5,06% da companhia negociada na B3. Pela regulação brasileira, investidores precisam anunciar quando ultrapassam esse patamar.
FIBRA ÓTICA NO JEQUITINHONHA: O BNDES vai financiar um projeto de expansão de 403 km de fibra ótica para levar internet de alta velocidade no Vale do Jequitinhonha (MG). Tocado pela North Telecomunicações limitadas, a expansão vai beneficiar 20 escolas públicas e prevê 10 mil novas conexões em nove municípios. Também serão construídos 270 km de rede adicional para outros seis municípios. O financiamento é de R$ 40 milhões com recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações).
Deixe seu comentário