José Paulo Kupfer

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Opinião

Regra da reforma é clara: imposto menor requer limitar privilégios

A tramitação da reforma tributária no Congresso está servindo para deixar claros alguns pontos que ajudam a explicar a histórica e incrível concentração de renda no Brasil. Parte dessa mancha nacional tem origem num sistema tributário em que abundam privilégios para segmentos e grupos na sociedade.

A reforma encaminhada pelo governo Lula e já aprovada na Câmara expos à luz do sol que cada privilégio concedido resulta em aumento de tributação para todos. Esses privilégios se apresentam sob a forma de isenções, abatimentos ou reduções de tributos para determinado grupo. A regra é clara: para taxar menos, é preciso limitar a concessão de benefícios tributários específicos.

Alíquota efetiva já é a mais alta do mundo

Divulgada nesta terça-feira (8), uma nota técnica do Ministério da Fazenda, produzida sob incentivo do senador Eduardo Braga (PMDB-AM), relator da reforma no Senado, dá números à relação entre privilégios e injustiças tributárias. Para manter a carga tributária atual, com a reforma, a alíquota-padrão acumulada para os dois novos tributos sobre valor agregado (CBS federal e IBS estadual/municipal) pode variar de 20,73% a 27%.

Na hipótese mais pessimista, a alíquota-padrão igualaria a mais alta do mundo, atribuída à Hungria, onde o consumo de bens e serviços é taxado nas alturas de 27%. Mas, ainda assim, a taxação ficaria abaixo do que é praticado no sistema brasileiro atual, em que a alíquota efetiva pode chegar a 34,4%, como mostra o estudo da Fazenda.

Cálculos "por dentro" e "por fora"

A explicação para isso vem do fato de que, no sistema vigente, o cálculo dos impostos é feito "por dentro" dos preços. As alíquotas são calculadas com base no preço já engrossado com os tributos cobrados a cada etapa de produção. É um método pouco transparente e meio jabuticaba, não aplicado na maioria dos países.

A reforma introduz a regra majoritária no mundo, que é a do cálculo "por fora". No cálculo "por fora", as alíquotas dos impostos são aplicadas sobre os preços finais em cada etapa de produção. As alíquotas, mesmo nominalmente mais altas, resultam em recolhimentos menores.

A cada etapa produção, no novo sistema de cobrança previsto na reforma, quem recolhe o imposto da etapa anterior se beneficie com um crédito tributário do mesmo montante. Acabam, portanto, as cobranças de imposto sobre imposto, em cascata, sendo possível também isentar investimentos e exportações.

Mais isenções, mais alíquotas

A diferença, de mais de seis pontos percentuais entre a alíquota mais baixa e a mais alta, conforme detalhado na nota técnica, depende da quantidade e da amplitude de isenções, abatimentos e reduções dos tributos. Depende também do potencial de sonegação, ou seja, do percentual de receita tributária que continuaria não se efetivando — por sonegação, elisão, inadimplência e disputas na Justiça —, e que, portanto, teria de ser "reposta" com maiores alíquotas, para manter a carga neutra.

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Se a reforma fosse aprovada sem qualquer outro tratamento diferenciado, a não ser o concedido ao Simples, à Zona Franca de Manaus, bem como aos regimes específicos técnicos — combustíveis, serviços financeiros, compra, venda e aluguel de imóveis, planos de saúde, loterias e compras governamentais —, a alíquota-padrão ficaria entre 20,73% e 22,02%. Mas se todos os tratamentos especiais aprovados na Câmara fossem sancionados no Senado, a alíquota-padrão teria de subir para um intervalo entre 25,4% e 27%.

A diferença entre os dois percentuais em cada situação decorre do chamado "hiato de conformidade", o nome técnico que designa a diferença entre o potencial de arrecadação e o que é efetivamente arrecadado, em dado período. Na nota técnica da Fazenda, foram levantadas duas hipóteses para essa diferença.

Sonegação pesa no cálculo

Na primeira hipótese, nomeada como "factível", considerou-se o hiato de conformidade de 10%, equivalente ao da Hungria, que tem a maior alíquota-padrão para tributos de bens de consumo, e um pouco acima do hiato da União Europeia, de 9,1%. Na segunda hipótese, chamada de "conservadora", o hiato, ou seja, o que deveria ser pago, mas escapa ao fisco, usado sobe para 15% da arrecadação.

É impossível, por definição, determinar a parcela de impostos que é sonegada do conjunto da arrecadação por manobras ilegais, inadimplência e recursos à Justiça. Dribles na lei, situações de perda de renda, que levam à inadimplência e o resultado de recursos judiciais são imprevisíveis.

As hipóteses formuladas pelo governo, assim como quaisquer outras, na prática, só poderão ser confirmadas com a entrada da reforma em vigor. Daí a razão do período de teste, com cobrança de alíquotas simbólicas, previsto na reforma.

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Prevê-se que, com a simplificação e a transparência trazida pela reforma, o hiato de conformidade tende a ser menor — um regime tributário mais opaco, como o atual, é mais propício a manobras para evitar pagar impostos, ao contrário de uma mais transparente. A perspectiva, assim, é a de que a alíquota-padrão dos novos CBS e IBS, no fim do processo, serão mais baixas do que as do teto das estimativas que estão sendo divulgadas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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