José Paulo Kupfer

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Opinião

Com cortes nas despesas, Haddad deu um dedo, mas mercado quer a mão inteira

O governo Lula está se equilibrando numa corda bamba, na condução da política fiscal em 2024. A estratégia ficou ainda mais clara com o anúncio dos contingenciamentos e bloqueios nas despesas públicas, nesta segunda-feira (22).

Um total de R$ 15 bilhões ficará hibernando, enquanto as trajetórias das receitas e despesas públicas indicarem descumprimento das regras do arcabouço fiscal e da meta de ajuste das contas primárias. Esse montante é considerado pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, suficiente para chegar no fim do ano com déficit primário em R$ 28 bilhões, equivalente a 0,25 ponto percentual do PIB, que é o limite inferior da banda de tolerância para a meta de déficit fiscal primário zero fixada para 2024.

É uma aposta de risco num combinado de novos incrementos de arrecadação no segundo semestre com a menor corte possível em relação às despesas. Há cerca de um mês, o TCU (Tribunal de Contas da União) emitiu alertas de que a estratégia de mirar o limite inferior da banda de tolerância da meta fiscal aumentava o perigo de descumprimento das regras definidas pelo próprio governo.

O risco desse descumprimento não se restringe à eventual exigência de o governo revisar a meta para não incorrer em limitações mais fortes de gastos em anos posteriores. Complica a gestão fiscal nos exercícios seguintes, e afeta, obviamente, a credibilidade o mecanismo de controle das despesas e ajuste das contas públicas.

De todo modo, a imposição de um contingenciamento de R$ 3,8 bilhões e de um bloqueio de R$ 11,2 bilhões agora em julho, deu uma acalmada nos agentes do mercado financeiro. Analistas consideraram que as estimativas do governo para a trajetória de despesas e de receitas públicas foram mais realistas na revisão bimestral de julho do que tinham sido em maio, mas reafirmam otimismo fora da realidade.

O bloqueio foi necessário para cumprir o limite de despesas fixado na regra fiscal vigente, que prevê crescimento anual máximo dos gastos até 2,5%, já descontada a inflação. Já o contingenciamento é imposto para cumprimento da meta de resultado fiscal primário — que é de equilíbrio entre receitas e despesas, com margem de tolerância 0,25% para mais ou para menos, um valor próximo a R$ 30 bilhões. Os valores congelados podem ser revertidos, se as condições para o cumprimento das regras e metas fiscais permitirem.

Estresse diminuiu, mas não acabou

Mas o estresse com a evolução das contas públicas não foi inteiramente debelado. Nos mercados, ainda se entende que receitas continuam superestimadas e despesas subestimadas.

Nas contas de especialistas do setor privado, será necessário outro corte pouco inferior a R$ 30 bilhões para que a meta de ajuste primário fique no limite inferior do previsto na regra fiscal criada por Haddad. O cálculo é que, para fechar a meta do ano no limite inferior, serão necessários cortes de cerca de R$ 60 bilhões.

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No governo, porém, as estimativas indicam aperto menor. No caso das receitas, por exemplo, a equipe de Haddad conta agora com quase R$ 40 bilhões no ano com receitas vindas de decisões no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Bem menos do que os R$ 55 bilhões antes previstos, mas ainda muito acima do que os analistas do setor privados preveem que poderão ser obtidos.

Quanto às despesas, no mercado também se avalia que o governo forçou para baixo nas estimativas. Previdência Social e BPC (Benefício de Prestação Continuada), programa de transferência de renda para idosos e pessoas com deficiência pobres, estão com gastos em aceleração.

No novo relatório bimestral, os gastos com os dois programas superaram as previsões oficiais em R$ 11 bilhões. Ao mesmo tempo, as economias com revisões de benefícios, após limpezas nos cadastros e detecção de fraudes, na Previdência e outros programas sociais, continuam previstas em R$ 9 bilhões, mas não se sabe o montante dessa revisão que já foi concretizada.

"Empoçamento" incerto

Para fechar a conta e cumprir a meta, mesmo no limite inferior de tolerância, o governo acena também com a folga do "empoçamento dos gastos". Em média, segundo constata a equipe de Haddad, média de R$ 20 bilhões anuais em despesas, autorizadas pelo governo, não são executadas, e acabam retornando ao Tesouro. Essas despesas já destinadas, mas não efetivadas, ajudam nos ajustes, mas são mais do que incertas.

Tudo considerado, o ajuste mais realista mostrado no relatório bimestral de julho, aliado aos bloqueios e contingenciamentos anunciados, não enterrou expectativas de que a meta zero de 2024 será alterada em algum momento deste segundo semestre. Se o governo entregou um dedo, o pessoal quer a mão inteira para diminuir a pressão

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • O limite de tolerância da meta anual de resultado primário é de 0,25 ponto percentual do PIB, e não de 2,5% do PIB, como publicado no texto original. O erro foi corrigido.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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