Decisão ao mesmo tempo técnica e política de manter juros acalma mercados
A distensão prevista, como consequência da decisão de manter a taxa básica de juros (taxa Selic) em 10,5% nominais ao ano, nesta quarta-feira (19), aliviando ambiente político muito contaminado, permite concluir que a decisão, tomada por unanimidade, foi acertada.
As indicações do comunicado emitido ao fim da reunião de junho do Copom (Comitê de Política Monetária) são de que a taxa básica ficará inalterada pelo menos no restante de 2024.
Com os diretores do Banco Central indicados pelo presidente Lula acompanhando os votos dos indicados pelo ex-presidente Bolsonaro, a decisão do Copom tende a esvaziar ânimos exaltados no mercado financeiro, pelo menos no curto prazo. Pode também tirar pressão das cotações do dólar.
A decisão unânime dificulta também a sobrevivência da teoria - sem muita base na realidade, diga-se - segundo a qual o Banco Central - e por consequência o Copom -, a partir de 2025, com maioria de membros apontados por Lula, seria leniente com a inflação. A decisão abre caminho para a restauração da confiança do Copom no esforço de fazer as expectativas convergirem para o centro da meta de inflação.
Conotação política
Não se pode desprezar as conotações políticas que cercaram o Copom de junho, depois das pesadas críticas de Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, nesta terça (18), primeiro dia da reunião do colegiado. Lula acusou Campos Neto de "trabalhar contra o país" e disse que o presidente do BC "tem lado político", insinuando ser este lado o do bolsonarismo.
Embora fosse consenso de que o Copom manteria a taxa básica, o ataque de Lula a Campos Neto estimulou uma parte do mercado financeiro a rever a expectativa de decisão unânime no Copom de junho, apostando em nova divisão, como a ocorrida na reunião de maio.
Na semana anterior à do Copom, Campos Neto foi homenageado na Assembleia Legislativa de São Paulo e em jantar promovido pelo governo paulista Tarcisio de Freitas. No jantar, Campos Neto teria sinalizado a Tarcisio que aceitaria ser ministro da Fazenda se o governador fosse eleito presidente em 2025. Foi no mínimo um descuido institucional - para não dizer um erro -, para o presidente de um BC independente.
Razões técnicas
Do ponto de vista técnico, a decisão também é defensável, ainda que as queixas de sempre - de dirigentes e políticos do PT a líderes de setores empresariais - levantem argumentos com algum fundamento. É fato que a trajetória da inflação sofreu, de maio para cá, uma inflexão altista, e não só pelas consequências da tragédia climática no Rio Grande do Sul.
Se o balanço dos riscos para a inflação, altistas e baixistas, permanecem inalterados, como registrado no sucinto e direto comunicado emitido no fim da reunião de junho, a incerteza que perdura quanto a trajetória dos juros de referência no Estados Unidos, aumenta as perspectivas - e expectativas - de alta de preços no Brasil.
Apesar de o comunicado do Copom de junho destacar a influência de uma "política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida", colabora para a "redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros" - leia-se taxa de câmbio - o que faz a diferença, no esforço de convergência da inflação para a meta, na prática, é o diferencial de juros, em relação às taxas americanas.
Com juros a 5,5% anuais nos Estados Unidos, e sem uma indicação clara de quando e de quanto podem ser cortados, a defesa contra altas do dólar e, em consequência, pressões inflacionárias, nas economias emergentes, exige taxas de juros mais elevadas.
Taxas de câmbio mais desvalorizadas por mais tempo acabam se traduzindo em mais inflação. Pressões do momento sobre a cotação do dólar, em alta nos mercados domésticos, que se assiste não só aqui, mas no resto do mundo, é um bom cala-boca contra cortes nos juros básicos locais, e em favor da manutenção das taxas ou até de elevações delas.
Prova disso é que as projeções da inflação reverteram tendência de queda, evoluindo de 3,8% para 4%, em 2024, e de 3,2% para 3,4%, em 2025. As melhores projeções apontam inflação perto de 4,5%, no acumulado em 12 meses, recuando pouco a pouco para vizinhanças de 4%, no fim do ano
Cautela criticada
Os críticos da decisão mais cautelosa de interromper o ciclo de cortes da taxa Selic, que levou a sete reduções desde agosto de 2023, apontam a taxa básica real muito elevada, ainda acima de 6% - a segunda mais alta do mundo -, como motivo relevante para a continuidade dos cortes nos juros. Argumentam também que as projeções para a inflação se acomodam com sobras no intervalo de tolerância do sistemas metas, que vai de 1,5% a 4,5%, com centro em 3%.
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Quero receberPode-se imaginar, porém, que a restauração da confiança na capacidade de a política monetária fazer a inflação convergir para a meta falou mais alto nos cálculos dos membros do Copom, inclusive da minoria discordante da decisão de maio.
A verdade é que, em tempos mais recentes, taxas básicas de juros mais altas do que o desejado não têm impedido uma certa retomada nas concessões de crédito. Analistas listam pelo menos três motivos para o aumento, ainda pequeno, mas consistente, da demanda por financiamentos, principalmente no segmento de pessoas físicas.
Os juros de mercado estão em trajetória de queda;
Com renda mais alta, reflexo de um mercado de trabalho mais dinâmico, cresce o número de candidatos a financiamentos;
A inadimplência tem registrado recuo, o que em parte também é explicado pela melhora na renda.
No fim da história, se ocorrer redução dos juros futuros mais longos e distensão nas cotações do dólar, como esperado por analistas, pressões sobre a inflação também deverão arrefecer. Serão indicativos de que a decisão do Copom de junho foi correta.
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