José Paulo Kupfer

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Opinião

Populismo tributário do PT e PL desfigura caráter redistributivo da reforma

Com votação esmagadora, 477 votos contra apenas três, a Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, a regulamentação da reforma tributária do consumo. Do PL (Partido Liberal) do ex-presidente Bolsonaro ao PT (Partido dos Trabalhadores) do presidente Lula todos comemoram um projeto que, segundo lideranças dos dois partidos, garantiu mais justiça tributária para todos os brasileiros.

Um mal disfarçado cálculo político e eleitoral foi o ponto que produziu o milagre da aliança tácita entre antípodas do espectro partidário e levou no embalo os satélites no Congresso dos dois partidos com maiores bancadas na Câmara. A verdade é que se irmanaram todos num engodo que desfigurou os objetivos originais da reforma.

Não é confortável ter de concluir que, apesar de desfigurar as louváveis intenções do projeto original da reforma, o texto aprovado na Câmara e remetido ao Senado ainda é melhor do que o sistema tributário em vigor.

Seria quase impossível piorar o conjunto vigente de normas e regras, construindo ao longo de décadas, que desincentiva a produção, contribui para reforçar as desigualdades sociais e constitui um complexo conjunto de exceções, que torna um inferno pagar e cobrar os impostos devidos.

Nem por isso é o caso de comemorar o que acabou saindo, com a costumeira correria das modificações de última hora, no texto aprovado na Câmara.

De um lado, com a adoção atrasada em relação ao resto do mundo de tributos de valor agregado, será finalmente possível saber o que o contribuinte está pagando em impostos. Mas, de outro, o festival de isenções e reduções de alíquotas reduzirá a potência dos mecanismos criados pela reforma para torná-la mais progressiva e redistributiva, evitando que benefícios para os mais pobres favoreçam, predominantemente, os mais ricos.

A ampliação da cesta básica nacional, de 15 para 22 produtos, o que garantiu isenção de impostos a produtos que não fazem parte da dieta alimentar das pessoas de menor renda, foi a forma prática encontrada no conluio entre governo e oposição para passar a falsa ideia de que os mais pobres finalmente foram mais beneficiados com a reforma. Não só não foram, e, como sempre, se tornaram vítimas de fortíssimos grupos de interesse empresarial.

É fake, por exemplo, que a isenção para carnes, aves e peixes de todos os tipos, com pequenas exceções que seriam escandalosas se mantidas na cesta básica — por exemplo, foie gras, em aves, caviar, em peixes, queijos especiais, em laticínios — beneficiam apenas os mais pobres.

A renda disponível desse grupo continuará não permitindo o acesso a carnes nobres incluídas nas isenções da cesta básica, e é provável que esta renda disponível se torne mais restrita, limitando o consumo dos mais pobres. Isso porque também os pobres pagarão mais com o aumento de tributos em outros produtos por eles consumidos, que serão majorados para compensar a ampliação e isenção populistas da cesta básica.

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Não se sabe ainda ao certo qual será a alíquota de referência aplicada aos novos impostos para manter a reforma neutra em termos de carga tributária. Mas não há dúvida que, a cada isenção ou redução de imposto, a alíquota geral ficará mais alta.

Só com a isenção das carnes, estima-se na Fazenda, seria necessária uma elevação de 0,53 ponto percentual na alíquota de referência, estimada em 26,5%, para manter a carga tributária neutra. Assim, a alíquota padrão nominal no novo sistema tributário se elevaria, no mínimo, a 27%.

Será, se o cálculo preliminar se confirmar, a maior alíquota nominal do mundo, embora não se deva esquecer que, no sistema tributário ainda vigente, o cálculo "por dentro" dos impostos, substituído no novo sistema pelo cálculo "por fora" — sem efeitos cumulativos a cada etapa da cadeia de produção —, joga a alíquota efetiva para perto de 35%, enquanto a alíquota efetiva, no novo sistema, tenderá a ser menor do que 27%.

Outra consequência do populismo tributário, que desfigurou a proposta original da reforma, é a redução dos impactos redistributivos do mecanismo de cashback, em razão do aumento do número de isenções e reduções de alíquotas. É fácil entender que, quanto mais produtos e serviços ficarem isentos de impostos, menos recursos sobrarão para serem devolvidos a pessoas de menor renda.

O cashback prevê a devolução em dinheiro ou em créditos para desconto em compras do valor pago em impostos por inscritos no CadÚnico (cadastro único para programas sociais) de baixa renda. Por meio do mecanismo, todos pagariam os impostos, mas os mais pobres receberiam de volta o valor dos impostos já pagos por todos.

Já as isenções "favorecem" igualmente pobres e ricos, beneficiando mais quem consome mais dos produtos e serviços isentos. Com isenção de produtos como carnes de todos os tipos, os mais ricos, obviamente, acabam mais beneficiados. Tem sido assim ao longo da história que resultou na vergonhosa posição brasileira entre os países mais desiguais do mundo.

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As comemorações, nas redes sociais, pela "justiça tributária" trazida com a regulamentação da reforma aprovada na Câmara, protagonizadas, entre outros, pela presidente do PT, Gleisi Hofmann, e pela primeira-dama, Janja Lula da Silva, coadjuvada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não fazem, portanto, nenhum sentido.

Bater bumbo para a redução de impostos para planos de saúde de pets, como fez Janja, revelando a ação de um lobby que incluiu até Xuxa, e mais ainda com Haddad defendendo a isenção de carnes, o que na sua equipe econômica foi considerado uma derrota para o caráter progressivo e redistributivo da reforma, só tem uma classificação: foi patético.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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