Todos a Bordo

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Reportagem

Brasil: Como são feitos helicópteros na maior fabricante da América Latina?

O Brasil é um dos poucos países do mundo com uma indústria aeronáutica avançada. Uma das principais representantes desse setor é a Helibras, localizada em Itajubá (MG).

A fabricante de helicópteros é a maior da América Latina. Praticamente, também é a única no hemisfério sul hoje em dia. Isso porque muitas empresas do ramo apenas montam as peças enviadas de outros países ou estão com a produção parada, como é o caso da sul-africana Denel.

A convite da empresa, o UOL visitou a linha de montagem da empresa, que hoje pertence à Airbus.

Como funciona a linha de montagem de um helicóptero?

Helicópteros na linha da montagem da Helibras, em Itajuba (MG)
Helicópteros na linha da montagem da Helibras, em Itajuba (MG) Imagem: Alexandre Saconi

Na Helibras, os principais helicópteros fabricados são os H125 Esquilo, H130 e H225. Cerca de metade dos componentes são fabricados no Brasil, enquanto outras partes são importadas.

Essa prática é comum no setor. A própria Airbus, sediada na França, tem seus aviões que são montados no país com componentes oriundos da Espanha, Inglaterra, Alemanha e EUA, por exemplo.

Os corpos dos helicópteros ficam lado a lado, e são montados parte a parte pelos funcionários da empresa. Até os cabeamentos são confeccionados em uma oficina específica da empresa.

Aos poucos, peça a peça, o helicóptero ganha vida. Entre as últimas partes a serem colocadas estão o motor e suas pás.

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Após uma série de testes estáticos, ou seja, ainda no solo, a aeronave parte para um primeiro voo. Se tudo estiver em ordem, ela é entregue para o cliente, que pode treinar na própria Helibras como voar na máquina.

No caso de aeronaves militares, a empresa ainda conta com um laboratório avançado, onde pode realizar testes antes da montagem final. É o caso de testes com sistemas de câmeras, vigilância, armamentos, entre outros, que seriam inviáveis ou muito caros de serem testados apenas após a montagem.

Sigilo

Helicópteros na linha da montagem da Helibras, em Itajuba (MG)
Helicópteros na linha da montagem da Helibras, em Itajuba (MG) Imagem: Alexandre Saconi

Como a empresa trabalha com projetos militares, o sigilo é um requisito fundamental. Em alguns setores, nem mesmo o próprio presidente da empresa é autorizado a entrar devido às exigências das empresas envolvidas.

Embora pareça estranho, justamente a maior autoridade da companhia não ter esse acesso, isso faz sentido. Como ele não é o responsável pelo desenvolvimento de determinados projetos que envolvem a segurança nacional, não faz sentido ele entrar em salas e departamentos onde os engenheiros estão elaborando adaptações ou trabalhando em projetos militares.

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Isso visa diminuir o risco de vazamento de informações e, até mesmo, espionagem. A exigência, inclusive, faz parte de acordos militares que devem ser seguidos à risca.

Nasceu nas mãos do estado

Helicóptero do Exército sendo modernizado na fábrica da Helibras
Helicóptero do Exército sendo modernizado na fábrica da Helibras Imagem: Alexandre Saconi

A Helibras nasceu em 1978, como uma parceria entre o governo de Minas Gerais e a antiga fabricante francesa Aérospatiale. Em 1980 se instalou definitivamente em Itajubá.

O primeiro helicóptero a ser produzido pela empresa foi o H125 Esquilo (denominado AS350 antigamente). Foram seis unidades para a Marinha. Esse é o principal helicóptero das forças públicas do país, usado entre outros pela Polícia Militar do estado de São Paulo.

Ainda na década de 1980, fechou contrato para a entrega de 41 Esquilos e outros 10 Super Pumas para a FAB (Força Aérea Brasileira). Em seus 45 anos de história, foram mais de 850 helicópteros entregues.

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No ano de 2008, os governos brasileiro e francês fecharam um acordo para o fornecimento de 50 helicópteros H225 para as Forças Armadas do Brasil. Foi um forte movimento de transferência de tecnologia para o país, que levou as aeronaves a terem quase metade de suas peças nacionalizadas.

A empresa ainda se especializou em prestar serviços de modernização de helicópteros já em uso. É o caso dos Fennecs e dos Panteras, que voam na aviação do Exército atualmente.

Na década de 1990, a divisão de helicópteros da Airbus (então Eurocopter) começou a fazer parte do esquema acionário da empresa. Em 2023, o governo de MG vendeu as últimas ações da empresa, que passou a ter controle total do grupo europeu.

Participação no mercado

Helicóptero na linha da montagem da Helibras, em Itajuba (MG)
Helicóptero na linha da montagem da Helibras, em Itajuba (MG) Imagem: Alexandre Saconi

A Helibras emprega hoje cerca de 500 funcionários diretamente, além de gerar outros milhares de empregos indiretos em ao menos 36 empresas fornecedoras e colaboradoras. Hoje, toda a diretoria da companhia é formada por brasileiros.

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A participação da empresa no mercado brasileiro é de 47%, segundo a fabricante, totalizando 699 helicópteros. No segmento governamental, que inclui polícias, bombeiros, casa civis entre outros órgãos públicos, essa fatia sobe para 82%. Já no ramo militar, a empresa tem 152 aeronaves nas Forças Armadas, uma parcela de 76% do setor de asas rotativas.

Em 2023, a Helibras faturou R$ 1 bilhão, e a previsão é que este valor suba para R$ 1,5 bilhão em 2024. Enquanto ano passado foram 25 helicópteros entregues, a expectativa é que até dezembro sejam feitas 32 entregas.

Aproximadamente 15% do faturamento é ligado à exportação para países como Chile, Argentina, Equador, Bolívia e Paraguai. A guerra na Ucrânia e os ataques de Israel a Gaza impactam negativamente na cadeia produtiva, com peças e insumos demorando mais para serem entregues.

Hoje, o nível da engenharia da empresa permite que ela elabore e fabrique peças para qualquer local do mundo, incluindo a matriz da Airbus. Esse desenvolvimento ocorreu graças à transferência de tecnologia das últimas décadas, que transformou a companhia em uma indústria de ponta, sendo reconhecida, além da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), pela Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA), do órgão regulador do setor na Europa, a Easa.

A fábrica, além de ter mudado a economia da região de Itajubá, coloca o país ao lado de outros países como Rússia, China, Alemanha, França e EUA, que são os principais desenvolvedores de helicópteros do mundo. Um exemplo da capacidade da engenharia brasileira é a adaptação de mísseis Exocet, uma das principais armas antinavio do mundo. Os H225 da Marinha foram adaptados para receber o armamento, e todo o projeto foi feito no Brasil.

Importância para o país

Helicóptero H125 Esquilo na linha de produção da Helibras, em Itajubá (MG)
Helicóptero H125 Esquilo na linha de produção da Helibras, em Itajubá (MG) Imagem: Alexandre Saconi
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Para o presidente da empresa, Alberto Duek, é importante existir uma indústria de ponta como a do setor aeroespacial para o desenvolvimento do país. "Eu fiquei muito contente quando eu vi que o governo lançou um novo plano para a indústria brasileira, e a gente se insere nele. Aqui é uma indústria de altíssima tecnologia, e muitas delas têm utilidade tanto para o setor civil como para o militar", diz o executivo.

Ao mesmo tempo que um engenheiro da empresa desenvolve os equipamentos fabricados na empresa, ele também cria capacidade produzir coisas novas, inovações, desenvolvimento e tecnologia. Um exemplo foi durante a pandemia, onde a equipe da Helibras desenvolveu uma maca capaz de transportar portadores de Covid sem oferecer risco aos tripulantes das aeronaves, por meio de uma maca de pressão negativa, na qual o ar contaminado não se misturava com o de fora.

"Nós temos que aproveitar essa tecnologia que foi transferida para cá, manter o nosso engenheiro motivado e dentro do país para que o Brasil continue a ser o único produtor de helicópteros do hemisfério sul", afirma Duek.

Resgate em Brumadinho

Um dos momentos mais marcantes de sua trajetória na empresa, diz o executivo, foi o apoio às operações de resgate em Brumadinho (MG) após o rompimento de uma barragem da Vale.

É uma coisa muito marcante que me emociona até hoje. Eu estava exatamente no meio da fábrica, indo almoçar, e recebi uma ligação. A informação que chegou é que tinha havido um grande desastre em Brumadinho e que a primeira previsão inicial era que havia mais de 100 vítimas. Imediatamente, a gente estabeleceu uma força tarefa em três locais: aqui em Itajubá (MG), com nosso pessoal de engenharia, em Atibaia (SP), onde temos um depósito de peças, e em Belo Horizonte (MG), para onde mandamos nossas equipes de manutenção para acompanhar os helicópteros na base de apoio das operações.
Alberto Duek

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O executivo ainda lembra que os helicópteros voavam constantemente, do nascer ao pôr do sol em meio à lama tóxica da barragem. Ao fim do dia, quando retornavam para o aeroporto, as equipes da Helibras inspecionavam os helicópteros, faziam a higienização e verificavam se faltava alguma peça e, se fosse o caso, enviavam o que fosse necessário de Belo Horizonte em um avião fretado durante a noite para que, ao amanhecer, as equipes pudessem continuar o resgate sem interrupções.

"Fizemos isso durante 45 dias na força tarefa, com 31 helicópteros operados e apoiados pela Helibras e com 100% de disponibilidade. Ou seja, nenhum voo deixou de ser feito em socorro de ninguém por falta de helicóptero. Eu, pessoalmente, me sinto emocionado toda vez que eu me lembro de toda a operação que a gente fez e principalmente, a homenagem final que a os operadores de helicópteros fizeram para Helibras. Eles decolaram todos os helicópteros ao mesmo tempo para cumprimentar a equipe que havia dado o apoio à missão", diz Duek.

Raio-X da empresa

Nome: Helibras
Ano de fundação: 1978
Empregos gerados: 500 diretos e mais de outros milhares indiretos
Helicópteros entregues: Mais de 850
Unidades: Itajubá (MG) -- Sede e fábrica; Brasília (DF) -- Escritório de representação; Atibaia (SP) -- Centro de suporte ao cliente e estoque de peças e componentes; Rio de Janeiro -- Simuladores; São Paulo -- Centro de manutenção e escritório comercial.
Fatia de mercado brasileiro: 47%, sendo uma porção de 82% dos helicópteros em setores governamentais e 76% dos helicópteros militares do país.

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