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Reportagem

Laurita Augusto, da Azul: 'O 'não', pra mim, era como um 'tente de novo''

Laurita Augusto, hoje, é diretora de serviços e operações na companhia aérea Azul. Aos 45 anos chegou ao cargo após mais de duas décadas trabalhando na aviação.

Na Azul desde 2021, a executiva já questionou durante toda sua trajetória se conseguiria atingir seus objetivos, se a maternidade não atrapalharia o seu trabalho, quais os valores ela queria para sua equipe (bem diferentes daqueles de quando ela entrou na aviação).

Atualmente, ela coordena as equipes que atuam com os passageiros nos aeroportos e nos canais de atendimento da empresa, além do setor de operações em solo. São cerca de 4.000 pessoas sob seu comando, um quarto do total de empregados da Azul, que hoje tem, aproximadamente, 16 mil funcionários em seu quadro.

Veja a seguir trechos da entrevista com Laurita.

A emoção em ser promovida

Laurita Augusto com a mãe, que é deficiente visual
Laurita Augusto com a mãe, que é deficiente visual Imagem: Arquivo pessoal

Laurita sempre traçou seus objetivos na vida desde os 16 anos. Uma das suas metas era ser diretora de uma empresa até os 40 anos.

A promoção veio apenas em 2022, aos 42 anos de idade. Durante a entrevista, brincamos que foi a covid-19 que atrasou esses dois anos em sua meta, mas que, subtraindo o período da pandemia, ela conquistou seu objetivo dentro do prazo estabelecido.

Esse momento, inclusive, ela relata como um dos mais emocionantes de sua vida. "Eu não estava esperando, e a promoção foi muito rápida, em um ano de Azul. A diretoria fez uma surpresa, e eu não imaginava qual seria a minha reação. Eu chorei muito, ainda mais porque eles não sabiam que esse era meu objetivo. Tinha sensação de que tina conseguido alcançar meus sonhos", afirma Laurita.

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O Jason [Ward, vice-presidente de Pessoas, Cliente e ESG da Azul,] perguntou o que eu queria fazer naquele momento e eu disse que voltava dali a pouco. Fui para o carro ligar para a minha mãe contar que deu tudo certo. Depois, me acalmei e voltei para falar com os diretores
Laurita Augusto, da Azul

Dá para ser mãe, sim

Laurita Augusto, da Azul, gosta de viajar com o filho. Executiva defende a maternidade e diz que a mulher tem de ter o direito de escolher
Laurita Augusto, da Azul, gosta de viajar com o filho. Executiva defende a maternidade e diz que a mulher tem de ter o direito de escolher Imagem: Arquivo pessoal

A maternidade é um fator de peso sobre a maioria das mulheres (diferentemente dos homens). Ainda mais para as que trabalham, e em cargos de hierarquia mais elevada.

"Eu perdi o meu primeiro filho no meio da gestação. Eu queria engravidar, mas eu tinha na cabeça que acabaria com a minha carreira e que eu não iria crescer. Ninguém me disse dessa forma, mas eu tinha isso dentro de mim", lembra Laurita.

Meses depois ela engravidou do seu filho, que hoje está com 11 anos. Ainda assim, durante a gestação, ela chegou a pensar que a maternidade iria atrapalhar seus planos para a vida.

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"Aquilo ficava persistindo entre a alegria de ser mãe, que é algo muito mágico, e o medo de não estar ao lado dele enquanto ele crescesse. Ainda mais comigo, que trabalho com viagens, tendo de me afastar dele várias vezes", diz a executiva. Entretanto, sua mãe, a quem considera uma mentora, mudou sua forma de ver a maternidade. "Ela dizia que eu estava criando um filho para o mundo, e não para ficar grudado em mim. Que eu tinha família, gente para ajudar, então, que era para eu mudar minha cabeça. E ela foi me ajudando a entender que não é problema a maternidade, que dá para ser mãe, sim", lembra.

Eu amo ser mãe, e amo o meu trabalho. Se você não é feliz na sua vida pessoal, você não consegue levar isso para a profissional. Não dá certo. Eu iria ser uma pessoa frustrada, que nunca iria ter filho, e, talvez, nunca teria chegado até onde eu cheguei
Laurita Augusto, da Azul

Em uma situação que lembra hoje, aos risos, quando seu filho tinha três meses, precisou viajar para a Oceania para resolver uma situação da empresa onde trabalhava à época. Ela ficou preocupada se o bebê ainda iria se lembrar dela quando voltasse.

Durante alguns dias dessa viagem, teve de se hospedar em Bora Bora, na Polinésia Francesa. "Eu estava em um lugar paradisíaco, mas me sentia mal por estar longe do meu filho naquele momento e não consegui aproveitar", lembra aos risos.

Exigências: Ser loira e desfilar

Laurita lembra de como outros locais onde trabalhou antes da Azul tinham exigências hoje consideradas absurdas em relação às mulheres. Em um contexto de predominância masculina no setor, cobranças sobre os corpos femininos eram corriqueiras, lembra.

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Quando ela participou do seu primeiro processo seletivo para uma empresa aérea, era obrigatório que as candidatas fossem loiras. Laurita, que hoje pinta o cabelo dessa cor, lembra que aceitou fazê-lo para não perder a oportunidade de emprego.

A executiva também recorda que, para ser comissária, havia um limite no tamanho dos manequins dos uniformes. Qualquer número além daquele, a pessoa teria de ir trabalhar em outra área da empresa, que não a bordo dos aviões, afirma.

"Em alguns processos, as candidatas tinham de desfilar em uma sala para os executivos da empresa. Isso é algo completamente absurdo hoje, mas, à época, era visto como se fosse normal", diz Laurita.

Caos aéreo

Outro momento marcante de sua trajetória foi durante o caos aéreo. Ocorrido entre os anos de 2006 e 2007, o setor ficou marcado por diversos cancelamentos, problemas de infraestrutura, greves de controladores, entre outros problemas.

Em um dos momentos mais críticos, quando aviões eram impedidos de decolar por falta de controladores de voo, Laurita precisou ler uma mensagem da empresa onde atuava sobre viagens que não seriam realizadas. Ela lembra ter tido muito medo da reação das pessoas naquele momento, já que os sentimentos estavam à flor da pele.

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Na mensagem, os passageiros eram informados que os voos não teriam como ser realizados, e que, se fosse o caso, poderiam ir embora para casa que teriam os gastos reembolsados. Ao final, ela lembra que saiu chorando com a situação, mas que deu tudo certo, ainda mais porque contou com a presença da polícia para garantir que não fosse agredida.

Ouvir o outro

Laurita Augusto, diretora de serviços e operações da Azul, durante evento em comemoração aos 15 anos da companhia aérea
Laurita Augusto, diretora de serviços e operações da Azul, durante evento em comemoração aos 15 anos da companhia aérea Imagem: Arquivo pessoal

Laurita diz que não há como exigir que as equipes atendam bem aos passageiros se ela não faz isso com eles. Para isso, mudou a forma de lidar com os profissionais no cotidiano.

Além de buscar conhecimento sobre outras culturas, em outros países, precisou entender como os trabalhadores veem o emprego hoje em dia. Em grande parte, diz a executiva, as pessoas trabalham em busca de um objetivo no emprego, e é preciso que elas vejam isso.

Desde permitir que os funcionários trabalhem com projetos próprios, os trabalhadores sob seu comando podem mudar de área temporariamente para conhecer qual a melhor se adequam, sem impedimento. Muitas vezes, quem entra no atendimento nos aeroportos deseja voar como tripulante, seja como comissário ou piloto, e, na medida do possível, essas mudanças são permitidas dentro de sua gestão.

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Ela ainda busca quebrar barreiras para permitir maior inclusão e diversidade sob sua gestão. "Eu não me chamo de feminista. Mas todo mundo tem de ter direito ao seu espaço. Fico muito contente quando vejo pessoas da minha equipe falando que ficam felizes em ver uma mulher como diretora. Também acho muito gostoso ver uma mulher chegando a uma diretoria de uma empresa", diz Laurita.

Durante minha trajetória, muitas vezes ouvia o 'não'. Mas, o não, para mim, é como um 'tente de novo'
Laurita Augusto, da Azul

Trajetória

Laurita Augusto ao lado do chef Claude Troisgros e de outros executivos da Azul durante lançamento de menu especial para voos com destino a Paris
Laurita Augusto ao lado do chef Claude Troisgros e de outros executivos da Azul durante lançamento de menu especial para voos com destino a Paris Imagem: Arquivo pessoal

Laurita começou na aviação na década de 1990, quando ainda estava na faculdade de Direito, em Guarulhos (SP). Antes de entrar na Azul, em 2021, ainda trabalhou no setor de transporte rodoviário.

Em aéreas, tinha como objetivo atuar no departamento jurídico. Começou no atendimento em balcões, passando por serviços de fidelidade e ouvidoria antes de sair (temporariamente) do setor.

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Pesou em sua trajetória o fator de que sempre tentou atender às exigências da sua então companhia para ir para o setor jurídico dela. Em certo momento, com especializações na área e idiomas (Laurita fala inglês e alemão fluentemente), disseram que ela não poderia mudar de setor, já que possuía muitos vícios de outros departamentos.

Com o tempo, deixou a aérea onde trabalhava e começou um emprego em uma viação. Lá, com a pandemia, teve novos desafios, principalmente o de atuar em um cenário onde as pessoas pararam de viajar, mas o transporte de cargas cresceu fortemente.

Após alguns anos na função, deixou a empresa. Em 2021 foi para a Azul, onde, hoje, exerce o cargo de diretora.

Sobre o futuro, Laurita diz estar muito feliz onde está atualmente. Mas não descarta continuar progredindo na carreira e, quem sabe, chegar a uma vice-presidência ou fazer parte da alta diretoria da empresa.

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