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Vai morar fora? Brasileiros que já foram dão dicas para não se dar mal

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Sophia Camargo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/10/2017 04h00

A crise e o desemprego têm motivado cada vez mais brasileiros a deixarem o país em busca de melhores oportunidades no exterior. Segundo dados da Receita Federal, o número de saídas definitivas passou de 8.170 em 2011 para 21.236 em 2017, um aumento de 160%. De 2014 a 2017, o total de saídas chegou a 68.582, duas vezes e meia superior ao total computado entre 2011 e 2013.

“O maior motivador das saídas é a desilusão com a situação do país”, diz João Marques da Fonseca, presidente da Emdoc, consultoria especializada em mobilidade global.

Brasil-Estados Unidos-Itália

Helio Torreti, com a mulher Luciana e a filha Nina, em Bassano Del Grappo, Itália - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Hélio Torreti com a mulher Luciana e a filha Nina na Itália
Imagem: Arquivo Pessoal

A crise e a falta de perspectiva motivaram o arquiteto Helio Torreti, 44, a se mudar com a mulher, Luciana, 43, e a filha Nina, 2, para Miami, nos Estados Unidos, em agosto de 2016, apenas com uma promessa de trabalho no início de 2017. Torreti, que era dono de uma construtora no Brasil, viu o negócio quase falir por conta da crise imobiliária. “A gente foi querendo acreditar que a crise era passageira, mas a situação ficou insustentável", diz.

Contratou um advogado especializado para auxiliar na imigração e resolveu abrir uma empresa no ramo de alimentação para ajudar a conseguir o visto. “Eu e minha mulher nos comunicamos bem em inglês, então isso facilitou”, diz. Ele conta que, antes de sair do Brasil, fez uma planilha para saber quanto tempo iriam conseguir sobreviver no país com a reserva de que dispunham em dinheiro.

Bassano Del Grappa, Itália, vista da casa de Helio Torreti - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Vista da casa de Helio Torreti em Bassano Del Grappa, na Itália
Imagem: Reprodução/Facebook

“Se eu gastasse US$ 3.000 por mês, quanto tempo sobreviveria? -- foi assim que fiz os cálculos”, diz. Também venderam tudo o que tinham para conseguir o máximo de dinheiro. Após um ano e dois meses nos Estados Unidos, Torreti e a mulher se mudaram há 15 dias para Bassano Del Grappa, uma cidadezinha ao norte da Itália, próxima à Veneza, com objetivo de facilitar a obtenção da cidadania italiana.

“A intenção era fazer tudo dos Estados Unidos, mas com a eleição de Trump o processo que demorava três meses passou a demorar um ano e meio. Então decidimos vir pra cá”, diz. “Às vezes não ter alternativa é bom porque você não pode desistir e você faz tudo o que precisa 24 horas por dia.”

Segurança x saudades

Simone Miranda Behr, moradora de Dartford, Inglaterra - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Simone Miranda Behr mudou-se com a família para Dartford, na Inglaterra
Imagem: Reprodução/Facebook

O aumento da violência no Brasil e a perspectiva de uma vida melhor para os filhos foi o que fez a cabeleireira Simone Miranda Behr, 43, decidir se mudar com o marido, Cláudio Behr, 43, e os filhos Francisco, 10, e Maria, 8, para Dartford, na Inglaterra.

O marido, que tem cidadania alemã e fala inglês fluente, conseguiu emprego e foi primeiro para conseguir alugar casa e procurar escola para as crianças. Ela ficou por mais quatro meses no Brasil para cuidar dos arranjos finais. Behr diz que, como não sabiam se a experiência ia dar certo, não se desfizeram de tudo.

Alugou a casa na capital paulista, manteve a sociedade em um salão de beleza que tem em São Paulo e se desfez de parte dos móveis e objetos para levantar dinheiro. “Queríamos ver se nos adaptaríamos primeiro”, diz.

Ela afirma que, passados sete meses, os filhos já estão fluentes em inglês. Ela tem mais dificuldade, mas estuda com uma professora e já conseguiu trabalho como cabeleireira.

“A vida aqui é muito diferente. A segurança é muito melhor, há mais liberdade em todos os sentidos, você anda na rua sem medo de ser roubada. Perdi a minha mala com todo o material de trabalho no vagão do trem e encontrei tudo intacto. De outra vez deixei cair o celular na estação e encontrei nos achados e perdidos. Roupas, sapatos, comida, tudo é mais barato. Passagens aéreas pela Europa nem se fala. As desvantagens são a saudade das pessoas queridas, a comida é ruim para o paladar brasileiro, a higiene não é grande coisa e o clima também não é agradável, frio e vento demais. Tudo só é maravilhoso quando somos turistas; no dia a dia, a rotina de trabalho é a mesma.”

Brasileiro costuma ignorar regras

A atitude de Torreti e Behr, porém, não é regra geral, segundo Fonseca. De acordo com o especialista, poucas pessoas estão saindo do Brasil realmente preparadas para morar no exterior.  “O brasileiro não é organizado e preocupado com a legalidade, costuma ir sem saber nada sobre as regras e a cultura do país, muitas vezes sem saber nem mesmo a língua”, diz.

Ele conta uma história que exemplifica a situação. Dois rapazes resolveram ir para Miami porque queriam morar nos Estados Unidos. Ao chegarem lá, alugaram dois carros altamente potentes e saíram em alta velocidade pelas ruas. Foram detidos, levados à frente de um juiz, tiveram de pagar uma multa em dinheiro e o juiz ainda determinou que fossem escoltados de volta ao aeroporto para serem enviados de volta ao Brasil, proibindo a entrada deles em território americano por dez anos, por serem nocivos ao Estado. “Não ficaram nem 12 horas em solo americano”, diz.

Veja, a seguir, as dicas de João Marques da Fonseca e também de Simone Behr e Helio Torreti para se mudar para o exterior com mais tranquilidade:

1) Faça o planejamento

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É o ponto mais importante. O indicado é começar a se preparar com antecedência de, pelo menos, 12 meses para uma mudança de país. “Quando surgir a ideia da viagem, pense em todos os fatores que serão essenciais para a sobrevivência longe da sua terra natal como: família, moradia, trabalho, e, claro, dinheiro”. Fonseca afirma que o ideal é fazer ao menos três visitas exploratórias na região para saber o que vai enfrentar.

“Não veja isso como custo, mas como investimento. As medidas corretivas são sempre mais caras que as preventivas”, diz. Tanto Behr quanto Torreti tiveram de obter assessoria para alugar suas casas. Torreti conta que nos Estados Unidos eles exigem metade do aluguel adiantado, no caso de quem ainda não está legalizado. Behr afirma que é preciso depósito e fiador para alugar na Inglaterra, mas como seu marido tinha amigos lá facilitou bastante.

Para estudar em escolas, é preciso ter documentação. A saúde na Europa é gratuita e de qualidade, já nos Estados Unidos também é de qualidade, mas caríssima. Por isso, antes de sair do Brasil, ele fez um plano de saúde internacional.

2) Cuide da legalização

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Saiba tudo o que é preciso para ficar legalmente em um país. “Para exercer qualquer atividade remunerada fora do Brasil, o cidadão tem por obrigatoriedade ter visto de trabalho, salvo os países que permitem que o estudante possa trabalhar algumas horas na semana. Porém, nesses casos, é somente para que o aluno possa ter alguma entrada de dinheiro para se manter no país durante o período escolar”, diz Fonseca. Behr, por exemplo, obteve um visto de trabalho por seis meses e já está pleiteando o visto para mais cinco anos. Já seu marido, diz, não tem necessidade disso por ser cidadão europeu.

3) Conheça o lugar

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É aconselhável conhecer pessoalmente o destino. Faça pelo menos três visitas ao local escolhido, não com a visão de turista, mas pensando como morador local. O olhar de residente é muito diferente de quem vai para passear. Procure conhecer e estudar regras, leis, costumes e diferenciais do destino. A cultura muda muito de uma nação para outra e é preciso se adequar aos hábitos locais para não sofrer com punições e multas. Outros pontos a serem vistos são: escola para os filhos, distância da residência para o local de trabalho, entre outros.

4) Entenda a cultura local

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O jeito amável e íntimo do brasileiro pode causar muita encrenca em outros países. Tocar e abraçar pessoas fora do convívio familiar pode constituir ofensas graves em outros países, ou até mesmo provocar pedidos de casamento inusitados.

Fonseca conta que uma gerente de RH brasileira recebeu um refugiado aqui no país e foi bastante amável com ele, explicando como se comportar. Na outra semana, recebeu uma sacola de roupas íntimas dele para lavar. “Era um pedido de casamento. No país de onde ele veio, na África, levar roupas íntimas para lavar equivale a dizer que você não tem segredos para a pessoa e deseja passar o resto da vida com ela.”

Outra gafe aconteceu na Suíça, quando uma secretária brasileira abraçou um executivo desejando-lhe boa sorte. “O homem ficou desesperado, encostou na parede pedindo para não ser acusado de assédio e para não ter sua carreira prejudicada”, diz.

Em alguns países, é obrigatório tirar o sapato antes de entrar na casa, por exemplo. Em outros, as mulheres devem andar cobertas. Por isso, é preciso conhecer a cultura antes de partir. “Mesmo em Portugal, um país irmão, com a mesma língua, já temos visto muitos conflitos entre brasileiros e portugueses por estranhamento da cultura”, diz Fonseca.

“Saí do Brasil também pela necessidade de participar de uma sociedade onde as coisas funcionam. Não adianta você achar que o 'jeitinho brasileiro' vai funcionar em outro lugar; vai é te causar encrenca. Uma coisa que ouvi muito nos Estados Unidos ficou na minha cabeça: ‘aqui a roda anda, não queira inventar outra roda’ ”, diz Torreti.

5) Fique de olho nas finanças

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É recomendável ter uma poupança que cubra os seis primeiros meses das consideradas despesas fixas. Faça as contas de tudo o que vai gastar em moradia, alimentação, transporte, educação. Se puder, mantenha uma fonte de renda no Brasil, como uma casa alugada, como fez Simone Behr,  ou investimentos que rendam juros por mês.

6)   Aprenda a língua

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Algumas pessoas acreditam que podem aprender outro idioma já no destino final, mas isso é um engano, diz Fonseca. “O mais adequado é já ter alguma fluência na língua local antes da mudança. Com isso, você se sentirá muito mais seguro e apto para executar as suas demandas e viver bem no pais escolhido”, diz.

7) Filhos requerem atenção especial

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Atenção especial aos filhos. Se os pais são separados, é preciso autorização do pai ou da mãe que fica no Brasil para que o filho vá morar no exterior. “Se houver algum  problema incontornável, procure ajuda do juiz, mas não vá sem autorização”, diz Fonseca. Ele diz que a tentativa de levar crianças sem autorização para o exterior pode configurar tráfico internacional de pessoas, causando problemas legais ao pai ou à mãe que não pediram autorização do outro genitor, conforme as regras da Polícia Federal, válidas para os menores de 18 anos.

8) Exercite sua capacidade de adaptação

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Qual é um fator essencial para o sucesso? Segundo Fonseca, a maneira de encarar a vida pode fazer diferença. “Se você é muito inexperiente e imaturo, pode ser difícil. Mas, por outro lado, se for uma pessoa inflexível e que não quer se inovar, também vai ser impeditivo. Vá com a mente aberta e disposto a aprender.”