Opinião

O que garante a segurança do bitcoin? Entenda o orçamento de segurança

O bitcoin é ao mesmo tempo revolucionário e perene. A moeda que foi criada para mudar o mundo tem como característica essencial a sua resistência à mudança. Enquanto os usuários, investidores e desenvolvedores dos demais criptoativos traçam roadmaps que vislumbram um futuro repleto de alterações transformativas, toda mudança proposta ao bitcoin é recebida com suspeita e ceticismo.

Tamanha ossificação tem suas justificativas. Não se conserta o que não está quebrado. É difícil convencer o núcleo da comunidade do bitcoin que algo com uma estrutura tão sólida ainda pode ser aprimorado. Soberano, digital, antifrágil, resistente à censura... a lista de virtudes dessa nova representação de valor é tão longa que é difícil imaginar uma novidade que o suplante. A cada novo ciclo e a cada nova máxima histórica, o mundo aos poucos aparenta se aproximar da mesma conclusão.

Apesar disso, existe uma possível dubiedade que no médio e longo prazo paira sobre a promessa do bitcoin como reserva de valor do futuro: o seu decrescente orçamento de segurança. Com um número cada vez menor de bitcoins sendo distribuído para recompensar quem garante a segurança dessa blockchain, em que ponto a rede se torna vulnerável?

O que garante a segurança do bitcoin

Para entender a escala desta incerteza, é importante revisitar alguns dos mecanismos que garantem a segurança desta rede.

No sistema de "proof-of-work" (prova de trabalho), os mineradores confirmam a veracidade das transações —e garantem a segurança da rede como um todo— através do poder computacional que é consumido durante o processo de validação dos novos blocos. É justamente esse gasto que dá sustento aos incentivos econômicos que fomentam a honestidade dos participantes da blockchain.

Porém, essa recompensa está cada vez menor (pelo menos em termos nominais). E essa contração, além de ser proposital, é absolutamente necessária, servindo como pilar central da tese de investimento do bitcoin. Em outras palavras, o valor dos tokens aumenta porque o número de novos bitcoins míngua.

Pagando as contas dos mineradores

A recompensa de bloco tem dois componentes: o subsídio de blocos e as taxas de transação. O subsídio de blocos é a única e exclusiva origem de todo bitcoin. Ou seja, o subsídio é tanto uma recompensa para mineradores como o processo que cria novos tokens.

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Esse subsídio é cortado pela metade a cada 210 mil blocos (ou aproximadamente quatro anos) em um evento programático recorrente conhecido como o "halving" (ou partir pela metade). No lançamento da rede, em janeiro de 2009, cada bloco gerava 50 bitcoins. Hoje, após três "halvings", a quantidade nominal do subsídio é de 6,25 bitcoins e, antes do final de abril, essa quantia será cortada para 3,125.

Até então, essa queda só tem representado um desafio momentâneo para os mineradores, dado que o preço do bitcoin registrou sucessivas trajetórias de alta logo após todo halving. Os mineradores ganham cada vez menos bitcoins, mas o preço desses bitcoins fica cada vez mais alto.

Receita de taxas

À medida que nos aproximamos do próximo corte do subsídio de blocos, surge um questionamento mais premente: até quando um aumento no valor do bitcoin compensará a redução do subsídio? Quantos halvings ainda ocorrerão até que o subsídio seja tão pequeno que as taxas de transações terão que financiar sozinhas o orçamento de segurança do bitcoin?

Segundo Satoshi Nakamoto, o misterioso criador do bitcoin, a intenção sempre foi que, eventualmente, a segurança da rede seria custeada pelas taxas de transações. Em 2008, antes mesmo do lançamento da rede, Nakamoto explicou em um email: "Os nós (mineradores) serão eventualmente compensados apenas por taxas de transação quando o total de moedas criadas atingir o limite pré-determinado."

O desafio dessa solução é que, mais de 15 anos após o lançamento da rede, o subsídio de blocos ainda representa uma grande parcela da receita dos mineradores. Por exemplo, durante todo o ano de 2022, as taxas de transação não ultrapassaram 5% da receita total dos criadores de blocos.

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Ou seja, durante esse ano de vacas magras, em que a demanda por espaço nos blocos era baixa, o subsídio sustentou o orçamento de segurança do bitcoin quase que inteiramente.

Quão seguro é seguro o suficiente?

À medida que a dinâmica de "número só vai para cima" arrefece, a recompensa de blocos se tornará progressivamente menor em relação ao valor que está sendo protegido. Isso potencialmente aumenta os incentivos para atacar a rede, ao mesmo tempo em que os mecanismos de proteção podem perder eficácia.

Essa é a preocupação daqueles que questionam a sustentabilidade do orçamento de segurança do bitcoin. Atualmente, o subsídio diário de blocos é de aproximadamente 900 bitcoins, equivalendo a cerca de US$ 36 milhões de dólares. Anualmente, este custo representa 1,774% do valor total da rede, que é quase US$ 800 bilhões.

A questão de se isso é suficiente permanece sem uma resposta definitiva. Até agora, a rede nunca sofreu um ataque significativo.

Determinar em que ponto os incentivos podem mudar a favor de um ataque (se é que isso acontecerá) é motivo de amplo debate. No entanto, é razoável afirmar que, por enquanto, os incentivos econômicos para prevenir um ataque computacional de força bruta contra a rede Bitcoin ainda são fortes e eficazes.

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Hashrate e o ataque de 51%

A Hashrate, que mensura o poder computacional protegendo a rede Bitcoin, continua em ascensão. Em novembro do ano passado, ultrapassou a marca de 500 exahashes por segundo, registrando uma nova máxima histórica. Este aumento sugere que a segurança do bitcoin permanece robusta, mas não é um indicador absoluto.

Para realizar um ataque de 51% na rede Bitcoin —o que envolveria bloquear ou reverter transações, ou monopolizar o processo de criação de blocos-, um ator mal-intencionado precisaria controlar mais de 51% do poder computacional da rede. Contudo, a realização de tal ataque diminuiria imediatamente o valor da rede, tornando-o um cenário improvável e mais comparável a uma trama de filme de super-vilão do que a uma ação de um criminoso racional.

Embora os custos dos cálculos estejam diminuindo devido aos avanços nos semicondutores, que tornam o poder computacional mais acessível, estes avanços beneficiam tanto os mineradores quanto um potencial agressor. Assim, a Lei de Moore impacta ambos os lados de forma similar. No entanto, considerando o alto custo e o risco associado a um ataque de 51%, ainda é um cenário pouco provável na prática.

Existe uma ameaça concreta?

A possibilidade de um ataque governamental ou de outra entidade poderosa contra o bitcoin, embora tecnicamente viável, parece pouco provável na realidade atual. Governos hostis podem ter interesse em desestabilizar criptomoedas como o bitcoin, mas um ataque direto à rede é um cenário complexo e potencialmente contraproducente, até mesmo para críticos ferrenhos das criptomoedas.

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É mais plausível que o debate em torno da segurança do bitcoin seja um exercício intelectual ou uma tentativa de influenciar mudanças em aspectos fundamentais como o mecanismo de consenso ou o calendário de emissão de novos bitcoins (subsídio de blocos).

Estas discussões são importantes para o desenvolvimento e fortalecimento da rede, destacando a robustez dos mecanismos que protegem o bitcoin. Embora nenhuma rede seja completamente à prova de falhas, a noção de uma vulnerabilidade crescente no orçamento de segurança do bitcoin parece, no momento, mais uma especulação do que uma realidade econômica iminente. Assim, a ameaça concreta parece distante, especialmente considerando o atual contexto econômico e de segurança da rede.

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