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Por que os juros bancários para o consumidor caem menos que a Selic?

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Imagem: Thinkstock

07/12/2017 07h19

A taxa básica de juros foi cortada pela décima vez seguida neste início de dezembro. De 14,25% em outubro de 2016, a Selic atingiu 7%, o menor nível dos últimos 20 anos. Nesse mesmo intervalo, os juros do cheque especial, uma das modalidades mais caras do mercado, também recuaram, mas proporcionalmente bem menos: de 328,5% para o patamar ainda proibitivo de 323,7% ao ano.

O descompasso ilustra a dinâmica que marcou o ciclo de mais de um ano de afrouxamento do juro básico. O custo dos empréstimos para empresas e consumidores começou a recuar de forma mais perceptível apenas na segunda metade de 2017 - e em ritmo bem mais lento que o da taxa definida pelo Banco Central.

As razões para isso vão desde a defasagem entre as decisões de política monetária e seu reflexo no crédito até a rigidez do spread - a diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e a que cobram nos empréstimos -, que cedeu pouco no decorrer deste ano.

Depois da última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC de 2017, divulgada nesta quinta-feira, a expectativa é que a Selic se mantenha no nível atual em 2018, dizem especialistas consultados pela BBC Brasil, cenário que abre espaço para que as taxas para pessoa física e jurídica recuem um pouco mais até 2019.

Já a diminuição significativa dos juros estruturalmente altos que colocaram o Brasil no topo dos rankings internacionais - dos quais são sintoma, por exemplo, as taxas acima de 100% cobradas no crédito pessoal - vão além da política monetária.

Mais lento que o esperado

A trajetória de queda dos juros para consumidores e empresas tem sido mais vagarosa do que antecipava no início do ano o economista Vitor Velho, que acompanha o segmento de crédito na LCA Consultores.

O corte da Selic reduziu o custo de captação das instituições financeiras - os bancos pagam mais barato para obter recursos e repassam parte dessa economia reduzindo as taxas -, mas não teve impacto significativo sobre o spread, ele justifica.

A taxa média total cobrada à pessoa física, por exemplo, recuou de 42,2% ao ano em janeiro para 34,2% em outubro (último dado disponível). A queda é significativa, mas ainda está 6,9 pontos percentuais acima da mínima histórica da série do Banco Central, de 27,3%, registrada em maio de 2013 - quando a Selic saía de um outro ciclo de afrouxamento, que a levou a 7,25% até março daquele ano.

Em paralelo, o spread na taxa média para pessoa física, por sua vez, diminuiu de 33,1 pontos para 27,6 pontos entre janeiro e outubro - tendo atingido 20 pontos em 2013. "O que chega ao consumidor vai sempre passar pelo spread bancário", ele destaca.

Risco de calote

A resistência da diferença entre os juros que o banco paga ao captar e a taxa que ele cobra ao oferecer empréstimos é reflexo, em parte, do nível relativamente elevado da inadimplência, diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) Gabriel Madeira.

A lógica é que, quanto maior o risco de calote, maior o "prêmio" que os bancos vão embutir em suas taxas de juros.

Esse é um indicador que vem melhorando de forma lenta, pondera o economista, por uma característica da própria recessão, marcada pelo endividamento de famílias e empresas.

Os bancos também tendem a retrair a oferta de crédito, ele acrescenta, diante do cenário atual de desemprego alto, de recuperação fraca da economia e das dúvidas em relação às eleições de 2018. Tudo isso gera incerteza sobre a capacidade de pagamento dos brasileiros.

"As taxas funcionam como um ativo. Quanto maior a oferta, maior a concorrência - e os preços tendem a cair mais", ilustra Michael Viriato, professor do Insper.

Nesse sentido, afirma Velho, da LCA, a concentração que marca o setor bancário no Brasil - onde quatro instituições respondem por praticamente 75% do crédito - também é um obstáculo à queda mais expressiva dos juros.

Em quanto as taxas caíram?

Em outubro, o crédito pessoal estava 4,2 pontos percentuais mais barato do que no mesmo mês do ano passado, em 132% ao ano. Nesse período, o consignado recuou 3 pontos, para 26,6%, enquanto os juros médios para a aquisição de veículos diminuíram 3,3 pontos, para 22,5%.

Modalidade do chamado crédito direcionado, que é subsidiado, a taxa média do financiamento imobiliário diminuiu 2,1 pontos, para 8,6% ao ano.

A maior redução foi a do rotativo do cartão de crédito, a linha mais cara do mercado, que passou de 484% ao ano para 337,9%, queda patrocinada por uma mudança de regulamentação instituída em abril deste ano pelo Banco Central, que restringiu o pagamento mínimo das faturas e a consequente rolagem da dívida para o mês seguinte.

Já para as empresas, as modalidades que mais recuaram, conforme os dados da nota de Operações de Crédito do Sistema Financeiro publicada pelo BC, foram a antecipação de faturas de cartão de crédito e os descontos de duplicatas e recebíveis, que cederam 19,2 pontos e 14,5 pontos percentuais, nessa ordem, para 27% e 20,9% ao ano.

Dificuldade maior para empresas

Esses são produtos, aliás, que mais têm sido procurados pelas empresas neste ano, em que as concessões cresceram mais entre janeiro e outubro, destaca o economista do banco Votorantim Carlos Lopes.

"O perfil ainda é muito ligado à crise", ele pontua, ressaltando que as concessões de modalidades ligadas a investimento ainda estão mais de 50% abaixo da média observada entre 2011 e 2015.

Em sua avaliação, a melhora do cenário de crédito em 2017 é mais concentrada nos consumidores do que nas empresas, segmento em que a recuperação é ainda mais lenta e que ainda tem dificuldade de acesso aos empréstimos.

"O juro caiu um pouco, mas a burocracia aumentou", concorda o empresário Daniel Domingues Pires, dono de uma distribuidora de pescados em São Paulo.

Por trabalhar com um negócio bastante sazonal - ele vende camarões para cerca de 200 restaurantes na capital paulista e no ABC -, Pires precisa com frequência recorrer a instituições financeiras para "acertar o fluxo de caixa".

Diante da dificuldade, ele tem buscado alternativas ao sistema bancário tradicional. Há um mês o empresário usa o serviço de uma startup digital do setor financeiro que antecipa recebíveis (ou seja, faz empréstimos condicionados a um pagamento futuro de um cliente) em poucas horas, um serviço que lhe tomava mais de um dia de negociação com o gerente do banco.

Alexandre Góes, diretor de meios e pagamentos da empresa, chamada TrustHub, afirma que, em um mês de vida, já foram feitas cerca de 30 operações, com valor médio entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. "Existe uma demanda represada entre as pequenas e médias empresas", ele afirma.

No próximo ano, a fintech espera antecipar movimentar uma média de R$ 5 milhões por dia.

Como ter juros baixos?

O cenário da LCA para 2018 contempla uma queda maior dos juros bancários. De 27,4%, a taxa média total, que inclui pessoa física e jurídica, chegaria a 20% em dezembro do próximo ano. Tomando apenas o crédito livre à pessoa física, a expectativa é que o spread ceda quase 10 pontos percentuais, passando de 51 atualmente para 42.

Para Viriato, professor do Insper, uma melhora mais significativa dos juros viria apenas em 2019, após a definição das eleições. O risco, nesse sentido, é o futuro das reformas que estão tramitando no Congresso e que procuram diminuir no médio prazo o deficit nas contas públicas.

Com uma piora da situação fiscal, ele explica, o governo teria que emitir cada vez mais dívida para se financiar. "Isso poderia levar a um aumento do prêmio de risco e um eventual aumento das taxas", avalia.

A redução estrutural dos juros no Brasil, para Estêvão Bastos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), passa pelo equilíbrio das contas públicas, por reformas e mudanças de regulamentação como a que reduziu as taxas do rotativo do cartão de crédito.

Nesse sentido, acrescenta Madeira, da USP, há o Cadastro Positivo, que espera votação na Câmara e que pode representar mais um alívio às taxas cobradas dos consumidores no médio prazo, a nova lei de falência, que está sendo preparada pela equipe do Ministério da Fazenda, e a Agenda BC+, uma série de medidas propostas feitas pelo Banco Central para reduzir juros.