Opinião

Dívidas podem afetar sono, relacionamentos e seu futuro: como sair dessa?

Já falamos aqui nessa coluna sobre como a educação financeira e planejamento são fundamentais para atingirmos nossos objetivos de vida, realizar sonhos e usufruir dos frutos de nosso trabalho. No fim do dia, queremos deitar a cabeça no travesseiro sem preocupações, sabendo que as pessoas que amamos estão bem alimentadas, com saúde e em segurança.

No entanto, essa tem sido uma realidade distante para uma parte dos brasileiros, que estão endividados — o que desencadeia uma série de malefícios que vão muito além de uma conta bancária no vermelho. Dificuldades para dormir, problemas conjugais e comprometimento da saúde mental estão entre a lista de problemas ligados aos endividados. A falta de saúde financeira pode afetar sua saúde mental.

Mas o que é endividamento?

Endividamento se refere às famílias que têm seu orçamento parcial ou integralmente comprometido por contas como cartão de crédito, cheque especial, carnês de lojas, empréstimos em geral e crédito consignado, prestações de carro e financiamento imobiliário, dentre outros e que, apesar de estarem endividadas, conseguem quitar suas dívidas em dia.

As famílias que estão com contas em atraso são consideradas inadimplentes.

O maior problema do endividamento ocorre quando a tomada de crédito se dá de forma não planejada e gera grande comprometimento do orçamento familiar — a chance de a família se tornar inadimplente e a dívida se transformar numa bola de neve são grandes. O máximo que considero seguro de endividamento é 30% do orçamento, para não comprometer o conforto da família.

Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em março/24 cerca de 78% das famílias brasileiras estavam endividadas e 28,6% estavam inadimplentes.

Dentro do planejamento financeiro, o crédito, quando bem utilizado, é uma ferramenta poderosa que ajuda as famílias a aumentar seu patrimônio através do financiamento de bens de alto valor agregado, como casa e carro. Porém, a realidade mostra que em consequência do cenário econômico adverso dos anos 2016-2022, com baixo crescimento econômico, pandemia, altas taxas de juros, desemprego e inflação, aliado à falta de educação financeira e de planejamento, fizeram com que muitas famílias se endividassem.

A maioria optou pelas linhas de crédito mais caras como cartão de crédito e cheque especial, usados, majoritariamente, para comprar comida, o que levou ao comprometimento do orçamento doméstico além do limite máximo recomendável de 30%. Muitas famílias caíram no superendividamento (com mais de 50% do orçamento mensal tomado por dívidas, de maneira que há comprometimento do pagamento das despesas essenciais como alimentação, moradia e saúde) e na inadimplência.

Se no campo familiar as dívidas tiram a paz do devedor e aumentam sua vulnerabilidade socioeconômica, no campo macroeconômico o alto endividamento da população também é um fator que compromete o ritmo de retomada do crescimento econômico — os endividados têm sua capacidade de consumo diminuída em função das dívidas já existentes, o que 'trava' o ciclo econômico.

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Entre as famílias que recebem até três salários mínimos por mês, a proporção de endividados é de 79,3% e inadimplentes de 36,4%, acima da média nacional.

Pensando nisso, em julho do ano passado o governo federal lançou o programa Desenrola Brasil para renegociar dívidas da população e diminuir o endividamento geral no país. O programa foi prorrogado até o dia 20 de maio deste ano com foco nas pessoas com renda mensal igual ou inferior a dois salários mínimos e as inscritas no CadÚnico com dívidas até R$ 20 mil, sendo é possível negociar a quitação das dívidas com descontos de 83% em média na plataforma do programa.

Na mesma linha, o lançamento neste mês do programa Desenrola Pequenos Negócios tem o objetivo de refinanciar as dívidas vencidas de MEIs, micro e pequenas empresas, dado que cerca de metade dos MEIs abertos no país tem dívidas com o governo, segundo o Ministério da Fazenda.

Como sair das dívidas sem voltar a se endividar?

Educação é o caminho para manter a saúde financeira em dia. Saúde financeira está relacionada a maneira como lidamos com dinheiro e está em linha com o que a maioria das pessoas busca: pagar contas em dia, garantir segurança alimentar, saúde e educação de qualidade, ter reservas financeiras para fazer frente aos desafios da vida, desfrutar de lazer e dos benefícios do próprio trabalho e envelhecer com segurança.

Para acabar com as dívidas, não basta sair por aí fazendo acordos sem antes ter 'arrumado a casa' e sem ter uma estratégica definida. Para ser possível refinanciar e/ou repactuar dívidas sem que voltemos a correr o risco de novo endividamento, é imprescindível:

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  1. Reorganizar seu orçamento doméstico — faça um levantamento de todas as fontes de receitas e despesas da família, incluindo aquelas bem pequenas como o cafezinho na padaria todas as manhãs. Esse passo deve ser feito em família para que juntos planejem as prioridades coletivas e para que todos possam se comprometer com o esforço de quitar as dívidas.

  1. Verificar se há possibilidade de reduzir despesas e gerar receita extra, mesmo que temporariamente, para abrir espaço no orçamento e quitar as dívidas. A gente só parte para a renegociação após reorganizar o orçamento doméstico, ver o percentual desse orçamento que teremos disponível para quitar as dívidas e, então, ter segurança para fechar acordos que realmente vamos conseguir cumprir.

  1. Olhar com honestidade para a situação da dívida — abandone sentimentos de culpa e impotência e faça um levantamento minucioso sobre suas dívidas. Anote para quem deve, qual o valor original da dívida, qual a taxa de juros está vigente no contrato, quanto tempo já pagou, se está em atraso e há quanto tempo, o quanto falta pagar e o quanto cada uma delas consome de seu orçamento.

  1. Dívidas listadas, na impossibilidade de quitar tudo, priorize o que deve ser pago primeiro - dê prioridade para as contas essenciais como água, energia elétrica e moradia, porque o corte desses serviços compromete o bem-estar da família. Depois, pague aquelas com maior custo e aquelas que comprometem um percentual maior do orçamento.

  1. Na hora da renegociação das dívidas, aproveite os descontos oferecidos (por isso é importante saber o valor original da dívida e avaliar se os descontos são atrativos) e não ultrapasse o limite de seu orçamento definido para este fim.

Voltemos a dormir em paz com a esperança de que a saúde financeira pode ser recuperada um dia após o outro desde que tenhamos disciplina e estratégia para mudar nossa realidade.

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*Regiane Vieira Wochler é economista e mestra em economia política. Professora universitária e pesquisadora, é especialista em desigualdades socioeconômicas com interseccionalidades de raça, gênero e classe. Também é fundadora da Reconomizar - Economia do Recomeço, que atua com educação financeira e planejamento de vida.

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