Embraer e Boeing: como brasileira foi da quase falência a acordo bilionário com gigante americana
O anúncio nesta segunda-feira da aprovação dos termos de uma parceria entre a Embraer e a gigante americana Boeing marca uma nova etapa na longa trajetória da empresa brasileira.
Pelo acordo, que ainda depende de aprovação do governo brasileiro, será criada uma nova empresa de aviação comercial, com participação de 80% da Boeing e 20% da Embraer.
Em comunicado, as empresas informaram que a americana pagará US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 16,4 bilhões) pela compra, US$ 400 milhões a mais do que o divulgado inicialmente.
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Fundada em 1969 com apoio do governo brasileiro, a Embraer é a terceira maior exportadora do Brasil e modelo em inovação. Mas ao longo de quase cinco décadas, a empresa enfrentou altos e baixos e já esteve à beira da falência.
Origens
A Embraer tem suas origens no Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Em 1965, um grupo de técnicos formados pelo instituto, sob a liderança do engenheiro aeronáutico e então major da FAB (Força Aérea Brasileira) Ozires Silva, começou a trabalhar no projeto de um avião bimotor, turboélice e capaz de transportar cerca de 20 passageiros.
Em 1968, essa aeronave, batizada de Bandeirante, fez seu primeiro voo. No ano seguinte, a Embraer foi criada para a produção em série do Bandeirante, inicialmente desenvolvido pelo CTA. Ozires Silva assumiu como primeiro presidente da empresa.
Ao longo da década de 1970, a Embraer desenvolveu outros modelos de destaque, como o monomotor EMB-200 Ipanema, para pulverização agrícola, o EMB-326 Xavante, primeiro avião a jato produzido no país, fabricado sob licença da companhia italiana Aermacchi e usado no treinamento de pilotos militares, e o EMB-21 Xingu, primeiro turboélice pressurizado fabricado pela empresa para uso executivo.
Nos anos 1980, ganharam notoriedade modelos como o EMB 120 Brasília, com capacidade para 30 passageiros, o EMB 312 Tucano, para a área de defesa, e o AMX, caça subsônico produzido em parceria com a Aermacchi entre 1985 e 1999.
Crise e privatização
A partir do final da década de 1980, a Embraer foi atingida pela crise financeira que castigava a economia brasileira e quase chegou à falência.
Depois de um longo processo, a empresa foi privatizada em dezembro de 1994, no fim do governo do presidente Itamar Franco, por R$ 154,1 milhões (em valores da época).
O acordo de privatização garantiu ao governo a chamada "golden share", uma ação preferencial que dá direito a veto a decisões estratégicas, como a transferência de controle acionário.
A recuperação da Embraer após a restruturação foi impulsionada por projetos como o do jato comercial ERJ-145, para 50 passageiros, e outros modelos da mesma família, e o programa de E-jets de aviões comerciais, focado no segmento de jatos de 70 a 120 assentos.
Atualmente a Embraer está entre as maiores fabricantes de jatos de passageiros do mundo, é a terceira maior exportadora do Brasil e encabeça listas de empresas mais inovadoras do país.
A empresa tem sede em São José dos Campos e operações industriais no Brasil, nos EUA e em Portugal.
Namoro com a Boeing
O namoro com a Boeing ganhou força há um ano, logo após o anúncio de que a europeia Airbus, concorrente da americana, havia comprado a divisão de jatos regionais da canadense Bombardier, principal concorrente da Embraer no segmento de mercado em que operam.
Maior fabricante de aeronaves do mundo, a Boeing não tem uma linha de aeronaves de médio e pequeno porte, para voos regionais, e ficaria em desvantagem diante da Airbus. Com a parceria, a Boeing poderá acessar esse segmento, em que a Embraer é líder.
A parceria entre Airbus e Bombardier também poderia representar um risco à Embraer, em um mercado cada vez mais disputado e em meio a avanços em outros países, como a China, no segmento de aviões de médio porte.
"Está havendo mudança muito grande no perfil da indústria", disse à BBC News Brasil Glauco Arbix, professor da USP e co-coordenador do Observatório da Inovação do IEA (Instituto de Estudos Avançados).
Arbix acredita que, do ponto de vista tecnológico, o Brasil não está preparado para os enormes desafios que a Embraer tem pela frente. "Os desafios tecnológicos da Embraer são muito grandes. A indústria aeronáutica está mudando muito profundamente e rapidamente", observa.
Mas o professor afirma também que, com esse acordo, o Brasil fica desprovido de uma de suas empresas-chave. "A Embraer com certeza é a empresa mais avançada que o Brasil tem", ressalta. "Desse ponto de vista, eu acho que o Brasil perde com essa compra."
Nova empresa
A união da americana e da brasileira cria uma gigante global de aviação, com forte atuação tanto no segmento de longa distância quanto na aviação regional.
Segundo comunicado das empresas, essa joint venture será liderada por uma equipe de executivos sediada no Brasil. O controle operacional e de gestão ficará com a Boeing.
"A Embraer terá poder de decisão para alguns temas estratégicos, como a transferência das operações do Brasil", diz o texto. A brasileira poderá vender sua parte para a Boeing a qualquer momento.
"Estamos confiantes que esta parceria será de grande valor para o Brasil e para a indústria aeroespacial brasileira como um todo. Esta aliança fortalecerá ambas as empresas no mercado global e está alinhada à nossa estratégia de crescimento sustentável de longo prazo", disse o presidente e CEO da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva.
As empresas também comunicaram um acordo sobre os termos de outra parceria para promover e desenvolver novos mercados para o avião multimissão KC-390. Nessa joint venture, a Embraer fica com o controle, com 51% de participação, e a Boeing, com 49%.
Com a venda da divisão comercial, a Embraer vai manter o domínio apenas sobre as áreas de defesa, aviação executiva e serviços, além de projetos estratégicos já em curso.
Além de ser aprovado pelo governo brasileiro, o acordo precisa ser ratificado pelo Conselho de Administração da Embraer passar pela aprovação de acionistas e autoridades regulatórias.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, que toma posse em 1º de janeiro, já se manifestou favoravelmente à parceria. A expectativa é de que essa negociação seja concluída até o final de 2019.
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