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Ação de Bolsonaro alimenta tese de que Amazônia é 'bem comum', dizem brasilianistas

23.ago.2019 - Incêndio da floresta amazônica no município de Altamira (PA) - Victor Moriyama / Greenpeace
23.ago.2019 - Incêndio da floresta amazônica no município de Altamira (PA) Imagem: Victor Moriyama / Greenpeace

Luis Barrucho - @luisbarrucho - Da BBC News Brasil em Londres

Da BBC News Brasil em Londres

24/08/2019 16h09

A forma como o governo de Jair Bolsonaro vem lidando com o meio ambiente dá munição à tese de que a Amazônia não é do Brasil, mas "um bem comum" da comunidade internacional, dizem brasilianistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Segundo eles, essa percepção não é nova, mas acaba reforçada quando o presidente brasileiro decide colocar em xeque os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) ou culpa ONGs de estarem por trás do desmatamento, em vez de "assumir seus erros e confrontar o problema".

Os especialistas ressalvaram, contudo, que a soberania brasileira sobre a Amazônia deve ser respeitada. Criticaram, ainda, a postura dos países ricos, cujo desenvolvimento foi atrelado à poluição do meio ambiente.

O termo "bem comum" foi usado pelo presidente francês Emmanuel Macron neste sábado durante um pronunciamento para lançar o início da cúpula do G7 (o grupo das maiores economias do mundo), que acontece até segunda-feira em Biarritz, na França. As queimadas na Amazônia foram incluídas na pauta de discussões.

"A Amazônia é nosso bem comum. Estamos todos envolvidos, e a França está provavelmente mais do que outros que estarão nessa mesa (do G7), porque nós somos amazonenses. A Guiana Francesa está na Amazônia", afirmou Macron.

O jornal francês Le Monde, um dos mais importantes do mundo, também recorreu ao mesmo termo usado por Macron em editorial intitulado "Amazônia, bem comum universal".

Na sexta-feira, Bolsonaro prometeu "tolerância zero" com o crime ambiental e disponibilizou as Forças Armadas para combater os incêndios.

Segundo Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute da Universidade King's College, em Londres, no Reino Unido, "a maneira como o governo brasileiro vem lidando com as questões ambientais ligou os alertas em todo o mundo".

"As ações do governo acabam alimentando essa tese de que a comunidade internacional deveria cuidar da Amazônia. Quando o Bolsonaro demite o diretor-geral do Inpe ou culpa as ONGs pelas queimadas, mobiliza a opinião pública internacional", diz ele à BBC News Brasil.

"Mas isso não pode servir de desculpa para violar a soberania do Brasil sobre este território. A Amazônia é brasileira", acrescenta.

Pereira lembra que não há uma "grande diferença" entre a comunidade internacional e a opinião pública no Brasil.

"Talvez os estrangeiros ignorem o fato de que a imensa maioria dos brasileiros, incluindo os eleitores de Bolsonaro, seja contrária às queimadas na Amazônia", diz.

"Entendo a preocupação internacional sobre a necessidade de o Brasil enfrentar esses incêndios, pois a floresta é importante para a regulação do clima global, mas o governo brasileiro tem capacidade para enfrentar este problema sozinho", acrescenta.

Uma pesquisa Ibope divulgada nesta semana revelou que a ampla maioria da população brasileira, incluindo eleitores de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, defende um aumento do combate ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica. A enquete foi realizada em parceria com a plataforma de campanhas Avaaz.

Questionados sobre se "o presidente Jair Bolsonaro e o Governo Federal devem aumentar as medidas de fiscalização para impedir o desmatamento ilegal na Amazônia", 96% dos entrevistados responderam que concordam total ou parcialmente.

'Arrogância'

Christopher Sabatini, especialista em América Latina no think tank de relações internacionais Chatham House, em Londres, no Reino Unido, concorda.

"Bolsonaro caiu na armadilha que ele mesmo criou. As decisões de seu governo no tocante ao meio ambiente vêm recebendo muitas críticas. Além disso, a forma como ele reagiu a essas críticas é muito preocupante. Toda essa situação (no G7) poderia ter sido evitada se ele tivesse tido uma reação mais controlada".

Sabatini critica, por outro lado, o que chamou de "arrogância" dos países mais ricos ao discutir a Amazônia na cúpula do G7. Reforçou ainda que a soberania do Brasil sobre a Amazônia não deveria ser questionada.

"A China é uma das maiores poluidores do mundo, mas ninguém pensa em puni-la por causa de sua política energética. Tampouco ninguém está pensando em punir os Estados Unidos porque o país saiu do Acordo de Paris. Este é o outro lado da equação do clima. Mas é importante", ressalva.

"Os países que, em seu processo de desenvolvimento, contribuíram com as emissões de gás carbônico agora querem proteger a Amazônia. Eles poluíram nos últimos dois séculos. É uma visão colonialista", conclui.

Uma fonte do governo brasileiro ouvida pela BBC News Brasil afirmou que, embora Bolsonaro tenha demorado em responder à crise gerada pelas queimadas na Amazônia, Macron fez "uma bela jogada de marketing ao encontrar um tema de consenso, a proteção da floresta, em uma cúpula esvaziada por divergências".

Neste sábado, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, sugeriu que Macron esteja usando a preocupação sobre as queimadas na Amazônia como uma "desculpa" para interferir com o livre comércio. No dia anterior, o presidente francês havia dito que Bolsonaro mentiu sobre a Amazônia e ameaçou deixar o acordo de livre comércio recentemente assinado entre Mercosul e União Europeia.

Pereira, do King's College, lembra ainda que a tese de que a Amazônia "pertence ao mundo" não é nova.

"No livro a Diplomacia na Construção do Brasil 1750-2016, o ex-embaixador Rubens Ricupero escreve sobre o conflito entre Brasil, de um lado, e Estados Unidos, França e Reino Unido, do outro, sobre o acesso ao rio Amazonas nas décadas de 1850 e 1860. Não estou certo de que a expressão foi usada naquela época, mas essas três potências argumentavam que, sob o espírito do livre comércio e do liberalismo, suas embarcações deveriam ter o direito de navegar pelo rio. O governo brasileiro finalmente abriu o Rio à navegação internacional em 1866", conclui.


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