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Pressão política do G7 impõe 'risco real' de implosão do acordo entre Mercosul e UE

Presidente da França, Emmanuel Macron, ao lado do presidente brasileiro Jair Bolsonaro durante cúpula do G20 - Jacques Witt/Pool/AFP
Presidente da França, Emmanuel Macron, ao lado do presidente brasileiro Jair Bolsonaro durante cúpula do G20 Imagem: Jacques Witt/Pool/AFP

Ricardo Senra - @ricksenra - Da BBC Brasil em Londres

23/08/2019 14h28

"Nossa casa está pegando fogo. Literalmente. A floresta amazônica - os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta - está em chamas. É uma crise internacional. Membros da Cúpula do G7, vamos discutir essa emergência daqui a dois dias."

As palavras do presidente francês, Emmanuel Macron, no Twitter nesta quinta-feira caíram como uma bomba nos corredores do Palácio do Planalto e nas timelines dominadas pela hashtag #prayforamazonia (reze pela Amazônia), expressão que chegou ao topo das mais citadas no Twitter em todo o mundo durante a semana.

O G7 - grupo das 7 maiores economias do mundo, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido - se reúne neste sábado e o Brasil se tornou um dos principais temas na mesa de discussões.

Mas, afinal, os membros do bloco podem decidir punir o Brasil com sanções econômicas? Podem decidir por uma intervenção internacional na Amazônia?

O temor foi levantado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que em transmissão ao vivo pela internet nesta quinta-feira disse que "a nossa economia está escorada nas commodities. Se o mundo resolver nos retaliar, e sa economia nossa bagunçar, todos vocês repórteres vão sofrer as consequências".

Para especialistas internacionais ouvidos pela BBC News Brasil, ao contrário do que afirma o presidente brasileiro, o maior impacto da reunião do G7 não deve vir na forma de sanções econômicas, mas sim por meio de pressão política.

Os efeitos, no entanto, são práticos e podem comprometer acordos internacionais do Brasil - em especial, o de livre comércio recém-assinado entre o Mercosul e a União Europeia -, além de reforçar o declínio da imagem internacional brasileira e desencadear uma eventual onda de boicotes contra produtos "made in Brazil", como a carne e a soja.

Mercosul

Segundo Brian Winter, vice-presidente do think-tank americano Americas Society/Council of the Americas, "consensos sobre sanções costumam levar muito tempo para serem atigidos" e diferentes caminhos podem ser escolhidos para a aplicação deste tipo de punição - desde apelos às Nações Unidas até à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Para o analista, no entanto, o principal reflexo negativo imediato do encontro de líderes sobre o Brasil deve ser uma revisão no acordo assinado em 29 de junho entre União Europeia e o Mercosul, após 20 anos de negociações.

"Este é o risco real no curto prazo. Acho que o acordo entre União Europeia e Mercosul está em sério risco", avalia Winter.

Fora do espectro europeu, Winter lembra que o presidente americano, Donald Trump, deve apoiar Bolsonaro no encontro do G7 em meio às críticas que devem ser levantadas por Macron, pela chanceler alemã Angela Merkel e pelo premiê canadense Justin Tudeau.

O pessimismo sobre o acordo com o Mercosul é reforçado pelo analista britânico Asa Cusack, PhD em estudos sobre América Latina e editor-chefe do blog de América Latina e Caribe da LSE (London School of Economics), que lembra que o acordo foi "assinado, mas ainda não foi ratificado".

"O acordo foi uma das poucas coisas que Bolsonaro conseguiu reivindicar como conquista de seu governo, mesmo que ele tenha sido apenas concluído em sua gestão após um processo que obviamente começou há muito tempo", diz.

O britânico lembra que a assinatura do pacto entre Mercosul e União Europeia veio em meio a uma série de crises internas enfrentadas por Bolsonaro - das denúncias sobre a atuação irregular na Lava Jato pelo atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a um cenário de piora do desemprego graças aos índices econômicos frágeis que vêm sendo registrados pelo Brasil.

"Macron e Merkel são particularmente influentes na União Europeia e, nessa instância, parece ser politicamente possível aplicar sanções ao Brasil em meio a uma questão ambiental tão grande."

França, Irlanda, Finlândia e Alemanha

Na manhã desta sexta-feira, Macron subiu o tom e disse que Bolsonaro "mentiu" sobre os compromissos brasileiros com o meio ambiente.

"Dada a atitude do Brasil nas últimas semanas, o presidente da República (da França) só pode constatar que o presidente Bolsonaro mentiu para ele na cúpula (do G20) de Osaka", disse o governo francês em nota, acusando Bolsonaro de "não respeitar seus compromissos climáticos nem se comprometer com a biodiversidade".

"Nestas circunstâncias, a França se opõe ao acordo do Mercosul", prosseguiu a presidência francesa.

Em nota, o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, fez coro com os franceses.

"Não há qualquer chance de votarmos a favor se o Brasil não honrar seus compromissos ambientais", escreveu.

A Alemanha de Angela Merkel seguiu a mesma linha e também disse que apoia o presidente francês de "forma irrestrita" - e também defendeu que a Amazônia esteja na pauta do G7.

O Ministério da Economia da Finlândia, país que ocupa neste momento a presidência rotativa da União Europeia, foi além e pediu, também em nota, que o bloco estude a possibilidade de "proibir importações de carne bovina brasileira" por conta da destruição das florestas tropicais da Amazônia.

A União Europeia é o terceiro principal comprador de carne bovina do Brasil.

Boicotes

Asa Cusack, da LSE, reforça que a presença de Trump no G7 deve funcionar como uma espécie de barreira para eventuais punições imediatas.

"O G7 é uma instituição política relativamente solta, mas também muito poderosa por causa dos países participantes. Sanções por meio do G7 são bastante improváveis, mais ainda porque Bolsonaro é um aliado de Donald Trump."

O analista, no entanto, lembra que Trump impôs sanções unilaterais contra desafetos como Cuba e Venezuela, se sobrepondo a normas internacionais de regulação do comércio internacional.

"Trump mostrou que 'se há vontade, há meios'. E, no que se refere à União Europeia pelo menos, imagino que haja vontade (de impor punições ao ao Brasil)."

Ele lembra que entre os possíveis reflexos da reunião estão sérios custos à reputação brasileira, que já vem sendo questionada por veículos internacionais prestigiados como a revista The Economist e os jornais The New York Times e The Guardian.

"(Os custos vão) desde o turismo, possivelmente passando pelos investimentos internacionais, e também pela possibilidade de boicotes liderados por consumidores", diz.

Pelo Instagram, formadores de opinião como o ator americano Leonardo DiCaprio, que lidera uma fundação dedicada à sustentabilidade e ao controle das mudanças climáticas, também têm levantado a discussão sobre boicotes.

"Elimine ou reduza o consumo de carne de boi", escreveu o ator. "A pecuária é um dos principais motores do desmatamento na Amazônia."

Pelo Twitter, em meio ao crescimento de menções a boicotes, Cusack afirmou nesta quinta-feira que "boicotar o Brasil é uma reação natural, justificável e totalmente previsível à hashtag #PrayForTheAmazon".

"Se isso decolar, como espero, pode trazer problemas sérios para Bolsonaro e seus fãs míopes na elite do agronegócio."