'Comunicação falha do governo' abre caminho para ataques de concorrentes à agricultura brasileira, diz presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil
Canadá, França, Alemanha, Finlândia... Diversos países se manifestaram de maneira contundente sobre incêndios na Amazônia. Alguns chegaram a defender boicotes a produtos agrícolas brasileiros e a derrubada do acordo comercial firmado entre o Mercosul e a União Europeia (UE).
Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a "comunicação falha" do governo serviu de combustível para que países concorrentes do Brasil no setor agrícola utilizassem as queimadas para atacar as exportações brasileiras.
Inicialmente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, minimizou os incêndios dizendo que eram consequência do período de seca. Depois, o presidente Jair Bolsonaro sugeriu que organizações internacionais estariam por trás do aumento das queimadas, atuando em retaliação à redução de verbas repassadas pelo governo.
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Somente na noite de quinta-feira, 22 de agosto, três dias após a imprensa divulgar o aumento de 84% nos incêndios, Bolsonaro fez uma reunião de emergência para discutir a criação de uma força-tarefa e o envio de tropas do Exército para controlar o fogo no Centro-Oeste e Norte do país.
"A gente vê que a comunicação do governo brasileiro nesse caso não foi das melhores. Se tivesse tomado medidas anteriormente, não estaríamos na situação de hoje. A gente tem que admitir que a comunicação falhou", disse Castro em entrevista à BBC News Brasil.
Os incêndios e o desmatamento na Amazônia terão destaque nas reuniões deste fim de semana do G7, grupo que reúne as maiores economias do mundo, entre elas França, Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.
O presidente francês, Emmanuel Macron, classificou o desmatamento na Amazônia como uma "crise internacional" e afirmou que seu país pode não ratificar o acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
A Irlanda também disse que pode derrubar o acordo, e a Finlândia, que está na presidência rotativa do bloco europeu, sugeriu que a União Europeia deixe de comprar carne brasileira para pressionar o governo Bolsonaro a mudar sua política ambiental.
O presidente da AEB diz que, por trás da preocupação ambiental, há um mote comercial na tentativa de países europeus de boicotar produtos brasileiros.
Irlanda e França concorrem com o Brasil na exportação agrícola, principalmente na venda de carnes. Segundo Castro, esses países viram na deterioração da imagem do Brasil em relação ao meio ambiente uma oportunidade para defender seus interesses comerciais.
Ele ainda destacou que, embora o presidente americano, Donald Trump, seja aliado de Bolsonaro, os Estados Unidos têm todo interesse em fazer com que o Brasil perca o mercado europeu, já que são nossos competidores diretos na exportação de carne e soja.
"Se você coloca uma barreira a algum produto brasileiro, a alternativa é comprar dos Estados Unidos, que são nosso concorrentes diretos. Chego até a imaginar, mas não posso afirmar, que por trás de muita coisa que está acontecendo agora estejam os Estados Unidos", disse o presidente da AEB, associação que existe há 45 anos e que reúne alguns dos maiores exportadores de commodities e manufaturados brasileiros.
Veja os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Líderes europeus já falam em interromper importação de carne brasileira e não ratificar o acordo entre Mercosul e União Europeia. Há preocupação por parte do setor de exportação com isso?
José Augusto de Castro - Isso começou com uma simples queimada que sempre existiu no Brasil, que era um problema tipicamente ecológico e de meio ambiente e passou a ser um problema comercial. Os países que estão colocando dificuldades são aqueles que tipicamente sofrem concorrência de produtos brasileiros. A mídia internacional repercute as queimadas na Amazônia, e o assunto tomou uma proporção muito grande. A gente vê alguns países propondo boicote a produtos brasileiros, principalmente a carne. Essa é a realidade hoje. Acho que, da parte do governo brasileiro, a comunicação não foi das melhores. Realmente chegou a um ponto que ninguém imaginava e vai ter reflexos comerciais, mas acredito que, de imediato, eles não serão absurdamente elevados.
BBC News Brasil - A resposta do governo teria, na sua opinião, alimentado essa reação internacional, que inclui propostas de boicote a produtos brasileiros?
Castro - É, a falta de comunicação acaba prejudicando. A comunicação do Brasil infelizmente não é das melhores, deixa a desejar. Se você não tem uma comunicação de um bom nível, isso faz com que quem tem comunicação melhor ocupe espaço. Acho que o Brasil deixou a coisa chegar a esse ponto. A gente tem que admitir que a comunicação falhou. Se o governo brasileiro tivesse tomado medidas anteriormente, não estaríamos na situação de hoje. Agora, o Brasil que tente corrigir, seja ajudando a apagar as queimadas seja por outras medidas. Por falha de comunicação, está se dando uma proporção muito maior para as queimadas do que elas têm. As queimadas são reais. Não vamos achar que são imaginárias, são reais. Agora, a comunicação dos ecologistas é muito mais forte do que a daqueles que defendem o outro lado.
BBC News Brasil - Qual a sua opinião sobre a proposta do governo de ampliar agricultura e mineração na Amazônia? O Brasil precisa usar terras da Amazônia para ampliar a produtividade?
Castro - O Brasil tem uma produção rural muito forte e há muitas áreas agricultáveis fora da Amazônia que não são utilizadas hoje por falta de infraestrutura. Há cerca de 50 milhões de hectares de terras que poderiam ser utilizados para expandir a agricultura sem se aproximar da Amazônia. As terras da Amazônia não servem para determinadas culturas. A Amazônia é muito mais ligada à retirada de madeira do que à cultura de soja e outros produtos. Não vamos imaginar que vamos plantar soja na Amazônia. Seria completamente inapropriado. A terra, o solo da Amazônia não é propício.
BBC News Brasil - Seria mais estratégico investir em infraestrutura em áreas não localizadas na Amazônia?
Castro - Seria muito mais fácil, sem dúvida. Nos últimos anos, o Brasil deixou de investir em infraestrutura, então, temos uma infraestrutura deficiente, insuficiente e onerosa. Isso faz com que uma série de regiões, por exemplo, partes do Nordeste, como no Maranhão e Piauí, não sejam tão exploradas para agricultura, porque lá não tem infraestrutura e, sem isso, não se escoa a produção. Se tivéssemos investido em infraestrutura nos últimos anos, não se estaríamos falando em Amazônia.
BBC News Brasil - As queimadas no Brasil vão ser discutidas em reunião do G7 a pedido países europeus, como França e Alemanha. E a Irlanda disse que pode não ratificar o acordo Mercosul-UE. Que outros interesses podem estar por trás da pressão estrangeira sobre o comércio de produtos brasileiros?
Castro - A Irlanda, por conta de carne, sempre foi o principal adversário do Brasil na UE, e a França também, por causa da sua expressão no agronegócio. São dois países que sempre dificultaram o acordo entre Mercosul e UE. Claramente, todos reconhecem que o Brasil tem uma produtividade melhor que França e Irlanda. Então, há um fundo de meio ambiente, mas que tem por trás um aspecto comercial. O que a Irlanda e a França estão fazendo é defender a carne que produzem, ainda que ela tenha um custo muito maior que a carne do Brasil. Então, especialmente França e Irlanda, que não foram favoráveis ao acordo do Mercosul, procuram criar condições para que eventualmente possam revogar o acordo. Mas isso faz parte do jogo.
BBC News Brasil - Bolsonaro tem se aproximado fortemente do presidente Donald Trump desde que tomou posse. O que a gente pode esperar dos Estados Unidos na reunião do G7 esse fim de semana?
Castro - Os Estados Unidos são parte diretamente interessada em derrubar o acordo do Mercosul com a UE, porque eles concorrem diretamente com o Brasil na exportação de soja, de carne, de tudo mais. Assim como eles deixaram claro que são contra o acordo Mercosul-UE, eles são favoráveis a que todos possam fazer algo contra o comércio com o Brasil. Se você coloca uma barreira a algum produto brasileiro, a alternativa é comprar dos Estados Unidos. Então, os Estados Unidos têm interesse que esse cenário se multiplique. Chego até a imaginar, mas não posso afirmar, que por trás de muita coisa que está acontecendo agora estejam os Estados Unidos.
BBC News Brasil - O senhor acha que, enquanto na frente das câmeras Trump reforça a amizade com Bolsonaro, nos bastidores pode estar atuando contra os interesses do Brasil?
Castro - Exatamente. Com certeza. Na frente das câmeras, isso não vai ser exposto. Mas claro que os Estados Unidos são parte diretamente interessada nesse assunto.
BBC News Brasil - Qual a importância do acordo entre Mercosul e UE para as exportações brasileiras?
Castro - Nesse momento, ele é politicamente importante. Economicamente ele vai ser importante daqui a uns quatro ou cinco anos, quando o Brasil tiver feito as reformas estruturais, como previdenciária e tributária, e tiver investido em infraestrutura e reduzido a burocracia. Aí ele passa a ser economicamente importante. Nesse momento, o peso político é maior que o econômico. Então, tem fases distintas.
BBC News Brasil - O que pode ser feito para conter os países competidores do Brasil que desejam derrubar o acordo e boicotar produtos brasileiros?
Castro - Tem que haver um esforço diplomático. Estamos no centro do furacão. Politicamente, todos os presidentes do G7 tendem a criticar e falar sobre a Amazônia. O esforço do Brasil seria o de mostrar a realidade e, quando comprovado o problema, corrigir. A diplomacia ponderada diminuiria a intensidade do problema hoje. Temos que ter o pé no chão e falar de forma equilibrada. Nesse momento, não há equilíbrio, há desequilíbrio.
BBC News Brasil - A preocupação com meio ambiente tem que estar no radar do exportador brasileiro, diante do movimento global por um consumo mais sustentável?
Castro - Com certeza. O Brasil faz parte do mundo globalizado e tem que estar atento. O mundo moderno hoje tem muita preocupação com aspectos do meio ambiente.
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