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"Não quis constranger Paulo Guedes": a 1ª entrevista de Joaquim Levy após saída do BNDES

Nathalia Passarinho

Da BBC News Brasil em Londres

06/12/2019 13h03

Em 2015, ele aceitou a missão de assumir o Ministério da Fazenda para promover um forte ajuste fiscal em plena crise financeira do governo Dilma Rousseff. Em 2019, por cinco meses, foi presidente do BNDES no governo Jair Bolsonaro, dessa vez com o objetivo de "abrir a caixa preta" do banco e reduzir o seu escopo de atividades.

Agora, Joaquim Levy transita por corredores bem diferentes daqueles por onde circulava em Brasília. Faz três meses que ele está desenvolvendo pesquisas sobre tecnologias sustentáveis na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Em entrevista à BBC News Brasil, Levy falou pela primeira vez sobre sua passagem por dois governos com mentalidades e projetos completamente diferentes de Brasil. Com Dilma, Levy ficou 11 turbulentos meses no Ministério da Fazenda, quando implementou medidas de aumento de tributos, corte de desonerações e redução de subsídios para empresas.

Na época, "o homem do ajuste", como ficou conhecido, viveu atritos com membros do governo e do PT que eram contrários ao cortes de gastos. E não conseguiu aprovar grande parte de suas propostas num Congresso Nacional cada vez mais hostil ao governo Dilma.

No governo Bolsonaro, a passagem foi mais curta. Levy ficou cinco meses no comando do BNDES e deixou o cargo depois de o presidente da República declarar publicamente que ele estava "com a cabeça a prêmio" por manter entre os quadros do banco um diretor que tinha ocupado posição de destaque no governo Lula.

"Eu diria que o presidente tinha uma expectativa em relação à equipe do BNDES que eu não consegui satisfazer na sua plenitude e eu não quis criar uma situação constrangedora para o Paulo Guedes", disse Levy à BBC News Brasil.

Doutor pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, que é referência no pensamento ortodoxo e liberal na economia, Levy ainda fez parte do governo Lula entre 2003 e 2006, quando chefiou o Tesouro Nacional. Na ocasião, recebeu o apelido de "mãos de tesoura", por causa das amplas limitações a gastos e empréstimos que impôs naquele período.

Acostumado a transitar entre gregos e troianos, na entrevista à BBC News Brasil ele evitou fazer críticas aos "ex-chefes".

Sobre economia, defendeu que o Brasil deve perseguir uma meta de crescimento de 3% no ano que vem. E afirmou que os erros do governo na divulgação da balança comercial no acumulado de novembro não devem ser encarados "com drama".

O valor das exportações no acumulado de novembro, que era de US$ 9,681 bilhões, foi corrigido para US$ 13,498 bilhões ? um erro de cálculo de quase R$ 4 bilhões. Com a revisão, a balança comercial brasileira saiu de um déficit de US$ 1,1 bilhão no período para um superávit de US$2,717 bilhões.

Diante desse erro, o jornal britânico Financial Times publicou uma reportagem que levanta questionamentos sobre a credibilidade dos dados oficiais da economia brasileira. A desconfiança do mercado em estatísticas de governos levaram a fortes quedas de investimentos externos em países como Argentina e Venezuela.

"Não consigo ver nenhum drama nessa história. Revisões estatísticas acontecem toda hora. Lógico que o melhor teria sido não ter tido nada. Por outro lado, acho que o governo fez o certo (em corrigir os números)", minimizou Levy.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - O senhor está há três meses no Reino Unido, fazendo pesquisa na Universidade Oxford. O que te motivou a passar esse tempo no exterior?

Joaquim Levy - Estou num momento entre posições e obviamente Oxford é uma cidade muito interessante, uma universidade muito interessante. E surgiu uma oportunidade de fazer um curso numa escola de governo e estudar o tema de como o Brasil pode caminhar para se tornar uma economia sem emissões de carbono. Acho que o Brasil já andou bastante.

Nossa matriz de energia é bastante limpa, temos fontes de energia renováveis. Acredito que o Brasil tem como caminhar nessa direção com uma economia que cresça. Nosso desafio é dobrar o PIB nos próximos anos, mas de uma maneira sustentável, com investimentos resilientes com as mudanças que o mundo tem vivido.

BBC News Brasil - A gente tem um governo que chega a ser cético em relação à própria existência do aquecimento global. O senhor vê oportunidades para grandes investimentos em economia verde, sustentável?

Levy - O que acontece é que a economia verde, em muitas áreas, é mais produtiva que a convencional. Na parte de agricultura, há uma série de inovações que dão mais dinheiro que a prática comum. Quando a gente discute integrar pecuária com agricultura de maneira a reduzir, no conjunto, as emissões, a reação é positiva. Eles fazem a conta e percebem que, com um gasto adicional pequeno, você usa a terra melhor.

Da mesma maneira, muitas pessoas entendem que você tem um enorme espaço para recuperação de pastagens. A gente quer produzir mais soja, mas você não precisa desmatar para isso. Tem muitas pastagens que foram degradadas, que estão em más condições, onde você pode colocar um sistema de rotação entre soja, milho e gado que vão te dar um dinheiro, você vai vender um produto sustentável e tem muita gente interessada nisso.

Não precisa desmatar no Cerrado e na Amazônia. Na Amazônia, tem inúmeras áreas desmatadas que foram abandonadas e que a floresta está tomando de volta. Então, quando você faz uma análise puramente econômica, você vê que temos opções muito mais inteligentes que desmatar. Essas tecnologias podem gerar mais emprego e gerar emprego eu imagino que o presidente também quer.

BBC News Brasil - Já que estamos falando do tema ambiental, como o senhor ver a política do governo de querer expandir atividades econômicas na Amazônia? Esse deve ser o foco para aumentar a produtividade da agricultura brasileira?

Levy - Acho que tem um desafio de desenvolvimento na Amazônia. A pergunta de como você vai aumentar a produtividade na Amazônia e gerar emprego é legítima.

BBC News Brasil - Mas mineração em terra indígena, como defendido pelo presidente Bolsonaro, seria o caminho?

Levy - Você tem mineração em vários lugares que você pode fazer. Se eu quero aumentar a mineração, o que tinha que estar fazendo é encher dinheiro no departamento de pesquisas minerais para ter um mapa adequado de onde estão as reservas e aí desenvolver manejos em áreas que não necessariamente tem que ser indígenas. Tem muitas outras áreas.

Há outras possibilidades. No leste do Pará, que é uma área desmatada há muito tempo, você tem a possibilidade de fazer o dendê e você pode fazer o diesel disso. Pode fazer, por exemplo, bioquerosene. As empresas de aviação têm o compromisso de diminuir as emissões. Para isso, um caminho pode ser a bioquerosene com dendê. Você pode aumentar cinco vezes a produção, dar emprego para 100 mil famílias. Então, há caminhos para a Amazônia, mas com pesquisa e uma política bem definida de largo prazo.

BBC News Brasil - Falando da sua biografia, o senhor fez parte de dois governos com projetos completamente diferentes de Brasil. Um governo dito de esquerda, o governo Dilma, e outro de direita, governo Bolsonaro. O que te motivou aceitar compor esses dois governos e responder a líderes com propostas opostas?

Levy - Olha, em termos da questão econômica, a presidente Dilma na época entendeu a necessidade de mudar o que estava acontecendo. Infelizmente, no período de 2010 a 2015, o Brasil tomou decisões que eram insustentáveis. O BNDES tinha emprestado demais, o Tesouro estava fragilizado, nossa economia estava com preços reprimidos. A gente sabia que isso não podia continuar. Então, quando topei a proposta de ir lá foi com esse mandato:

'Vamos botar a casa em ordem de tal maneira que a economia provavelmente vai passar por um período difícil, porque toda vez que você tira demanda obviamente tem impacto, mas se a gente avançar com as reformas você supera isso'. O Brasil estava passando por um momento especial, porque o mundo está mudando e algumas atividades econômicas que funcionavam bem por causa do boom das commodities e o consumo da China vão acabando.

A gente sabia que ia ter um momento de transição, de descobrir novos caminhos. Então, a minha proposta era aquela. A gente conseguiu várias coisas e algumas, por razões políticas, não. Na época, o Congresso era muito diferente do que era hoje. A presidência da Câmara (Eduardo Cunha, na época) era o oposto do que é hoje em termos de transparência, direcionamento, seriedade e nível.

BBC News Brasil - No governo Dilma, o senhor era criticado por alas do PT por ser neoliberal demais. No governo Bolsonaro, era criticado por ter sido do governo Dilma e manter nomes que atuaram durante os mandatos de Lula em cargos-chave do BNDES. Como o senhor encara essa resistência que sofreu dos dois grupos?

Levy - A gente não deve exagerar as coisas. Divergências de opinião são importantes. Naquela época, inclusive, muita gente do PT fez um enorme esforço para entender, porque foi uma guinada... Uma guinada indispensável, mas para quem não estava muito próximo da economia, era difícil. E eu senti que muita gente fez esforço para entender.

A gente passou a minirreforma da Previdência, alterações tributárias, com o apoio do PT. A gente começou a ter dificuldade quando o presidente da Câmara (Cunha) fez um movimento muito forte contra a presidente da República, que acabou levando ao final do seu mandato.

Então, quando você está na vida pública, o importante é ser transparente, comunicar o que está fazendo e ter um alinhamento com o presidente da República. Se esse alinhamento deixa de existir, você tem que ter naturalidade e deixar as coisas serem como da preferência de quem foi eleito.

BBC News Brasil - No governo Dilma, o senhor sentia que a principal resistência a suas reformas vinha do Congresso ou de alas do próprio governo?

Levy - Em particular, a presidente fazia um grande esforço. Ela entendeu e apoiou a agenda, que era uma agenda muito difícil. Havia alguns grupos da oposição que achavam que quanto pior melhor, porque tinham um projeto de poder. O DEM foi absolutamente exemplar, estava apoiando a reforma porque achava que aquilo era necessário.

BBC News Brasil - Mas o próprio ex-presidente Lula fez declarações públicas contrárias ao seu projeto de ajuste fiscal. Isso pesou para o projeto não ter andado?

Levy - É difícil avaliar. Talvez tivesse sido melhor para o Lula ter apoiado, mas cada um tem que fazer sua própria avaliação. Não se conseguiu fazer algumas coisas, como a reforma tributária, que até hoje está parada. Mas houve avanços em vários aspectos.

BBC News Brasil - Quero saber sua versão sobre o que provocou a sua saída da presidência do BNDES depois de cinco meses de governo Bolsonaro. Na época, o presidente fez declarações públicas dizendo que a cabeça do senhor estava a prêmio porque o senhor não teria demitido o então diretor de Mercado de Capitais do BNDES, Marcos Barbosa Pinto, que teve cargo-chave no governo Lula. Mas alguns analistas disseram que, na verdade, o atrito era entre o senhor e o ministro da Economia, Paulo Guedes, pela demora do BNDES em devolver dinheiro que tinha sido repassado ao banco pelo Tesouro Nacional. O que, de fato, aconteceu?

Levy - Não teve nada com o Paulo Guedes. O Paulo Guedes está fazendo um trabalho extraordinário com uma enorme pressão sobre ele. O Paulo entende perfeitamente que, no setor público, algumas vezes você tem que ir com cuidado.

Não adianta chegar querendo fazer mil coisas sem organizar antes.

Um elemento fundamental para ter sucesso é preparar sua retaguarda, preparar sua estratégia. Aliás, por que eu trouxe a pessoa que eu trouxe para o BNDES (Marcos Barbosa Pinto)? Se você vai vender um caminhão de recursos, mais de R$ 100 bilhões, você tem que montar isso com muita segurança, muita transparência.

Então, a pessoa que eu convidei para o cargo era uma pessoa que havia sido diretor da CVM, uma pessoa que já tinha trabalhado no mercado de private equity numa das firmas mais reputadas do Brasil, durante quase uma década.

Era uma pessoa que, de fato, tinha estado no BNDES, então entendia como aquela máquina funciona, quais eram as preocupações, para não ter os problemas que a gente teve com o Ministério Público olhando algumas ações. Então, com o Paulo não tinha problema nenhum.

Então, esse entendimento com o Paulo é muito bom. Ele entende perfeitamente. É uma situação que se apresentou um pouquinho constrangedora para ele. Mas eu entendo a situação dele.

BBC News Brasil - Ministro, para deixar claro, o problema então foi de uma indisposição direta com o presidente da República por causa da equipe que o senhor montou no BNDES?

Levy - Eu diria que ele tinha uma expectativa em relação à equipe que eu não consegui satisfazer na sua plenitude. Não só em relação a esse técnico extremamente qualificado que eu trouxe. Mas, enfim. Eu acho que é perfeitamente natural em termos de expectativas.

E em ele sendo o presidente da República eu achei que eu não deveria criar um constrangimento para o Paulo. Eu acho que esse tipo de situação acontece em todas as administrações, em todos os países do mundo e o importante é a gente continuar a trabalhar para melhorar a economia do Brasil.

BBC News Brasil - E como era o acesso ao presidente da República? Alguns ex-ministros têm falado que há grande dificuldade de acesso ao presidente Bolsonaro, porque ele fica blindado por uma equipe de auxiliares jovens. O último a dizer isso, em entrevista ao UOL, foi o general Santa Rosa, que foi secretário de Assuntos Estratégicos do governo e pediu demissão. O senhor enfrentou essa dificuldade?

Levy - É um pouquinho pedante dizer isso, mas em geral, o presidente do BNDES não tem dificuldade de falar com o presidente. E várias vezes o presidente me recebeu com bastante cordialidade. E acho que não há esse problema de maneira nenhuma.

BBC News Brasil - É comum ouvir avaliações de que, no governo Bolsonaro, há uma ala ideológica ou olavista e uma ala pragmática e racional. O Ministério da Economia seria o maior exemplo da ala pragmática. Mas, recentemente, o ministro Paulo Guedes deu uma declaração polêmica de que as pessoas não devem se assustar caso haja pedido por um novo AI-5. Esse tipo de declaração, na sua opinião, tem algum efeito para o mercado, em termos de investimentos para o Brasil?

Levy - Olha, eu estava aqui, não tenho elementos para elaborar.

BBC News Brasil - Mas daqui o senhor ouviu alguma repercussão?

Levy - Eu só estou pensando em negócio de nitrogênio, amônia, descarbonificação, não tenho como elaborar sobre isso.

BBC News Brasil - Mas eu vou aproveitar sua experiência na área de economia para falar de economia. Na terça, foi anunciado crescimento do PIB de 0,6% no terceiro trimestre, quando o esperado era um crescimento de 0,4% em relação ao mesmo período do ano passado. O que esse resultado diz sobre o estado da economia?

Levy - Diz que a economia está voltando aos pouquinhos. Acredito que a queda de juros de maneira mais persistente vai ter efeito positivo para a economia. No ano que vem, com a queda de juros, provavelmente, a relação dívida/PIB vai parar de crescer e isso começa a mudar as dinâmicas.

A cabeça do investidor muda, a cabeça do poupador muda. Passa a não querer só comprar papel de governo e começa a aplicar em outros investimentos. Então, se isso for mantido de maneira persistente, com a disciplina nos gastos, relação dívida-pública se estabilizando, você vai ter mais gente querendo investir.

E por isso que é importante você responder com reformas como a do setor de saneamento, gás. Por que a pessoa, quando os juros estão baixos e não tem nada para investir, decide comprar apartamento. E aí o preço do imóvel sobe, mas a economia não cresce tanto assim. Por isso é tão importante abrir a economia para esse fluxo de capital que vai ser realocado com juros mais baixos. E o Paulo entende isso, está no sangue dele.

BBC News Brasil - Economistas começaram a prever crescimento de 2% no ano que vem. É um percentual possível?

Levy - Acho perfeitamente razoável. Isso é o mínimo para o Brasil. A gente precisava crescer 3%.

BBC News Brasil - Recentemente, o governo errou em quase US$ 4 bilhões o valor que o Brasil exportou neste ano, no acumulado de novembro. Ao anunciar a correção, o governo disse que o Brasil saiu de um déficit na balança de exportações para um superávit. Hoje uma matéria do jornal britânico Financial Times cita esse erro para colocar em xeque a credibilidade dos dados econômicos divulgados pelo governo brasileiro. O que o senhor acha desse questionamento?

Levy - Nessa questão específica, provavelmente o crescimento ia ser maior, porque o IBGE sinalizou que a demanda interna estava crescendo, mas as exportações tinham surpreendentemente caído. Então, o número ser um pouco maior não é tão espantoso. Provavelmente o pessoal percebeu que tinha algum erro e se perguntou: 'Não está acontecendo nada, por que o número da exportação foi tão baixo?'. Eles foram lá rever.

Não consigo ver nenhum drama nessa história. Revisões estatísticas acontecem toda hora. Lógico que o melhor teria sido não ter tido nada.

Por outro lado, acho que o governo fez o certo, disse: 'Olha, percebemos que havia um item grande, pode ser uma única operação, que por um dia não foi capturada, e exatamente porque os números eram estranhos, um pouco baixos, revisamos'. Não consigo ver nenhum drama nisso não.

BBC News Brasil - Mas gera alguma preocupação de que comecem a haver outros questionamentos como o do Financial Times sobre a credibilidade de dados oficiais? A gente vê a Argentina, por exemplo, perdendo investidores por isso...

Levy - Todo mundo pode se questionar de tudo. O PIB americano é revisado toda hora. Acho que o Brasil é um dos países mais transparentes em todos os aspectos ? no que o governo publica, na liberdade da sua imprensa, em televisionar a Suprema Corte. Então, a gente está bem no quesito transparência.

BBC News Brasil - O senhor, assim como Paulo Guedes, é formado pela Universidade de Chicago. Por muito tempo, o Chile e as reformas econômicas promovidas pelos Chicago boys, economistas formados pela Universidade de Chicago, foram tidas pelo Brasil como exemplo de sucesso. Até que ponto esses protestos violentos no Chile, que vão levar até a uma revisão da Constituição do país, colocam em xeque esse pensamento econômico?

Levy - Outro dia o ex-ministro da Fazenda do Chile foi nos visitar em Oxford e fez uma apresentação maravilhosa. Ele colocou que a sociedade do Chile é muito conservadora. Um dos problemas que tem causado frustração entre os jovens é que, como a sociedade foi ficando mais rica, as pessoas começaram a estudar mais. Infelizmente, como a sociedade é fechada e conservadora, os jovens não conseguem os empregos que gostariam e isso gera uma frustração.

As condições de vida do Chile melhoraram muito, mas qualquer situação em que as pessoas se sintam excluídas, no exemplo que ele deu, isso cria um ressentimento. Então, não há explicações fáceis. O Chile é um país competitivo e as expectativas da população, por causa da renda média, sobem.

Então, a questão importante é de acesso. Por isso, é fundamental dar acesso a grupos no Brasil que historicamente tiveram menos acesso. Abrir as portas para eles é fundamental.

BBC News Brasil - Agora, o senhor consegue identificar erros cometidos no Chile que o Brasil deveria ter o cuidado de não repetir?

Levy - É difícil identificar erros num país que está crescendo há 30 anos.

BBC News Brasil - Mas existe uma reclamação muito grande de falta de rede de apoio social, salários baixos, dificuldade de acesso à saúde...

Levy - Então, acho que nessa questão tem que ter equilíbrio. E cada país vai ter que se decidir. Tivemos vários governos da Michelle Bachelet que tivemos equilíbrio disso. E teve alternância de poder. Veio o Sebastian Piñera. Então a sociedade tem que encontrar seus caminhos. Eu não tenho uma resposta. O que o ex-ministro da Fazenda colocou é que os protestos são causados por um sentimento de exclusão.

BBC News Brasil - Em entrevista à BBC News Brasil, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou o que ele chamou de agenda ultraliberal de Paulo Guedes e disse que ela era um fio desencapado que poderia levar a revoltas, como as do Chile. Na sua opinião, esse risco existe?

Levy - Flexibilizar um pouco o mercado é uma aposta que tem que ser feita com cuidado. Tivemos uma reforma da legislação de trabalho e ainda estamos aprendendo para ver os efeitos. Mas, nos últimos 30 anos, vimos que a Justiça do Trabalho era muito pesada, criava incentivos inadequados para o empregador.

Aqui na Europa a gente sabe que em muitos casos a pessoa pensa: 'não vou contratar, prefiro contratar um robô, não quero ficar cuidando daquela pessoa por 10 anos'.

Mas acho que o foco tem que ser em como crio oportunidades de emprego. Lógico que você não pode ter um Estado maior que o país. Não pode ter uma situação como antigo regime do Luis 16, rei da França, em que o trabalhador e o burguês tinham que carregar uma aristocracia. Não tem a ver com esquerda. O governo de Luis 16 não era de esquerda. O trabalhador tem que reconhecer que não está carregando um cargo excessivo.

E existem setores no Brasil que acham que estão carregando um fardo, mas que estão sendo favorecidos. Por exemplo, a indústria tem dificuldade. A carga tributária da indústria é muito maior que a dos serviços e do agronegócio. Não surpreende que a indústria ande mais devagar. Ela foi sobrevivendo usando componentes importados e não avançou. O próprio peso do funcionalismo público tem que ser repensado.

BBC News Brasil - Mudando de assunto, o presidente Donald Trump acusou o Brasil de desvalorizar a sua moeda e anunciou aumento nas tarifas de aço e alumínio. A acusação dele tem algum fundamento?

Levy - Não sei se ele fala em manipular, ele diz que a moeda se desvalorizou...

BBC News Brasil - Ele diz que Brasil e Argentina estão presidindo grandes desvalorizações da moeda...

Levy - A moeda escorregou um pouco e isso causou uma preocupação ao presidente americano e ele tem que se entender lá com seus conselheiros. Tem que perguntar ao Ipiranga dele.

Não sei quem é o Ipiranga dele, porque aquele do Goldman Sachs foi embora. Sei lá quem é o Ipiranga dele e o que ele quer dizer (com presidir desvalorização da moeda).

BBC News Brasil - Mas da parte do Brasil, vê algum sentido na fala de Trump de que teria havido intervenção no câmbio?

Levy - A moeda escorregou. A única intervenção que houve foi o Banco Central vender dólares para diminuir a desvalorização. Então, eu acho que é uma questão para o Mr. Ipiranga.