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Novo pacote econômico na Argentina gera protestos na classe média, mas é aprovado por mercado

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC Brasil

21/12/2019 11h46

Dez dias depois de ser empossado, o governo do presidente argentino Alberto Fernández conseguiu, na madrugada deste sábado, a aprovação, no Congresso Nacional, do seu primeiro pacote econômico.

A iniciativa recebeu respaldo do setor financeiro, mas gerou críticas das classes média e alta do país e da oposição por gerar impostos, por exemplo, para a compra de divisas, para o setor agrário e pelo congelamento temporário das aposentadorias.

No mercado financeiro, o otimismo levou o índice Merval, da Bolsa de Buenos Aires, a subir a partir de quarta-feira, quando o projeto da lei chegou à Câmara dos Deputados.

O índice terminou a semana em alta de 1,44%, enquanto os bônus em pesos aumentaram cerca de 40% e os títulos em dólares ganharam mais de 16%, diante da expectativa de ajuste fiscal e de negociação da dívida do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com setores que investiram nos títulos argentinos.

Durante a semana, a chamada taxa de risco país, que mede a confiança internacional num país, recuou, sinalizando a simpatia do mercado em relação ao pacote de medidas, como afirmou o economista Orlando Ferreres, em entrevista à BBC News Brasil.

A expectativa de ajuste fiscal, num país que tem déficit em suas contas, gerou a onda de otimismo, que, no entanto, acabou a semana sendo absorvida com ressalvas pelo mercado financeiro.

"É um pacote que tem duas perspectivas. Ele caiu bem no exterior porque é uma lei que busca equilibrar a questão fiscal e afasta a preocupação de que o governo de Alberto Fernández seria um governo tipicamente kirchnerista (com aversão aos mercados e com gasto público alto). Mas afeta diretamente as classes médias, principalmente", disse Ferreres.

Na sua visão, o pacote, como comentou publicamente o próprio presidente Alberto Fernández, teria tido o respaldo inicial do Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem a Argentina tem uma dívida bilionária.

Pelos cálculos da consultoria econômica Quantum, de Buenos Aires, o pacote econômico do novo governo argentino poderia levar o país a sair do déficit de cerca de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), de 2019, para um superávit de 0,6% em 2020, o que justificaria o otimismo do mercado.

Mas a decisão do governo de adiar, por decreto, até 31 de agosto o pagamento de quase US$ 9 bilhões de um título específico - letras do Tesouro (letes) de curto prazo - levou a agência de riscos Fitch a colocar o país, na sexta-feira, no patamar de "default restringido" por "não cumprir seus compromissos soberanos".

Algumas destas letras, em dólares, que deveriam ser pagas em fevereiro, caíram mais de 30%, segundo analistas financeiros. E alguns outros títulos em dólares também recuaram na sexta-feira. Houve outras ressalvas do setor financeiro.

O economista Fausto Spotorno disse que o problema do ajuste fiscal é que ele vai "pesar principalmente" para o setor privado, e não para o setor público.

"É um ajuste fiscal que busca equilibrar as contas do governo, mas o governo poderia ter cortado mais de sua própria estrutura, que tem 21 ministérios e várias secretarias, em vez de castigar o setor produtivo com mais impostos. Além disso, o funcionamento do pacote vai depender do comportamento do dólar, que subiu nessa semana, porque também foi alvo de imposto", disse Spotorno.

"Impostaço"

A chamada 'Lei de Solidariedade Social e Reativação Produtiva' ou, simplesmente, 'Lei de Emergência' está baseada em quatro pontos centrais - o congelamento por seis meses da atual fórmula de aumento para a maioria dos aposentados, a suspensão, por seis meses, do ajuste das tarifas dos serviços públicos, o incremento de impostos às exportações do setor agrário e impostos para a compra de divisas, para o uso de cartões no exterior e para o consumo de serviços cotizados em dólares, como Netflix e Spotify, por exemplo.

O anúncio antecipado de que a lei taxaria em 30% a compra de divisas e os gastos em moedas estrangeiras no exterior provocou uma nova corrida ao dólar no mercado paralelo.

Foi uma semana tensa, com argentinos de classe média e alta correndo aos caixas eletrônicos e aos bancos para sacar pesos para comprar dólares no mercado informal.

O dólar costuma ser a moeda de referência para os argentinos, como uma forma de proteger o dinheiro das frequentes desvalorizações e da inflação. A moeda americana é usada também na compra de imóveis, por exemplo.

Na sexta-feira passada (13), o dólar era cotado a 66 pesos no mercado informal, e durante a semana, após o anúncio de impostos à compra de divisas, chegou a ser cotado a 79 pesos nas chamadas 'cuevas' (covas), às quais os argentinos que podem recorrem para adquirir divisas. Na sexta-feira (20), a moeda americana fechou em baixa no mercado paralelo, ficando na casa dos 73 pesos.

"Trata-se de um impostaço que afeta principalmente as classes médias. São impostos às exportações (de grãos), impostos ao patrimônio (chamados de 'bens pessoais'), impostos ao consumo de cartão de crédito no exterior e à compra de divisas.

O governo vai arrecadar mais, porém, no caso das aposentadorias, por exemplo pode estar abrindo um problema jurídico", disse à BBC News Brasil o economista Amilcar Collante, do Centro de Estudos Econômicos do Sul, vinculado a Universidade Nacional de La Plata (UNLP).

Até a noite de sexta-feira, antes da aprovação da lei, a dúvida, segundo economistas, era se o congelamento dos aumentos previstos para as aposentadorias poderia gerar recursos na Justiça. "As aposentadorias, a partir de 2017, eram ajustadas a partir do aumento da inflação e mais um compensação baseada no cálculo do aumento salarial.

O que o governo busca é desindexar essa fórmula. Pela legislação da era Macri, os próximos aumentos seriam em março e junho próximo", disse Collante. Para ele, o risco é se o dólar paralelo continuar subindo e alimentar ainda mais a inflação, como costuma ocorrer no país. "Precisamos ver qual será o comportamento do dólar nos próximos dias", disse.

A lei prevê ainda que será o presidente quem decidirá, por decreto, os aumentos e quando eles ocorrerão, no caso de grande parte das aposentadorias, à exceção dos que recebem os menores valores da tabela de benefícios, estimados em cerca de 19 mil pesos (cerca de R$ 1.200,00).

Os que recebem as menores aposentadorias vão receber um bônus de 10 mil pesos, distribuídos em duas parcelas em dezembro e em janeiro.

Ele também poderá decidir por decreto os aumentos de salários para o setor privado, tendo que ser respeitado um piso mínimo para estes aumentos, segundo disse o senador governista Carlos Caserio, da Frente de Todos. A medida foi chamada de "intervencionista" pelos opositores.

Os ministros da Economia, Martín Guzmán, e do Desenvolvimento Produtivo, Matías Kulfas, disseram que o objetivo do governo, com o pacote de emergência, é gerar recursos para atender às necessidades dos mais pobres e aliviar as dívidas tributárias das pequenas e médias empresas e assim estancar o desemprego, que está em torno dos 10%.

"A situação é muito grave. Temos que agir rápido para evitar o fechamento de mais empresas", disse Kulfas.

Já o ministro Guzmán argumentou que o país está em "virtual default" e necessita organizar suas contas, para negociar com o Fundo e com os que compraram títulos do país, e reativar a economia.

"O país está em uma situação de emergência. Precisamos organizar a economia para que ela volte a crescer. Precisamos da solidariedade de todos para (ter recursos para) atender aos mais pobres", disse Guzmán.

O governo tem sinalizado que pedirá tempo para voltar a crescer e poder voltar a pagar suas dívidas. Ao mesmo tempo, lançou, nesta semana, no âmbito interno e diante dos altos índices de pobreza, um cartão de débito para a compra de alimentos para os que estão em situação de pobreza. A medida entra em vigor em janeiro, anunciaram.

No entanto, a palavra "solidariedade" foi questionada pela oposição que apontou que as aposentadorias de ex-presidentes, ex-vice-presidentes, juízes e diplomatas não foram afetadas pelo pacote.

O fato gerou fortes críticas nas redes sociais. Logo depois, em suas redes sociais, Alberto Fernández disse que o caso será tratado em sessões especiais. "Este caso mostra que foi um pacote improvisado", criticaram parlamentares da oposição.


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