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Os setores que ainda estão contratando em meio à pandemia

Setor de supermercados tem reforçado quadro de funcionários para fazer frente ao aumento da demanda - Fernanda Cruz/Agência Brasil
Setor de supermercados tem reforçado quadro de funcionários para fazer frente ao aumento da demanda Imagem: Fernanda Cruz/Agência Brasil

Camilla Veras Mota

Da BBC News Brasil, em São Paulo

13/04/2020 07h24

A pandemia de covid-19 deve desencadear a maior crise no mercado de trabalho desde a Segunda Guerra Mundial.

Quase 38% da força de trabalho no planeta, o equivalente a 1,25 bilhão de pessoas, está empregada em setores duramente afetados pela paralisação das atividades em diversos setores, segundo a estimativa mais recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e correm o risco de ficar sem trabalho nos próximos meses.

São funcionários de setores como turismo e hotelaria, varejo e indústria.

No Brasil, a economia já começa a sentir os efeitos colaterais das medidas de isolamento social - consideradas necessárias, entretanto, para evitar que o sistema de saúde entre em colapso e não consiga atender todos aqueles que serão infectados pelo novo coronavírus.

Mesmo no meio da crise, contudo, alguns setores seguem contratando - e não apenas o de saúde.

A BBC News Brasil conversou com recrutadores de vagas de diferentes perfis para entender onde há oportunidades.

Além do setor de saúde

Com tanta gente cozinhando em casa, o setor de supermercados tem assistido a um aumento significativo da demanda.

Há alguns dias, a rede Carrefour anunciou a abertura de 5 mil novas vagas para reforçar todas as operações: são operadores de loja, auxiliares de perecíveis, agentes de prevenção, recepcionistas de caixa, padeiros, peixeiros, técnicos em manutenção, açougueiros, operadores de centro de distribuição e vendedores de eletrodomésticos.

A maioria das vagas se distribui entre cidades de 8 Estados, entre elas Manaus, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo.

Eduardo Migliano, cofundador da 99jobs, plataforma em que esse recrutamnento (totalmente online) está sendo realizado, conta que recebeu cerca de 150 mil currículos, uma concorrência de 30 candidatos por vaga.

Apesar de ter muita gente procurando emprego no momento, Augusto Schaffer, fundador do site RioVagas, aconselha os trabalhadores a continuarem buscando, já que o varejo de alimentos segue aquecido e, nos últimos dias, tem havido uma oferta consistente de novos postos.

No ar há mais de uma década, o site recebe cerca de 4 milhões de visitas por mês e anuncia principalmente vagas operacionais em pequenas e médias empresas no Estado. Recentemente, lançou uma plataforma batizada de Classirio para aqueles que estão buscando uma fonte alternativa de renda possam oferecer seus produtos e serviços.

Dentro da oferta de vagas tradicionais, Schaffer diz ter se surpreendido com o segmento de farmácias, que tem contratado tanto farmacêuticos quanto atendentes, e destaca ainda a área de logística — motoristas de caminhão e outras funções ligadas à movimentação de carga —, e as empresas de contabilidade e do setor financeiro, que podem atuar junto às empresas em um contexto de recessão.

A 'indústria da pandemia'

O aumento da demanda no setor de saúde, ele acrescenta, tem gerado ainda postos em áreas indiretamente ligadas à operação de clínicas e hospitais: manutenção predial, instalação de ar condicionado, vagas para cozinheiros e nutricionistas.

Há ainda parte da indústria que está produzindo mais durante a pandemia, como os fabricantes de materiais hospitalares e de produtos de higiene.

A Aeroflex, de Curitiba, que há 14 anos fabrica produtos em aerossol, resolveu em janeiro adaptar a linha de produção para lançar álcool em aerossol.

A decisão foi uma tentativa de driblar a falta de matéria-prima para produção de álcool gel, que a empresa importava de países como EUA, Índia e China.

Desde o lançamento do produto, há duas semanas, são fabricadas cerca de 150 mil unidades todos os dias. Márcio Miksza, diretor comercial da empresa, diz que a produção "dos próximos três ou quatro meses" já está vendida.

Como reflexo, a empresa aumentou em 30% o número de funcionários. Foram 60 contratações, elevando o total de empregados a 240.

As medidas de distanciamento social, por sua vez, alimentaram o mercado de delivery e acabam gerando uma demanda também na área de tecnologia, de programadores e designers de aplicativos, destaca Migliano.

Ele lembra, por outro lado, que muitos desses profissionais têm sido demitidos nas últimas semanas de startups de tecnologia. São empresas que normalmente dependem de captação de recursos de fundos para sobreviver, que não trabalham com muita folga de caixa e que, por isso, estão cortando onde podem para fazer frente à queda no faturamento.

Vendedores 'virtuais'

O empreendedor conta ainda que tem visto ainda uma busca por parte de empresas com pouca ou nenhuma presença na internet por vendedores que possam anunciar seus produtos nos chamados "market places", sites como Mercado Livre, que têm se mostrado uma alternativa àquelas que não estão conseguindo operar no "mundo físico".

Essa percepção aparece nos números levantados pelo site Infojobs para a BBC News Brasil.

As funções de consultor de vendas, vendedor e representante comercial estão entre as principais ofertas de vagas para home office - que, aliás, cresceram de forma geral 387% na comparação de março com janeiro.

São 2.517 posições para se trabalhar de casa, distribuídas, além do setor de vendas, nas áreas jurídica (conciliador extrajudicial), de telecomunicações (desenvolvedor java, programador), de marketing (analista, designer gráfico e divulgador) e de telemarketing.

Neste momento, a plataforma tem 287.695 vagas, sendo 74.421 novas.

A área com maior número é a de informática/TI, com 6.577 postos, seguida por saúde (5.114), logística (3.845), segurança (3.636), indústria (3.122) e transportes (1.453).

Os setores com maior crescimento proporcional de vagas na plataforma, na comparação entre março e janeiro, foram o de saúde (145%) e segurança (85%).

Entre os Estados, as maiores altas em termos percentuais foram observadas no Piauí (1.050%), Ceará (321%), Paraná (166%), Minas Gerais (136%), Goiás (110%) e Rio de Janeiro (102%).

Vagas operacionais x administrativas

Schaffer, da RioVagas, conta que, se de um lado ainda há uma oferta de vagas operacionais, ele tem observado um volume grande de demissões em áreas administrativas - em muitos casos, diante de uma queda forte de receitas, as empresas estão mantendo apenas o essencial para se manterem vivas.

De fato, a empresa de recrutamento Robert Half, concentrada no mercado de vagas com remuneração média entre R$ 5 mil e R$ 30 mil, observou uma queda no volume de processos seletivos.

Fernando Mantovani, diretor-geral da consultoria, destaca, contudo, que após um primeiro momento em que a maioria das empresas decidiu congelar as contratações - o que aconteceu por volta da semana do dia 20 de março —, algumas têm retomado os processos.

Nesta semana, o volume de vagas já se aproxima de 60% da média observada pela empresa antes do início da pandemia.

Os setores, segundo ele, são bastante pulverizados, vão de comércio eletrônico e agronegócio a indústria e serviços.

As contratações estão sendo feitas, em sua grande maioria, de forma totalmente remota.

"Tem gente que foi contratado, mandou os documentos digitalizados, recebeu o material pelo correio e já começou a trabalhar - sem nunca ter apertado a mão de ninguém na empresa."

A empresa tem um banco de cerca de 500 mil currículos no Brasil, e novas inscrições podem ser feitas no próprio site.

Em outras plataformas também há oportunidades para os jovens, grupo no qual a taxa de desemprego é estruturalmente mais elevada.

A startup Eureca, focada especificamente em vagas de estágio e trainee, tem processos abertos para a Klabin, empresa de papel e celulose, com 8 vagas para as áreas administrativa, financeira, produção industrial e manutenção em quatro Estados (São Paulo, Ceará, Paraná e Amazonas).

Já a Givaudan, de aromas e fragrâncias, tem outras 15 vagas abertas em São Paulo para universitários nas áreas administrativa, de vendas, jurídico, criação e avaliação de fragrâncias, produção, inovação e tecnologia.

Os processos também são todos feitos de maneira remota, conta Carolina Utimura, COO da plataforma.

Além dos sites geridos pela iniciativa privada, também há vagas anunciadas no Sistema Nacional de Emprego (Sine), que passou por reformulação recentemente e hoje funciona por meio de um aplicativo.

Em São Paulo, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico informou que, entre fevereiro e março, 20.247 vagas foram fornecidas no Estado através da plataforma, já que os Postos de Atendimento ao Trabalhador (PATs) não estão funcionando com atendimento presencial.

O choque no mercado de trabalho

Apesar de ainda haver setores contratando, a provável recessão decorrente da pandemia deve elevar o desemprego no Brasil, com impacto particularmente duro sobre os trabalhadores informais, que não estão assistidos pelo sistema de proteção social.

O último Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV), do fim de março, chama atenção para isso.

"Paralelamente, a crise afetará de forma desproporcional as micro, pequenas e médias empresas, que terão maior dificuldade de lidar com a dramática queda esperada de receitas. Essas são também as empresas que mais empregam, inclusive muitos trabalhadores sem carteira. Muitos trabalhadores terão uma brutal redução de sua renda mensal. E muitos serão demitidos", diz o relatório.

A equipe de economistas destaca ainda que, por isso, seriam necessárias medidas emergenciais para evitar que o desemprego subisse forte e rapidamente e que a crise tivesse um grande impacto sobre a população mais vulnerável.

O auxílio emergencial de R$ 600 que o governo pagará por três meses às famílias de baixa renda é uma iniciativa nesse sentido.

O mais recente boletim da OIT sobre o impacto da crise sobre o mercado de trabalho, de 7 de abril, também destaca a importância de medidas para proteger os informais, que correspondem a um percentual relevante da força de trabalho em países pobres e emergentes.

A organização propõe uma resposta em quatro pilares: estímulos à economia e ao emprego, apoio às empresas e à manutenção da renda, proteção dos trabalhadores nos locais de trabalho e a prática constante de diálogo com os diversos setores da sociedade para a busca e implementação de soluções.