PIB recua 0,1% no 3º tri e Brasil entra em 'recessão técnica'. E agora?
O PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro registrou variação negativa de 0,1% no terceiro trimestre, em relação ao trimestre anterior, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Após queda de 0,4% no segundo trimestre (dado revisado, ante recuo de 0,1% divulgado anteriormente), o consenso dos analistas é de que a economia brasileira está estagnada e que não há perspectiva de melhora no quarto trimestre do ano, quando é esperado novo resultado próximo de zero para o PIB na comparação trimestral.
A perda de renda da população, com a inflação acima dos 10% no acumulado de 12 meses, e uma retomada do emprego puxada pela informalidade têm inibido o consumo.
Empresas e famílias também têm adiado decisões de compra e investimentos, diante da alta de juros para conter a inflação e da incerteza gerada pelas eleições presidenciais de 2022.
Com dois trimestres seguidos de PIB negativo, a economia brasileira pode ser considerada em "recessão técnica".
Mas os economistas preferem falar em estagnação, já que as quedas até agora foram pequenas e, segundo eles, mostram mais uma economia "andando de lado" do que em franca decadência como na crise de 2015-2016 ou no ano de 2020, quando a atividade foi duramente afetada pela restrição de circulação necessária para conter a pandemia do coronavírus.
Mas o que esperar de 2022? Podemos em pleno ano de eleição voltar à recessão mais aguda, com alta do desemprego?
Os economistas divergem: há quem aposte em uma pequena alta do PIB no próximo ano, quem veja a continuidade da estagnação e quem aposte sim na recessão — que seria a terceira num período de oito anos, um mal desempenho sem precedentes.
Nesse último grupo estão grandes bancos como o Itaú e o Credit Suisse, ambos com projeção de queda de 0,5% para o PIB brasileiro em 2022.
Em 2021, o consenso do mercado aponta para uma alta de cerca de 4,8% do PIB. Mas grande parte desse desempenho se deve à base de comparação fraca de 2020, quando a economia encolheu em 3,9% (o dado foi revisado de uma queda de 4,1% divulgada antes).
Entenda o que esperar para o desempenho da atividade no próximo ano.
Por que isso importa? Porque é o desempenho do PIB e do mercado de trabalho, junto à trajetória da inflação, que vão definir o bem estar da população. E isso tem influência direta na escolha que será feita nas urnas em outubro do ano que vem.
O que diz quem aposta em recessão em 2022
O Itaú foi o primeiro grande banco a passar a prever recessão em 2022, ainda em setembro deste ano.
Em sua revisão de cenário mais recente, feita em meados de novembro, o maior banco privado do país reiterou a expectativa de uma queda de 0,5% para o PIB em 2022 e reduziu sua projeção para 2021, de um crescimento de 5% para 4,7%.
"O setor de bens — indústria e comércio — já estão em contração", observa Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, acrescentando que o que tem segurado a atividade é o setor de serviços, que ainda se recupera do período de maior distanciamento social.
"Esse quadro deve se manter no quarto trimestre. No ano que vem, com a alta de juros e queda do crédito, e sem esse impulso de reabertura sobre o setor de serviços, acreditamos que o PIB deverá ser levemente negativo", diz Barbosa.
O Itaú espera que a Selic — taxa básica de juros da economia brasileira, que serve de parâmetro para todas as demais — vá a 9,25% ao ano na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de dezembro e a 11,75% no início do próximo ano.
A alta de juros tem por objetivo trazer a inflação de volta à meta — que é de 3,5% para 2022 e 3,25% em 2023, ante uma taxa acumulada atualmente de 10,67% em 12 meses até outubro.
"Os juros mais altos vão impactar os setores sensíveis a crédito", diz Barbosa. Esses setores incluem os investimentos das empresas e o consumo de bens duráveis — como imóveis, automóveis e eletrodomésticos — para as famílias.
"Esperamos também alguma desaceleração da economia global", acrescenta o economista.
Aqui, as maiores preocupações são a China, cujo setor imobiliário enfrenta perda de dinamismo, após uma crise de endividamento que afetou grandes empresas do segmento; e os Estados Unidos, que devem começar a subir juros no próximo ano para conter a inflação por lá.
Como os dois países são os maiores parceiros comerciais do Brasil, um menor crescimento das duas economias tende a afetar nossas exportações de commodities e o PIB brasileiro.
"Além disso, o governo tem uma dívida pública elevada, o que diminui o espaço para ele fazer uma expansão fiscal relevante", diz o analista do Itaú, sobre as perspectivas de gasto da gestão federal. "Então tudo isso indica uma contração do PIB no ano que vem."
Para Barbosa, o Auxílio Brasil de R$ 400 não é suficiente para reverter esse quadro.
"O problema é que, para pagar esses R$ 400, o governo mudou o teto de gastos, gerando preocupação no mercado com relação à saúde das contas públicas. Então a taxa de juros vai ter que subir mais, elevando o custo da dívida pública", afirma Barbosa.
"Você coloca mais dinheiro na mão das pessoas de um lado, mas de outro, os juros mais altos têm impacto na economia. Então o efeito líquido dessa combinação, na nossa leitura, é negativo."
Com a projeção de queda no PIB do próximo ano, o Itaú espera que a taxa de desemprego deve voltar a subir, indo de 12,2% ao fim desse ano, para 13,3% em dezembro de 2022.
O que diz quem espera PIB estagnado
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, está no time que prevê que a economia deve ficar no zero a zero em 2022. Nem em recessão, nem com crescimento moderado, mas sim parada.
"No ano passado, a economia teve uma 'quebra' no segundo trimestre, devido à pandemia. Gradativamente, as coisas foram se normalizando. Primeiro em bens, com o auxílio emergencial, e a partir desse ano, em serviços, devido ao avanço da vacinação", lembra Vale.
"Mas, ao longo dos últimos trimestres, a aceleração da inflação diminuiu a renda disponível da população, atrapalhando também a recuperação de serviços. Além do efeito da precarização, com uma taxa de desemprego que cai, mas muito baseada no emprego informal", observa.
Nesta semana, o IBGE informou que a taxa de desemprego do país recuou para 12,6% no terceiro trimestre, ante 14,2% no segundo trimestre e 14,9% no terceiro trimestre de 2020.
No entanto, 54% das vagas criadas no terceiro trimestre foram informais, o que levou a taxa de informalidade da mão de obra (percentual de informais em relação ao total de trabalhadores) a 40,6%, nível próximo do recorde de 40,9% registrado em 2018.
"Nesse cenário, o investimento também vai paralisando. O investidor vai pensar duas vezes antes de investir, porque tem riscos econômicos muito fortes e uma incerteza política também muito presente, pois não sabemos qual será a saída da eleição ano que vem", diz Vale.
Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra, tem avaliação semelhante. Ele espera um PIB ligeiramente negativo para o quarto trimestre e uma alta de apenas 0,2% em 2022.
"É preciso levar em conta que o crescimento de 4,8% esperado para 2021 parece alto, mas boa parte dele é explicado pelo carregamento estatístico. A herança deixada pelo PIB do ano passado para o deste ano foi muito alta, de 3,8%, então boa parte do crescimento desse ano se deve à base fraca do ano passado", explica o analista.
"Em 2022, vai acontecer o contrário, a gente pode começar o ano 'devendo', com um número muito baixo ou até negativo da chamada herança estatística. Isso vai acabar impossibilitando um número muito forte de PIB no ano que vem", acrescenta o economista.
E o que diz quem acredita em PIB positivo em 2022
Ninguém está super otimista e acha que o Brasil vai ter um crescimento acima dos 2% em 2022, por todos os fatores já apontados.
Mas há quem veja exagero nas previsões de recessão ou estagnação para o próximo ano.
É o caso, por exemplo, do ministro Paulo Guedes. Em entrevista recente ao Financial Times, o titular da Economia disse que os bancos que esperam PIB zero ou negativo no próximo ano estão errados e tentam influenciar as eleições de 2022.
"É claro que [os bancos] estão errados. Ou estão errados ou são politicamente militantes. Eles estão tentando afetar a eleição... Eles ainda não aceitaram a eleição de Bolsonaro", disse Guedes ao jornal britânico.
Na visão do ministro, é mais provável que o Brasil tenha algum crescimento e inflação ainda alta em 2022, ao invés de inflação mais baixa e nenhum crescimento.
"Vamos voltar a surpreender o mundo", disse Guedes.
Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro da Economia Fundação Getulio Vargas), também avalia que uma queda do PIB em 2022 é improvável, por um conjunto de fatores.
O primeiro deles é o bom desempenho esperado para o setor agropecuário em 2022.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção agrícola brasileira deve chegar a 289,8 milhões de toneladas na safra 2021/2022, aumento de 14,7% em relação à safra anterior.
Mais conservador, o IBGE prevê um crescimento de 7,8% para a safra em 2022, que ainda assim, representaria um novo recorde para a produção agrícola.
Os altos preços das commodities em 2021 explicam o avanço da produção, com os agricultores expandido as áreas plantadas na tentativa de se beneficiar dos valores favoráveis.
"O PIB agro representa 5% ou 6% do PIB brasileiro, mas se considerarmos a indústria de insumos, de maquinário agrícola, o agronegócio como um todo responde por 25% do PIB. Então a perspectiva muito favorável para o setor agro ano que vem pode dar uma segurada no PIB", acredita Borges.
Ele destaca ainda a melhora do quadro climático, com a normalização das chuvas, recuperação dos reservatórios e baixas temperaturas no início da primavera, que contribuíram para um menor crescimento do consumo energético.
Tudo isso diminui o risco de uma crise hidro energética em 2022, o que era considerado pelos economistas uma das principais ameaças para o desempenho da economia no próximo ano.
Além disso, a combinação de safra recorde e melhora da situação energética pode ajudar a conter a alta da inflação no ano que vem, o que aliviaria a renda dos trabalhadores.
Por fim, o economista da LCA acredita que o Banco Central pode mudar de postura com relação à política monetária no ano que vem.
Segundo ele, levar a inflação dos cerca de 10% de 2021 para 3,5% em 2022 exigiria um choque de juros que resultaria necessariamente em recessão.
Mas o Banco Central não é imune ao fato de 2022 ser um ano eleitoral e, além disso, desde que teve sua autonomia aprovada pelo Congresso, a autoridade monetária passou a contar com um segundo objetivo: o de suavizar os ciclos econômicos e promover o pleno emprego.
Assim, Borges acredita que, no início do ano que vem, o BC vai passar a olhar para 2023 como horizonte relevante para que a meta de inflação seja atingida, interrompendo a alta de juros.
Gesner Oliveira, professor da FGV e sócio da consultoria GO Associados, também não acredita em recessão no próximo ano, mas por motivos diferentes.
"Há um quadro conjuntural mais adverso com a quebra do teto de gasto, mas existe um outro lado da equação que precisa ser avaliado, que é o impacto da transferência de renda [do Auxílio Brasil de R$ 400] sobre a demanda", observa Oliveira.
"Para essa parcela da população, o que você entregar de transferência de renda vai direto para o consumo. Eles têm uma altíssima propensão a consumir, pois estão num nível de renda muito baixo. Então isso tem um impacto sobre consumo que, aliado à recuperação do setor de serviços, não nos permite ver ainda uma queda do PIB no ano que vem", diz o economista, que participou da equipe econômica durante os governos de Itamar Franco e FHC.
"Devemos ter o mesmo crescimento de 2017, 2018 e 2019 [anos em que o PIB avançou em torno de 1%]. Um crescimento medíocre, mas crescimento", conclui, ponderando que os principais riscos para suas projeções são eventuais problemas na implementação do novo Auxílio Brasil ou algum repique na pandemia, como o que acontece agora na Europa, que leve a uma retomada das restrições à circulação em 2022. A evolução da variante ômicron é observada de perto pelos economistas.
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