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O jovem cego que fundou empresa milionária após ser impedido de estudar

Srikanth Bolla com o prêmio de Empreendedor do Ano - Srikanth Bolla
Srikanth Bolla com o prêmio de Empreendedor do Ano Imagem: Srikanth Bolla

18/02/2022 10h51Atualizada em 19/02/2022 09h34

Bollywood, a indústria cinematográfica da Índia, vai fazer um filme sobre a vida de Srikanth Bolla, o jovem fundador de uma empresa avaliada em US$ 65 milhões (quase R$ 340 milhões) que quase não se concretizou. Quando adolescente, Bolla foi informado de que seria ilegal estudar matemática e ciências no ensino médio porque ele era cego. Para tornar isso possível, ele teve que processar um dos Estados da Índia, conta a jornalista Arundhati Nath.

Todos os dias, ao longo de dois anos, Srikanth Bolla, de seis anos de idade, caminhava diversos quilômetros até sua escola na zona rural da Índia, com seu irmão e colegas de classe.

A rota era uma trilha lamacenta cheia de arbustos que ficava inundada durante as chuvas de monções.

Não eram tempos felizes.

"Ninguém conversava comigo porque eu era uma criança cega", diz ele.

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A estrada para a escola era cheia de lama na estação chuvosa
Imagem: Getty Images

Nascido em uma família de pobres e analfabetos, ele era evitado pela comunidade.

"Disseram aos meus pais que eu não podia nem vigiar minha própria casa porque não conseguiria ver caso entrasse um cachorro de rua."

"Muitas pessoas disseram a meus pais que eles deveriam me matar com um travesseiro", diz o hoje empresário de 31 anos.

Ignorando a todos, seus pais o apoiaram.

E quando ele completou 8 anos, seu pai anunciou boas notícias.

Srikanth havia conseguido uma vaga em um internato para crianças cegas e se mudaria para a cidade grande mais próxima, Hyderabad, a 400 km de distância, no Estado de Andhra Pradesh (hoje em dia, Hyderabad pertence a dois Estados: Andhra Pradesh e Telangana).

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Srikanth conseguiu vaga em um internato para crianças cegas a 400 km de distância da casa dos pais
Imagem: Srikanth Bolla

Embora estivesse muito longe de seus pais, Srikanth estava animado e se adaptou rapidamente. Ele aprendeu a nadar e a jogar xadrez e críquete com uma bola que emitia sons para que pudessem localizá-la.

"Eu só precisava da mão e da orelha", diz ele.

Srikanth gostava de seus hobbies, mas também começou a se perguntar sobre seu futuro ? ele sempre sonhara em ser engenheiro.

Ele sabia que seria preciso estudar ciências e matemática. Mas a sua escola negou-lhe uma vaga alegando que seria ilegal para ele cursar as disciplinas.

As escolas indianas são administradas por várias entidades e cada uma tem suas próprias regras.

Algumas são ligadas a governos estaduais ou a conselhos centrais, outras são administrados de forma privada.

A escola de Srikanth era administrada pelo Conselho Estadual de Educação de Andhra Pradesh e, como tal, não tinha permissão para ensinar ciências e matemática a alunos cegos mais velhos.

Isso era considerado um desafio muito grande devido aos elementos visuais envolvidos no estudo das disciplinas, como diagramas e gráficos.

Em vez disso, alunos cegos estudavam artes, línguas, literatura e ciências sociais.

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O Conselho Estadual de Educação de Andhra Pradesh não permitia que alunos cegos estudassem ciências
Imagem: Getty Images

Srikanth ficou frustrado com a lei arbitrária que não se aplicava a todas as escolas. Um de seus professores também ficou frustrado e encorajou seu aluno a agir.

A dupla foi ao Conselho de Educação Secundária em Andhra Pradesh para defender seu caso, mas foi informada que nada poderia ser feito.

Mas isso não os deteve.

Em 2007, eles encontraram um advogado e, com o apoio da equipe de gestão da escola, entraram com um processo no Tribunal Superior de Andhra Pradesh solicitando uma mudança na lei educacional para permitir que alunos cegos estudassem matemática e ciências.

À medida que o caso avançava, Srikanth começou a ouvir um boato.

Uma escola convencional em Hyderabad, ligada a uma entidade diferente, oferecia ciências e matemática a alunos cegos.

E eles teriam uma vaga para ele, caso ele estivesse interessado.

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Srikanth trabalhando no Samanvai Computer Training Center para alunos com deficiências múltiplas
Imagem: Srikanth Bolla

Srikanth ficou feliz e se inscreveu. Ele era o único aluno cego da turma, mas diz que foi recebido "de braços abertos".

"Minha professora foi muito bacana. Ela fez todo o possível para me ajudar. Ela aprendeu a desenhar diagramas táteis", diz ele.

Diagramas táteis podem, por exemplo, ser criados usando um filme fino em um tapete de borracha. Com uma caneta ou lápis, é criada uma linha em relevo.

Depois de seis meses, houve novidade nos tribunais: Srikanth havia vencido seu caso.

O tribunal decidiu que alunos cegos poderiam estudar ciências e matemática em seu último ano em todas as escolas estaduais de Andhra Pradesh.

"Eu me senti extremamente feliz", diz Srikanth.

"Eu tive a primeira oportunidade de mostrar ao mundo que eu poderia fazer isso [estudar as disciplinas], e a geração mais jovem não precisaria se preocupar em entrar com processos e lutar na Justiça", diz ele.

'Chuva torrencial'

Srikanth logo retornou a uma escola pública estadual e estudou matemática e ciências, obtendo uma média de 98% em seus exames.

Seu plano era se inscrever nas prestigiadas faculdades de engenharia indianas conhecidas como IITs (Indian Institutes of Technology).

A competição é acirrada e os alunos costumam se matricular em escolas de treinamentos intensos para enfrentar os exames de admissão. Mas nenhuma das escolas de treinamento aceitaria Srikanth.

"Me disseram nos principais institutos de treinamento que a carga do curso seria como derramar chuva torrencial em uma pequena muda", diz ele.

"Mas não me arrependo. Se o IIT não me queria, eu também não queria o IIT", diz Srikanth.

Em vez disso, ele se inscreveu em universidades nos Estados Unidos e recebeu cinco ofertas.

Ele escolheu o MIT (Massachusetts Institute of Technology), onde se tornou o primeiro estudante cego internacional.

Ele chegou em 2009 e descreveu seus primeiros dias lá como uma "experiência mista".

"O frio extremo foi a primeira surpresa, pois eu não estava acostumado a um clima tão frio. A comida tinha um cheiro e sabor diferentes. Tudo o que comi no primeiro mês foram batatas fritas e frango frito."

Mas Srikanth logo começou a se adaptar.

"O tempo no MIT foi o período mais bonito da minha vida", diz ele.

"Em termos de rigor acadêmico, foi difícil. Os serviços de deficiência da universidade fizeram um ótimo trabalho em me apoiar, me acomodar e me atualizar."

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Ele também visitou a Califórnia enquanto estudava nos EUA
Imagem: Srikanth Bolla

Enquanto estudava, ele também fundou uma organização sem fins lucrativos, o Centro Samanvai para Crianças com Múltiplas Deficiências, para educar jovens deficientes em Hyderabad.

Com o dinheiro que arrecadou, abriu também uma biblioteca em braile.

A vida estava indo bem.

Depois de estudar ciência da administração no MIT, ele recebeu várias ofertas de empregos, mas decidiu não ficar nos EUA.

Ele sentia que precisava voltar a seu país natal.

"Eu tive que lutar muito por tudo na vida, embora nem todos possam lutar como eu ou ter mentores como eu", diz ele.

Ele pensou: "Por que não abro minha própria empresa e emprego pessoas com deficiência?"

Srikanth retornou a Hyderabad em 2012 e fundou a Bollant Industries.

A empresa fabrica produtos ecologicamente corretos, como embalagens de papelão ondulado, a partir de folhas caídas das palmeiras de jardim e está avaliada em US$ 65 milhões.

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Um funcionário da Bollant
Imagem: Srikanth Bolla

Ele emprega o maior número possível de pessoas com deficiência e problemas de saúde mental.

Antes da pandemia, isso representava 36% de sua força de trabalho de 500 pessoas.

No ano passado, aos 30 anos, Srikanth entrou na lista de Jovens Líderes Globais 2021 do Fórum Econômico Mundial e espera que dentro de três anos as ações de sua empresa Bollant Industries sejam listadas simultaneamente em várias bolsas de valores internacionais.

Bollywood também quer contar sua história com um filme biográfico estrelado pelo conhecido ator Rajkummar Rao.

As filmagens começarão em julho. Bolla espera que as pessoas parem de subestimá-lo.

"No começo, as pessoas pensam: 'oh, ele é cego... tão triste', mas no momento em que começo a explicar quem sou e o que faço, tudo muda".