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Guerra na Ucrânia: sanções financeiras à Rússia podem levar mundo à recessão?

Banco Central da Rússia sentiu golpe após sanções impostas por outros países - Akishin Vyacheslav/Moscow-Live/Creative Commons
Banco Central da Rússia sentiu golpe após sanções impostas por outros países Imagem: Akishin Vyacheslav/Moscow-Live/Creative Commons

01/03/2022 09h56Atualizada em 01/03/2022 09h56

A nova rodada de sanções financeiras à Rússia pode levar o mundo de volta à recessão menos de dois anos após a contração da economia global resultante da pandemia de covid-19?

Analistas avaliam neste momento que não. Mas acreditam que as retaliações econômicas à invasão da Ucrânia por Vladimir Putin devem ter consequências negativas aos próprios países que estão impondo as sanções e à economia global como um todo.

Sob forte estresse, o sistema financeiro russo pode não ser capaz de honrar suas obrigações, alertou o banco J.P. Morgan em relatório. Isso teria consequência sobre instituições financeiras de outros países, credores de dívidas russas.

Além disso, a nova rodada de sanções mantém a pressão sobre o preço de commodities como petróleo, gás natural, trigo e milho, com impacto adicional sobre uma inflação global que já vinha muito pressionada pelos efeitos da pandemia.

Segundo Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, esse cenário pode levar os bancos centrais de todo o mundo a elevar juros de forma mais rápida, numa tentativa de conter uma escalada inflacionária.

Com mais juros, a economia global tende a crescer menos do que os 4% a 4,5% anteriormente esperados por organismos internacionais como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial.

No Brasil, as exportações podem ser afetadas caso esse cenário todo resulte em um crescimento menor na China, avalia Vale.

E, com as pressões inflacionárias adicionais, o Banco Central do Brasil pode ser levado a elevar a Selic (taxa básica de juros da economia brasileira) acima dos 12,25% esperados atualmente, ampliando as chances de recessão em 2022 para um PIB que já era esperado próximo de zero.

As sanções financeiras impostas à Rússia

União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e outros países anunciaram no fim de semana um conjunto sem precedentes de sanções financeiras à Rússia, em resposta à invasão do país à Ucrânia.

Entre as medidas estão a exclusão de bancos russos do sistema de transferências financeira internacionais Swift e o congelamento de boa parte das reservas do Banco Central da Rússia mantidas no exterior.

As sanções têm por objetivo levar a economia russa à recessão, pressionando a opinião pública contra a ação militar de Putin no país vizinho.

Como consequência da nova leva de retaliações econômicas, o rublo russo desabou nesta segunda-feira (28), chegando a perder 30% do valor em relação ao dólar. Para conter a queda, a autoridade monetária russa elevou a taxa básica de juros local de 9,5% para 20%.

Diante do temor de restrições aos saques, filas se formaram em bancos e caixas eletrônicos na Rússia. O Banco Central Russo, no entanto, pediu calma e disse ter "os recursos necessários e ferramentas para manter a estabilidade financeira".

"Este conjunto de sanções está atingindo os russos comuns de uma forma que as sanções anteriores não atingiram e as pessoas agora estão se conscientizando disso", diz Chris Weafer, chefe-executivo da consultoria Micro-Advisory, baseado em Moscou.

"As pessoas estão com muito mais medo. Já se fala que algumas empresas terão que reduzir o horário de trabalho ou até suspender a produção porque não conseguem acessar partes importantes do Ocidente devido a sanções ou limitações comerciais, então há uma grande preocupação nas ruas", relata o analista.

Possíveis impactos das sanções

Banir os bancos russos do sistema de transferências internacionais Swift pode ter efeitos colaterais para empresas e instituições financeiras que têm dinheiro a receber de contrapartes russas.

Em 2018, os Estados Unidos impuseram restrições ao uso do sistema Swift por bancos iranianos, mas tratava-se de uma economia muito menor do que a russa e, na ocasião, a medida enfrentou oposição de diversos governos europeus.

A Alemanha está em posição particularmente sensível no cenário atual, pois depende da Rússia para obter cerca de dois terços das suas necessidades de gás natural. Assim, o país impôs um sacrifício a si mesmo, ao suspender a certificação do gasoduto Nord Stream 2, construído para transportar gás da Rússia à Alemanha.

Autoridades nos Estados Unidos, Europa e Reino Unido esperam minimizar os efeitos das sanções sobre suas próprias economias permitindo a continuidade de transações financeiras internacionais russas ligadas ao setor de energia e alimentos. Mas como essa filtragem será feita, ainda não está claro.

Apesar de a exclusão do sistema Swift provavelmente ter forte impacto para a Rússia, há um sistema alternativo chamado SPFS (sigla para Sistema para Transferência de Mensagens Financeiras), criado pela Rússia após a crise da Crimeia em 2014.

A China também possui um sistema secundário chamado CIPS, ou Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço.

Efeitos sobre a inflação, economia mundial e Brasil

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o principal risco da "guerra econômica" contra a Rússia continua sendo o de uma maior pressão inflacionária que leve os bancos centrais de todo o mundo a uma alta de juros mais enérgica.

"São sanções em cima de um país que tem um peso econômico frágil, mas que tem um peso em commodities relevante", observa Vale.

Nesta segunda-feira, os contratos futuros de trigo na bolsa de Chicago chegaram a subir 3,7%, os de milho 3% e os de soja, 2,5%. Rússia e Ucrânia respondem por cerca de 29% das exportações globais de trigo, 19% da oferta de milho e 80% das vendas mundiais de óleo de girassol, que compete com o óleo de soja.

Já o petróleo do tipo Brent chegou a superar os US$ 105 por barril no início das negociações nesta segunda-feira, posteriormente amortizando a alta para US$ 101. O petróleo WTI, referência para o mercado americano, bateu em US$ 99 o barril, depois indo a US$ 95.

"Estamos colocando um choque inflacionário em cima de uma inflação já muito pressionada no Brasil, Estados Unidos e Europa. Isso coloca dificuldades importante para a condução da política monetária", avalia o analista.

Para Vale, a asfixia econômica de instituições financeiras russas via exclusão do sistema Swift pode resultar em calotes e quebra de bancos, mas o impacto disso para a economia mundial é limitado.

"A asfixia rápida e intensa pode matar vários dos bancos russos, porque foi usada uma 'arma nuclear' que é o sistema Swift. Mas não estamos falando de China, EUA ou Europa, não há impacto para gerar uma recessão mundial", afirma.

Segundo o analista, uma outra consequência pode ser uma busca mais ativa dos países europeus pela transição energética, visando uma menor dependência do petróleo e gás natural e das exportações russas.

Para Vale, a possibilidade de uma recessão global só se tornaria mais palpável caso o conflito se generalize, deixando a esfera restrita da Ucrânia, caso a Rússia se sinta empoderada a estender sua ação rumo a outros países.

Mas, diante da resposta dos países à invasão da Ucrânia e do poder de advertência das graves sanções financeiras impostas, o economista avalia que essa escalada é por ora improvável.

"A guerra da Ucrânia pode tirar pontos de crescimento [da economia mundial em 2022], por conta desse impacto de inflação e juros. É provável que a gente escorregue para um crescimento que fique abaixo dos 4% a 4,5% estimados pelo FMI e Banco Mundial, para algo mais próximo de 3% a 3,5%. Mas precisaremos ver ainda os impactos adicionais."