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Como Maduro busca reverter isolamento internacional e sanções à Venezuela

19/02/2023 14h54

Nicolás Maduro já conheceu tempos difíceis.

Há apenas quatro anos, quando assumiu um novo mandato em janeiro de 2019, após eleições que grande parte da comunidade internacional considerou fraudulentas, o governante venezuelano recebeu como resposta uma dura onda de rejeição internacional.

Seguindo o exemplo dos Estados Unidos, quase 60 governos em todo o mundo se opuseram a Maduro e decidiram reconhecer o então presidente da Assembleia Nacional venezuelana, o oposicionista Juan Guaidó, como o presidente "interino" da Venezuela.

Junto com a rejeição política, que em alguns países significou a expulsão dos embaixadores de Maduro, vieram as sanções petrolíferas impostas pelo governo de Donald Trump, a perda do controle de ativos venezuelanos nos Estados Unidos e em alguns países europeus, bem como uma denúncia de narcotráfico do DEA, que ofereceu recompensa de US$ 15 milhões para quem fornecesse informações que permitissem a captura do presidente venezuelano.

Enquanto ocorria essa crise diplomática, a Venezuela sofreu com uma hiperinflação, viu a sua capacidade de produção de petróleo despencar e causou a maior crise migratória que o continente americano conheceu em décadas.

Nos últimos tempos, no entanto, as coisas parecem ter começado a mudar.

Portas que se abrem

Quatro anos depois, algumas portas que haviam sido fechadas para Maduro começaram a ser abertas.

Paulatinamente, aumenta o número de governos que o reconhecem e que passam a convidá-lo para eventos internacionais.

Em setembro de 2021, o governante venezuelano participou da reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) no México, a convite do presidente Andrés Manuel López Obrador.

E ao longo de 2022, o governo dos Estados Unidos enviou delegações de alto nível a Caracas que negociaram a libertação de executivos americanos da empresa Citgo que estavam presos na Venezuela por acusações de corrupção.

Em contrapartida, o presidente Joe Biden libertou os venezuelanos Franqui Flores e seu primo Efraín Castro Flores - sobrinhos da primeira-dama venezuelana, Cilia Flores -, que cumpriam pena de 18 anos de prisão nos Estados Unidos por narcotráfico.

Em troca do governo Maduro sentar-se novamente para negociar no México com a oposição venezuelana, Biden também relaxou as sanções ao petróleo em novembro de 2022 para permitir que a empresa americana Chevron expandisse suas operações na Venezuela.

Além disso, naquele mês, Gustavo Petro se tornou o primeiro presidente da Colômbia a visitar Maduro desde 2016.

Poucas semanas depois, Maduro participou da Cúpula do Clima no Egito, onde teve um encontro em um corredor com o presidente francês, Emmanuel Macron, que apertou sua mão, o chamou de presidente e levantou a possibilidade de iniciar um trabalho bilateral em benefício da Venezuela.

Ainda nessa mesma conferência, Maduro também apertou a mão do enviado especial de Biden para o clima, John Kerry, embora logo Washington tenha esclarecido que se tratou de um encontro casual.

No fim de dezembro passado, o governo da Espanha - um dos que haviam reconhecido Guaidó - nomeou um novo embaixador em Caracas, cargo que estava vago desde 2020 devido às tensões com Maduro.

E o ano de 2023 começou com um convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que Maduro acompanhasse a posse do petista em Brasília, no início de janeiro. Para isso, o governo de Lula negociou com a equipe de transição do ex-presidente Jair Bolsonaro para derrubar as restrições que haviam sido impostas pelo governo anterior sobre a entrada de Maduro no país.

O venezuelano não compareceu a Brasília, muito menos apareceu semanas mais tarde na cúpula da Celac na Argentina, para a qual também foi chamado. Porém, esses convites revelam algumas mudanças no tratamento dado a Maduro.

Mas, afinal, o que tornou possível essa nova inserção ainda tímida de Maduro no cenário internacional?

De Guaidó à Ucrânia

Geoff Ramsey, diretor do programa da Venezuela no Washington Office for Latin America (WOLA), uma ONG americana focada em cuidados relacionados à América Latina), acredita que essa mudança é uma mostra de pragmatismo.

A comunidade internacional, diz, está assumindo que a estratégia de "pressão máxima" aplicada por Trump sobre Maduro - por meio do reconhecimento de Guaidó e de ameaças e sanções - não foi capaz de gerar uma transição na Venezuela.

"Estamos entrando em uma nova fase, na qual mais países da região reconhecem a realidade de que, embora Maduro não tenha um mandato democrático, ele é o poder de fato no país, por isso é necessário estabelecer ao menos níveis mínimos de comunicação com as autoridades de seu governo", diz Ramsey.

Essas posturas pragmáticas foram reforçadas pelas transformações no ambiente regional e internacional.

A internacionalista venezuelana Elsa Cardoso destaca que a América Latina enfrentou uma recente mudança na tendência política com as eleições de governos de esquerda em Honduras, Chile, Colômbia, Brasil, México, Argentina e Bolívia.

"Isso define um quadro em que, particularmente na América Latina, há uma tendência crescente de deixar de lado questões de direitos humanos, questões sobre as características do regime político e um retorno à velha agenda mais do princípio da não intervenção nos assuntos de outros países", comenta.

Isso pode favorecer Maduro ao reduzir o peso dado às denúncias de práticas antidemocráticas e violações de direitos humanos atribuídas a ele - que Caracas nega - e que foram fundamentadas, entre outros, pelo Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU.

Benedicte Bull, professora de Ciência Política do Centro de Desenvolvimento Ambiental da Universidade de Oslo e diretora da Rede Norueguesa de Pesquisa sobre a América Latina, ressalta que Biden mantém contra Venezuela uma linha política diferente da de Trump, mas não vai dar uma guinada muito radical a esse respeito.

"Devido à situação geopolítica do mundo, com a guerra na Ucrânia, os Estados Unidos já têm batalhas suficientes para assumir. Portanto, não faz muito sentido seguir uma linha tão dura em relação à Venezuela", disse Bull à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

A especialista em relações internacionais Elsa Cardozo explica que o conflito ucraniano modificou as prioridades os Estados Unidos e da Europa e resultou em uma reavaliação estratégica do petróleo.

Isso favorece Maduro, apesar de a Venezuela não ser mais um grande produtor e não ter condições - nem mesmo com o levantamento das sanções - de preencher no curto prazo o vácuo criado no mercado de energia pelas sanções contra Moscou.

William Neuman, ex-correspondente do The New York Times no país e autor de um livro recente sobre a Venezuela intitulado Things Are Never So Bad That They Can't Get Worse ("As coisas nunca estão tão ruins que não possam piorar") destaca especialmente a importância das mudanças ocorridas na Colômbia e no Brasil.

"Esses países foram dois dos aliados mais importantes dos EUA que apoiavam a política de Trump de reconhecer Juan Guaidó e isolar Maduro. Faz sentido que eles mudem de posição agora que os presidentes aliados de Trump se foram. Isso, além da orientação à esquerda de Petro e Lula."

"Também faz sentido que, sendo vizinhos da Venezuela, tenham relações diplomáticas com o governo venezuelano, que é de Maduro", ressalta.

O que Maduro busca?

A BBC News Mundo enviou solicitações tanto ao Ministério das Relações Exteriores da Venezuela quanto ao Ministério de Comunicação e Informação do país para consultar o governo Maduro sobre o assunto, mas até o momento da publicação desta reportagem, nenhuma resposta havia sido recebida.

No entanto, o governante venezuelano já deixou claro em diversas ocasiões seu interesse em normalizar as relações com os Estados Unidos e tem defendido que Washington assuma políticas mais pragmáticas.

"A Venezuela está preparada, totalmente preparada, para dar lugar a um processo de normalização das relações diplomáticas, consulares, políticas, com este governo dos Estados Unidos e com os governos que possam vir", disse no início de janeiro em entrevista transmitida pela rede Telesur.

Embora Maduro tenha conseguido sobreviver à política de "pressão máxima" e a economia venezuela tenha conseguido sair recentemente da hiperinflação e iniciou um crescimento tímido, Geoff Ramsey adverte que o presidente venezuelano está em uma posição mais fraca do que pode parecer.

"Maduro continua sendo visto como um presidente autocrático, sem mandato democrático e continua muito estigmatizado na região e no mundo, então não é tão fácil para ele", diz.

"É muito fácil superestimar a força do seu governo neste momento, mas Maduro ainda está em uma situação precária, com uma economia em crise e precisa de legitimidade internacional e de encontrar saídas para as sanções", acrescenta.

Ele ressalta que o presidente chavista depende do apoio que recebe de militares e facções políticas de seu próprio partido, portanto, poder se reintegrar à comunidade internacional o ajudaria a demonstrar para suas próprias elites militares e políticas que está resolvendo a crise na Venezuela.

Benedicte Bull concorda que as melhoras registradas pela economia venezuelana são temporárias e que as bases dessa recuperação são muito frágeis.

"Agora dá para perceber que os números do crescimento estão voltando a cair e a inflação não está sob controle, embora tenha caído bastante", diz a especialista.

"O que temos visto é o resultado de uma liberalização muito aleatória para lidar com a crise, mas os fundamentos não melhoraram. Então, Maduro precisa desesperadamente de investimentos porque todos os serviços públicos ainda estão em péssimas condições e ele precisa de investimentos no setor de petróleo, obviamente", complementa.

Legitimar-se e ganhar aceitação internacional permitiria a Maduro ter maior autonomia.

"Isso significaria poder se movimentar internacionalmente sem medo [de ser preso e processado] e poder recuperar a capacidade de gestão econômica. Por isso ele insiste tanto na questão das sanções", diz Elsa Cardozo, que considera que o governante venezuelano busca um novo equilíbrio em que diminua a pressão penal e econômica sobre o seu governo.

Mas quais são os limites desse processo?

Fronteiras e linhas vermelhas

William Neuman adverte que o fato de haver países que restabelecem relações diplomáticas com a Venezuela ou que reconheçam Maduro como presidente não significa que o apoiem.

"Uma coisa é conversar, ter relações, manter um comércio e outra coisa é apoiar. Ter relações diplomáticas não significa apoiar um governo. Relações são entre os países. Então, Maduro e sua política antidemocrática são os maiores obstáculos [para sua reinserção internacional]. Ele continua sendo um chefe de Estado autoritário que viola diariamente as normas democráticas de seu país", declara.

Geoff Ramsey acredita que, enquanto ocorrerem violações massivas dos direitos humanos na Venezuela, será muito difícil para os países da região normalizar totalmente as relações com o governo de Maduro.

Ele ressalta, porém, que às vezes a diplomacia privada pode ser muito eficaz para promover mudanças de comportamento.

"Acredito que essa seja a aposta de vários governos da região, incluindo a administração de Petro. Vemos sinais de interesse de vários países latino-americanos em desempenhar um papel ativo na busca de uma solução pacífica e democrática para a crise venezuelana", aponta.

Em todo caso, a reintegração completa da Venezuela na comunidade internacional está vinculada ao levantamento das sanções por parte dos Estados Unidos, o que - ao mesmo tempo - depende de um acordo entre o governo de Maduro e a oposição venezuelana para a realização de eleições livres e competitivas em 2024.

"Se o mundo não vir sinais claros de que realmente há uma chance de uma eleição competitiva em 2024, não acho que Maduro conseguirá normalizar totalmente as relações", diz Ramsey.

"Este governo continua sendo um pária na América Latina, na Europa e para muitos outros governos no mundo e não há maior interesse em restabelecer relações diplomáticas com a Venezuela se não houver avanços concretos no processo de negociação no México", acrescenta.

Mas as eleições livres exigem o cumprimento de uma série de condições importantes, entre as quais a liberação dos chamados presos políticos, a plena autorização dos dirigentes da oposição legalmente impedidos de concorrer ou que vivam no exílio, a garantia de um corpo eleitoral imparcial e o acesso da oposição à mídia e observação internacional, entre outras medidas.

Ao mesmo tempo, além do levantamento das sanções, para Maduro há outras questões a serem resolvidas, como o controle de ativos venezuelanos no exterior e as acusações feitas contra ele por narcotráfico e por crimes contra a humanidade perante o Tribunal Penal Internacional.

"Difícil" e "complexo" são as palavras que Benedicte Bull usa quando questionada sobre a possibilidade de chegar a acordos sobre todos esses pontos.

"Quem a situação na Venezuela nos últimos 20 anos acha difícil acreditar que o governo vai permitir eleições livres, nas quais corre o risco de perder", diz Bull.

"Mas, ao mesmo tempo, vimos alguns elementos que pelo menos dão um pouco de esperança e acho que agora há fortes incentivos para isso", acrescenta.

Ramsey indica que, embora nos últimos oito anos tenham ocorrido cinco processos de diálogo fracassados ??na Venezuela, as coisas podem ser diferentes agora, já que Maduro enfrenta incentivos diferentes.

"Maduro tem um grande problema de fluxo de caixa e sabe que não pode melhorar a economia venezuelana sem aliviar as sanções, então precisa voltar à mesa de negociações com a oposição."

"Além disso, ele não governa sozinho, pois depende de algumas elites políticas e militares, muitas das quais estão interessadas em uma mudança no país e fazem pressão silenciosa dentro do chavismo para promover também esse processo de diálogo", aponta.

William Neuman, por sua vez, é cético. "Não acho que veremos eleições totalmente livres na Venezuela em 2024", diz ele.

Mas se não houver acordo sobre a possibilidade de que isso ocorra, também não haverá suspensão das sanções, de modo que a posição de Maduro pode voltar a ser tão comprometida internacionalmente quanto há quatro anos.