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'Cartão da pátria' na Venezuela garante gasolina quase de graça

Venezuelana mostra seu "Carnet de la patria" - AFP
Venezuelana mostra seu "Carnet de la patria" Imagem: AFP

Fabiola Zerpa e Patricia Laya

29/08/2018 15h33

(Bloomberg) -- Carlos Ribas adiou o máximo que pôde. Ele não estava interessado nas bolsas do governo, nas bonificações em dinheiro para férias, nos alimentos baratíssimos, nos descontos para assistência médica, em nada disso.

Mas o presidente Nicolás Maduro anunciou que em breve os subsídios extraordinários da Venezuela para a gasolina e o óleo de motor só estarão disponíveis para quem tiver o "Carnet de la Patria" - o cartão da pátria. Quem não tiver vai pagar "preços internacionais" pelo petróleo que há muito tempo é o mais barato do mundo, tão barato que é quase de graça.

Essa foi a gota d'água para Ribas, um técnico de 49 anos cuja van consome muita gasolina e um litro de óleo por mês. "Tenho que fazer isso", disse Ribas após duas horas na fila para conseguir o ofensivo cartão em Caracas. Ele balançava a cabeça com expressão de dor. "Não tenho outra opção."

Para quem tem carro, fazer fila para obter o cartão pareceria uma saída óbvia. Ele também disponibiliza uma série de benefícios distribuídos pelas forças de Maduro. Mas para Ribas e muitos outros, o pequeno cartão é uma prova laminada do alcance estilo Big Brother do regime socialista.

Para eles, o simples ato de ter o cartão implica um apoio aos chavistas e a Maduro, cujas políticas provocaram uma inflação paralisante e uma escassez avassaladora.

"Nunca vou me inscrever - nunca, jamais - mesmo que eu tenha que pagar em libras esterlinas por um litro de gasolina", disse Xavier Rodríguez, de 66 anos, produtor de uma agência de publicidade em Caracas. Ele disse que tem certeza de que o governo não tem boas intenções para as informações coletadas com o uso dos cartões. "Nunca vou pedir nada deste governo corrupto."

Preços internacionais?

Hoje em dia, encher o tanque na Venezuela custa o equivalente a frações de um centavo de dólar; a menor das novas moedas lançadas na redenominação recente do bolívar, a moeda de meio bolívar, basta para encher o tanque de um sedã mais de 100 vezes.

Na Venezuela, mais de 15 milhões de pessoas, cerca de metade da população, têm cartões da pátria. Muitas morreriam de fome sem ele. O salário mínimo mensal, equivalente a US$ 1 no câmbio do mercado paralelo, mal se compara com os benefícios do cartão, que incluem grandes descontos para alimentos como feijão, atum e arroz (o novo mínimo que entrará em vigência em 1º de setembro valerá cerca de US$ 20).

Por que acrescentar a gasolina subsidiada à lista do cartão da pátria? Em discurso em 13 de agosto, Maduro explicou que os preços mais altos pagos por alguns impediriam contrabandistas de revenderem combustível baratíssimo nos países vizinhos.

Isso é possível; na pior das hipóteses, um menor número de venezuelanos comprando combustível quase de graça deixaria mais petróleo à disposição da estatal Petróleos de Venezuela para vender no mercado mundial, o que proporcionaria ao país a moeda forte de que tanto precisa.

Francisco Monaldi, especialista em energia na América Latina da Rice University em Houston, vê algo mais sinistro - "uma forma totalmente discriminatória de controle político e social".

A verdadeira mensagem de Maduro é que as pessoas têm que se cadastrar no seu programa e apoiar seu Partido Socialista Unido da Venezuela, disse Monaldi. "Quem quiser receber subsídios terá que obedecer ao que mandarmos. Caso contrário, viverá em uma economia de livre mercado com preços extremadamente altos."

(Com a colaboração de Andrew Rosati)