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Brexit pode deixar pescadores franceses fora de águas britânicas

Gregory Viscusi

07/02/2019 13h12

(Bloomberg) -- A traineira Jannetje Cornelis foi construída há dois anos na Espanha. Pertence a uma empresa na Holanda e a maior parte de sua tripulação é holandesa. Seu porto de origem e registro é a cidade inglesa de Hull. E frequentemente vende o que captura na França, de onde os frutos do mar normalmente são transportados para a Holanda para processamento antes de serem enviados aos supermercados da Itália e da Espanha.

"Nós vamos onde os peixes estão e nesta época do ano eles estão no Canal da Mancha", diz o capitão Peter de Boor em meio à leve neve que cai sobre o cais do porto francês de Boulogne-sur-Mer, onde ele acaba de descarregar cinco toneladas de lula e tainha pescadas em grande parte em águas britânicas.

Boulogne, um centro marítimo desde a era romana, se transformou no maior porto pesqueiro da França e milhares de cidadãos locais trabalham em suas 120 traineiras e 150 unidades de processamento. Mas o porto também é testemunha da internacionalização do setor ao abrigo da Política Comum das Pescas da União Europeia, de 1970, que permite que barcos de qualquer país da UE pesquem em todas as águas da UE.

Embarcações de vários países europeus lotam o porto de Boulogne, dando ao ventoso cais a sensação de uma Babilônia do século 21 enquanto as tripulações correm no escuro para descarregar o que capturaram antes do leilão que é realizado todas as manhãs às 5 horas.

A partida iminente do Reino Unido da União Europeia, em março, ameaça essa comunidade multicultural e boa parte do setor pesqueiro do continente. Apesar de o significado do Brexit ser a retirada de apenas um dos 28 membros, o Reino Unido tem as melhores áreas de pesca da UE e a segunda maior frota, atrás da Espanha.

Cerca de metade dos peixes que chegam diariamente a Boulogne vem de áreas de pesca britânicas, que começam a apenas 19 quilômetros do quebra-mar da cidade. Segundo a tentativa de plano de divórcio elaborada nos últimos dois anos, o regime atual seria prorrogado até dezembro de 2020 enquanto se negocia uma alternativa. Mas em 15 de janeiro o Parlamento britânico votou contra o acordo e se os parlamentares não aprovarem este ou outro pacto (ainda não redigido), as águas britânicas voltarão ao controle soberano quando o país deixar a UE, em 29 de março.

A maioria esmagadora dos pescadores britânicos votou a favor do Brexit na expectativa de que as restrições aos barcos do continente revigorassem seus negócios. As embarcações de bandeira britânica desembarcaram cerca de 1 milhão de toneladas de frutos do mar em 1973, ano em que o país aderiu à UE. Em 2016, esse número havia caído para 550.000 toneladas, enquanto os barcos não britânicos pescaram 800.000 toneladas nas águas do país, segundo a Organização de Gerenciamento Marítimo do Reino Unido. As associações dos pescadores britânicos afirmam que o governo deveria copiar a Noruega, que anualmente negocia o acesso a suas águas e bloqueia barcos de países com os quais não tem acordo.

"Ninguém sabe o que vai acontecer", diz Pierre-Yves Dachicourt, capitão do Pax Dei, uma traineira de 24 metros que descarregava três toneladas de lula. "Tudo o que sabemos é que os peixes não se importam com as fronteiras e que não há espaço suficiente no lado francês."