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A "seca oculta" por trás do abuso da irrigação com energia solar

16/04/2018 06h15

Belén Delgado.

Roma, 16 abr (EFE).- A energia solar emergiu como a força inesgotável da qual os agricultores pobres precisam para regar seus campos, mas o descontrole e as práticas abusivas podem levar a uma nova "seca oculta" nos aquíferos.

A tecnologia solar na agricultura, em plena expansão, permite aumentar a extração de água, a superfície irrigada e, com isso, a produtividade dos cultivos.

Uma equação nem de todo positiva se for levado em conta o fator da sustentabilidade ambiental, tendo em vista os "riscos inerentes" para os aquíferos, explicou à Agência Efe a especialista Karen Villholth, do Instituto Internacional para a Gestão da Água (IWMI, na sigla em inglês).

"Vimos que em muitos países esses sistemas foram mal porque não estão se desenvolvendo de maneira sustentável", declarou Villholth, lembrando que, uma vez tirada a água, é "muito difícil recuperar o recurso".

Por isso, Villholth recomenda que se atue pensando que "prevenir é melhor que remediar" e pede para se adaptar os planos às circunstâncias de cada lugar, limitar o uso de águas subterrâneas, permitir apenas certos cultivos, supervisionar seu funcionamento e promover a recarga hídrica dos aquíferos.

Segundo estimativas divulgadas na semana passada em um fórum internacional em Roma, 41% das áreas regadas procedem de águas subterrâneas e até 27% dessas águas são bombeadas de modo insustentável.

O risco de uma "seca oculta" sob a terra surge em áreas como o leste e o sul da Ásia, onde os aquíferos já estão sobre-explorados e podem estar mais ainda com o potencial das energias renováveis.

Na Índia, as autoridades subsidiam até 90% do custo das placas fotovoltaicas para levar a eletricidade aos pobres que ainda têm sérios problemas de acesso à energia.

Em paralelo, 30% dos aquíferos indianos se encontram em estado crítico, entre outros motivos porque na bacia do Ganges e dos outros grandes rios que se espalham pelo norte desse país e seus vizinhos se concentra um quarto das extrações de águas subterrâneas de todo o mundo.

Em uma aldeia do Nepal, o pesquisador da Universidade do Arizona, Netra Chhetri, começou a ver os primeiros painéis há cinco anos, um fenômeno tecnológico que "rapidamente mudou as pessoas e as políticas".

Os habitantes se serviram da energia solar para diversificar seus cultivos e já não colhem somente arroz, mas também milho e verduras, aumentando a produção em 60%.

Além de incentivar as novas tecnologias, Chhetri defendeu que se inove nos mercados e nas instituições para instalar cabos de energia para todos os lares rurais.

No Oriente Médio, o especialista da Organização das Nações Uniadas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Ahmed Abdelfatah, previu um aumento da competição empresarial nesse setor.

O norte da África costuma desfrutar de 330 dias de sol por ano e, no entanto, se perde até 15% da energia no seu transporte para as zonas áridas, razão pela qual os painéis solares são uma alternativa "in situ".

Essa é a ideia que está por trás de uma iniciativa para elevar a capacidade energética destinada ao regadio no delta do Nilo, no Egito, e em outra junto a uma represa da província jordaniana de Mafraq, onde estão combinando a irrigação com tecnologia solar e o armazenamento de água.

A utilização das águas superficiais de rios e açudes pode, além disso, reduzir a pressão sobre os aquíferos.

A especialista da Universidade Politécnica de Madri, Rita Almeida, ressaltou que, à margem das fontes energéticas, seria preciso pensar também em mudar os sistemas de irrigação.

O projeto no qual participa, com fundos europeus, busca um consumo de energia 100% renovável e reduzir o da água em 30%.

Almeida mostrou a construção de tanques na Espanha que servem para abastecer toda a comunidade de regadores e que, cobrindo-os com placas solares, permitem aproveitar o espaço e evitar a evaporação de um bem tão prezado como a água.