Como a grife Hermès e sua cobiçada bolsa Birkin escaparam da crise do luxo?

Enquanto gigantes como a LVMH — empresa que comanda a Louis Vuitton, entre outras — e a Kering — grupo por trás de Gucci, Saint Laurent e mais — viram quedas de vendas e até terminaram o ano no vermelho, uma grife representa uma exceção ao cenário do mercado do luxo em retração: a Hermès, icônica maison responsável pela cobiçada bolsa Birkin, tida como o modelo mais famoso do mundo.

Qual é o segredo do sucesso da Hermès?

Grife foca nos super-ricos. Hermès teve crescimento de 14% nos lucros nos primeiros nove meses de 2024. A revista The Economist atribui este sucesso ao fato de que a grife nunca mudou sua estratégia de focar nos super-ricos. O mesmo raro caso de êxito é visto na Brunello Cucinelli, que vende um mero suéter de caxemira por mais de R$ 36 mil e teve aumento nas vendas de 12% nos nove primeiros meses de 2024 em relação ao mesmo período do ano anterior.

Identidade visual não mudou. Durante o período de "democratização" das marcas, muitas grifes apostaram em uma mudança de identidade visual. Para o consumidor tradicional do luxo, adepto da Hermès, por exemplo, uma Louis Vuitton mais jovem e acessível que pegou emprestados elementos do hip hop e da cultura popular pode ter deixado de ser atraente, de acordo com a revista britânica.

Hermès investiu na solidificação do seu legado histórico. A marca frequentemente lança edições cada vez mais limitadas de sua bolsa Birkin, que foi criada nos anos 1980 com inspiração na atriz, cantora e ícone fashion Jane Birkin, que morreu em 2023. A exclusividade do item, assim como outros caríssimos comercializados pela grife, confere à marca forte poder de precificação.

A exclusividade cria uma mística em torno de ter algo raro e dá um senso de valor quando você olha para a etiqueta do preço. Hitha Herzog, analista de mercado, à revista Fortune

Super-ricos têm gastos mais estáveis. Na avaliação da agência Bloomberg, a aposta da Hermès nesta clientela é certeira porque eles não se importam de pagar mais por uma bolsa exclusiva, já que acreditam que seu valor e qualidade são de fato altíssimos.

A cantora Rosalia se apresentando durante desfile masculino de outono/inverno 2023-2024 da Louis Vuitton; marca tentou se tornar jovem e popular, mas a geração Z parece desinteressada no luxo
A cantora Rosalia se apresentando durante desfile masculino de outono/inverno 2023-2024 da Louis Vuitton; marca tentou se tornar jovem e popular, mas a geração Z parece desinteressada no luxo Imagem: EMMANUEL DUNAND/AFP

Clientes fiéis continuaram gastando. Eric du Halgouet, diretor financeiro da Hermès, garantiu à agência assim como a outros veículos que a grife não viu mudança em suas tendências globais de venda no início do último trimestre de 2024. Embora o movimento nas lojas chinesas tenha caído no início de 2024, o desempenho da Hermès se manteve, pois seus clientes mais fiéis continuaram gastando nos produtos mais caros, como joias, bolsas e looks prontos para vestir.

Por que grandes marcas estão em crise

Dois fenômenos deram início a uma ascensão vertiginosa dos lucros das grandes maisons ainda nos anos 2000. Segundo a revista The Economist, os fenômenos foram: a globalização, que atraiu o interesse dos novos milionários asiáticos (especialmente chineses) a comprar os símbolos do até então inacessível luxo ocidental; e a democratização, com diversas marcas criando sub-marcas com produtos mais acessíveis, para aqueles consumidores que queriam ter acesso a um pouco do glamour associado a elas.

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A covid-19 impactou tremendamente os mercados asiáticos. É importante lembrar que a pandemia não só começou na China, como os lockdowns mais longos aconteceram justamente na região. Ou seja, mesmo entre os mais abastados chineses, que ainda consomem as grandes grifes, ostentar se tornou uma prática "cafona" em tempos de reestruturação após perdas humanas e econômicas trazidas pela crise sanitária.

Boutique da Hermès em Milão, na famosa Via Montenapoleone, Quadrilátero da Moda: grife segue uma espécie de conservadorismo estratégico
Boutique da Hermès em Milão, na famosa Via Montenapoleone, Quadrilátero da Moda: grife segue uma espécie de conservadorismo estratégico Imagem: Reprodução

Além disso, prioridades dos jovens adultos mudaram. Consumidores, em especial os jovens adultos da geração Z, têm preferido colocar o seu dinheiro em experiências de luxo, em vez de objetos, após a pandemia. Saem de cena as bolsas, lenços e sapatos caríssimos, entram passeios em iate, carros confortáveis e jatos, para aqueles que já eram adeptos de gastar altas cifras.

O consumo pelo status, portanto, ficou fora de moda. E aqueles que não eram o público-alvo das marcas, que buscavam o "luxo acessível", tiveram seu poder aquisitivo encurtado pelo cenário econômico atual e pelos grandes aumentos de preços impostos pelas grifes.

Cliente do luxo quer exclusividade e as grandes grifes não são capazes de oferecê-la mais. A exceção é a Hermès, que viu enorme crescimento em 2024, graças às longas listas de espera e exigências a respeito do perfil do cliente na própria loja antes de comprar sua cobiçada bolsa Birkin.

Gucci procura reinvenção desde o fim de 2023 com Sabato de Sarno no comando após era Michele
Gucci procura reinvenção desde o fim de 2023 com Sabato de Sarno no comando após era Michele Imagem: Daniele Venturelli/Getty Images for Gucci
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Grandes maisons tentam agora seguir a tendência imposta pela Hermès. A Valentino "matou" sua marca acessível, a Red Valentino, enquanto Chanel e Dior segregam suas linhas de beleza das de moda, já que o público que consome esmaltes e batons não é exatamente o mesmo interessado em sua Alta-Costura.

Miu Miu, Céline, Gucci e Bottega Veneta querem interesse da geração Z. As marcas que haviam atrelado sua identidade ao luxo acessível como Miu Miu, Céline, Gucci e Bottega Veneta também apostam em produtos que tentam romper barreiras, como tênis com paetês, e trocas de direção criativa. O motivo? Tentar romper com o tédio e a apatia da geração Z em relação ao luxo.

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