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'Crise levou chefes de família ao desalento', diz economista

Douglas Gavras

São Paulo

18/05/2018 07h30

Os números ainda desoladores do mercado de trabalho refletem um lado cruel da crise: ela desestruturou famílias, chegou ao chefe de domicílio e forçou os mais jovens a entrar mais cedo no mercado. Essa é a avaliação do economista Sérgio Firpo, do Insper, que aponta, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, que o desemprego entre os principais responsáveis pelos lares passou de 3,5% a 7,4% apenas entre 2012 e o ano passado.

Na avaliação de Firpo, que começa a publicar nesta sexta-feira. 18, um blog no portal do Estadão, o impacto negativo nas gerações mais jovens ainda vai perdurar por muitos anos. "Uma geração que se forma durante uma crise já começa em grande desvantagem." A seguir, os principais trechos da entrevista.

Em que o atual momento do mercado de trabalho se diferencia de crises anteriores?

A crise atual pegou brasileiros que geralmente são os últimos a ficar desempregados. São chefes de família, gente experiente que estava há muito tempo exercendo aquelas funções e que cuja demissão as empresas costumam postergar. Um levantamento que fiz com Alysson Portella, doutorando do Insper, a partir da Pnad, mostra que a taxa de desemprego dos chefes mais que dobrou entre o quarto trimestre de 2012 e o quarto trimestre do ano passado, indo de 3,5% para 7,4%. Isso parece indicar que a crise levou os chefes de domicílio ao desalento (o desânimo em procurar emprego), forçando a entrada dos filhos e companheiros no mercado.

E quais são os efeitos disso nas gerações mais jovens?

Eu acredito que os efeitos tendem a ser duradouros. É péssimo ser afetado ainda jovem por uma crise como essa. Em termos de escolaridade, o jovem muitas vezes tem de abandonar o ensino antes da hora e dificilmente vai voltar onde parou. O País aborta o investimento em capital humano, o que tem um efeito enorme sobre a renda futura. Uma geração que se forma na crise já começa em grande desvantagem.

É como se, numa corrida, essa geração largasse depois?

Exato. Esse abismo vai continuar por muito tempo. E não é apenas uma questão de geração. Mesmo entre pessoas de faixa etária parecida, mas com diferenças de renda, os impactos são diferentes. Entre as famílias mais vulneráveis, o principal efeito é que o jovem que estava para terminar o ensino médio e havia se escolarizado tardiamente nos últimos anos, na hora em que termina a escola, têm chances menores. Ele já imaginava que iria conseguir um emprego de menor remuneração do que os outros, mas nos últimos anos, nem isso. Outro problema é que mesmos algumas pessoas que tinham conseguido entrar em uma faculdade, tinham começado a estudar ou se formado em uma instituição mais fraca. Esse jovem sabe que o seu diploma não será suficiente para dar grandes saltos.

Como reverter essas perdas?

A chave é investir na produtividade e na eficiência das empresas, fazer aportes em capital humano. Esse tipo de investimento é algo que só é premiado lá na frente, o País demora mesmo a colher esses frutos.

Qual será o papel da reforma trabalhista, em vigor desde novembro, na retomada do mercado de trabalho do País? Ela tem mesmo potencial para facilitar novas contratações?

Sim, a reforma trabalhista pode incentivar o crescimento, por incluir uma parcela da mão de obra que até então estava informal, sem carteira assinada e sem direitos garantidos. Sobretudo por contemplar essas modalidades diferentes de contratação, como o trabalho intermitente.

Por que os seis meses de reforma ainda não causaram grande impacto nas contratações?

É que ainda é preciso de um pouco mais de tempo para avaliar. Uma perspectiva de mudança importante é o quanto ela pode reverter a sobrecarga do sistema judicial. Se isso realmente gerar um ganho de eficiência, deslocar menos recursos para o sistema, ocupar menos o tempo do juiz e tirar processo na fila, pode melhorar o bem-estar da população. A reforma, em si, reduz o nível de incerteza sobre o custo do trabalho, agora as firmas sabem que o empregado não vai poder requerer qualquer coisa que por meio da Justiça.

Que lições ficaram da crise?

A lição é que os duros anos que tivemos foram causados por uma série de políticas equivocadas do fim do mandato ex-presidente Lula e durante o governo Dilma, que tiveram por consequência o aumento do endividamento e dos gastos. Gastou-se como se o limite não existisse, sem nenhuma avaliação que atingisse as metas que haviam sido colocadas, de aumentar emprego e a segurança do trabalho. Isso se refletiu na crise de confiança, em um Estado que ficou falido e sem capacidade de investir. O Rio de Janeiro é o exemplo mais gritante disso. Então, a lição que fica é a de que uma política econômica mal sucedida pode gerar um impacto profundo na vida das pessoas. O manejo da economia não deve estar a cargo de principiantes.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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