O pesadelo 'kafkiano' de Carlos Ghosn
Assim como tem hora para terminar, o dia começa sempre às 7 horas, conforme as regras do centro de detenção Kouchisho. À exceção dos 30 minutos que todos os presos têm para se exercitarem, o executivo passa todo o tempo em uma cela de dez metros quadrados. Em vez de desempenhar várias funções, Ghosn - brasileiro, mas também cidadão francês e libanês - se divide entre apenas duas tarefas: traçar estratégias para sua defesa e ler livros do inglês Jeffrey Archer, conhecido pelos suspenses com títulos como Cuidado Com o Que Deseja e Só o Tempo Dirá.
Ao longo da última semana, o Estado conversou com fontes próximas ao executivo - uma delas definiu a situação de Ghosn como um "pesadelo kafkiano". O executivo é acusado de deixar de declarar o equivalente a US$ 44 milhões. Ao chegar a Tóquio, no último dia 18 de novembro, foi interrogado por seis horas antes de desembarcar.
Após dois dias sob custódia policial, foi preso em uma investigação que teve a colaboração de seus colegas na Nissan. Foi destituído da presidência do conselho da companhia a poucos dias de uma reunião em que os termos da união com a Renault seriam rediscutidos. Ghosn defendia uma fusão "irreversível" entre as empresas, segundo o jornal Financial Times (a Renault detém pouco mais de 40% das ações da Nissan, enquanto o grupo japonês tem 15% das ações da francesa). O conselho da Nissan, porém, era contra essa fusão.
Antes saudado como herói no Japão por ter ajudado a salvar dois tesouros nacionais - a Nissan e, mais tarde, a Mitsubishi -, Ghosn foi formalmente acusado pela promotoria japonesa na última segunda-feira, 10. A acusação embutiu a prorrogação de sua detenção até a próxima quinta-feira, 13. Quem entende da legislação japonesa diz que a permanência do ex-todo-poderoso da Nissan atrás das grades promete ser longa. O advogado japonês Kengo Kashiwa, do escritório TMI Associates, que também atua no Brasil, disse ao Estado que é comum procuradores japoneses prenderem suspeitos para fazê-los confessar um crime. "Não é o que diz a lei, mas acontece na prática."
Pessoas que conhecem o executivo, no entanto, dizem que os promotores terão de enfrentar um parceiro à altura nesse jogo de xadrez: Ghosn tem se mantido firme na posição de se defender sem confessar, já que garante não ter feito nada errado. Uma pessoa que já visitou o ex-presidente do conselho da Nissan diz que, se ele está abatido, não se percebe. Durante as visitas, que são feitas em uma sala envidraçada com alto-falantes - como aquelas dos filmes americanos -, ele manda recados à família e faz pedidos básicos. Para enfrentar o atual inverno japonês, solicitou cobertores extras, além dos livros de Jeffrey Archer, que preferiu às obras de autores brasileiros oferecidas inicialmente.
A família, até agora, não falou com Ghosn diretamente - uma de suas filhas, aliás, deixou o Japão logo após sua prisão. O executivo tem quatro filhos, de dois casamentos, que moram nos Estados Unidos e na Inglaterra. Caso não tivessem receio de sofrer represálias, no entanto, o sistema judiciário japonês permitiria visitas familiares. Os Ghosn tinham intenção de se reunir no Rio, onde vive a mãe de Carlos. O Natal em família, no entanto, foi substituído pela tentativa de tirar o patriarca da prisão.
Diplomacia
Por ser um rosto conhecido e representar interesses de grandes corporações, Ghosn acaba não sendo um preso comum. Seu caso mobilizou funcionários dos ministérios das Relações Exteriores do Brasil, da França e do Líbano. Sua maior chance de resgate deve ser da França. Uma intervenção brasileira por uma espécie de indulto, neste caso, não seria cabível, apurou o Estado, porque seu caso está seguindo os trâmites legais do Japão - o executivo recebe visitas constantes de um advogado japonês que assumiu sua defesa.
No caso da França, a situação é diferente: o Estado francês é sócio da Renault. O grupo francês tem apoiado Ghosn indiretamente, ao mantê-lo nos cargos que ocupava antes da prisão e ao afirmar, na semana passada, não ter encontrado nenhuma irregularidade em suas declarações de renda. Ainda não ficou claro, porém, se a França pretende partir para um confronto direto com o Japão.
Se ficar à mercê da Justiça japonesa, os números jogam contra Ghosn. O advogado Kashiwa diz que, embora a prisão preventiva tenha de ser prorrogada a cada dez dias, crimes relacionados à acusação principal podem servir de justificativa para mantê-lo preso por tempo indeterminado. E a taxa de condenação entre os acusados pela procuradoria no Japão é um desafio à resiliência de qualquer réu: supera a marca de 99%. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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