Carros brasileiros ficam mais seguros e mais caros
O segmento "de entrada" já vem encolhendo gradualmente. Em 2000, representava 50% das vendas de automóveis no País e hoje participa com 11,5%. Estão nessa classificação, feita pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) modelos como Chery QQ, Renault Kwid, Volkswagen Gol, Fiat Mobi e Toyota Etios, que custam entre R$ 27,5 mil e R$ 50 mil.
Para o presidente da Volkswagen do Brasil, Pablo Di Si, "o carro popular não vai desaparecer, mas o segmento vai encolher". Segundo ele, os próximos lançamentos da marca serão de modelos de segmento superior, como utilitários-esportivos (SUV) e intermediários entre carros de passeio e utilitários (CUV). "Esses segmentos são os que mais crescem no Brasil e no mundo."
Ao receberem mais sistemas de segurança, conectividade e de melhora da eficiência energética, os carros vão ficar mais caros. "Não tem como fazer diferente, a não ser que tivéssemos um volume grande de produção para o mercado interno e exportação para reduzir custos", afirma Di Si. Em 2014, quando passou a ser obrigatória a instalação de airbag frontal e freio ABS, os preços dos carros subiram entre R$ 1 mil e RS 1,5 mil.
Letícia Costa, sócia da Prada Assessoria, confirma que não há como evitar aumento de preços com os novos itens, mas ressalta ser "um dever da indústria encontrar formas de introduzi-los, também para evitar que o Brasil fique extremamente defasado". Ela acrescenta ainda que o veículo nacional terá mais chances de exportação.
Acidentes
Segundo balanço do Dpvat - o seguro obrigatório para acidentes de trânsito -, no ano passado 42 mil pessoas morreram no País em acidentes desse tipo. A instalação de novos itens de segurança deve ajudar a reduzir acidentes e a evitar ferimentos nos ocupantes. Testes feitos por entidades como o Latin NCap, o Programa de Avaliação de Novos Veículos para a América Latina e Caribe, comprovam isso.
Na lista de itens que serão obrigatórios estão estruturas reforçadas ou airbags laterais para reduzir riscos de ferimentos em batidas laterais, controle de estabilidade eletrônico (ESC, na sigla em inglês) - que corrige a trajetória do veículo em caso de perda de aderência dos pneus em curvas ou em desvios bruscos - e aviso de cinto desafivelado.
Esses e outros sete itens serão obrigatórios nos modelos novos (lançamentos) entre 2020 e 2026 e em todos os carros produzidos localmente entre 2021 e 2030. Há oito itens que ainda não têm datas definidas pelos órgãos regulatórios para serem instalados e dois que já começaram a equipar os lançamentos de 2018 (Isofix para fixar cadeirinhas de bebês e cinto de três pontos em todos os bancos) e devem estar em toda a produção a partir do próximo ano.
A instalação desses sistemas vai exigir aumento de importação, pois muitos deles, em especial os eletrônicos, não são produzidos no País, o que reduzirá o índice de nacionalização dos carros brasileiros.
Nacionalização
Por outro lado, há um esforço, ainda discreto, por parte de fabricantes de iniciarem a produção de alguns dos componentes, de olho no aumento da demanda.
A Continental vai inaugurar em maio uma linha de produção de ESC, hoje feito no País só pela Bosch. "Como a instalação desse item se tornou mandatória, haverá maior escala e a produção local passou a fazer sentido", diz o presidente da empresa, Frédéric Sebbagh. Hoje a Continental importa o sistema para fornecer às montadoras.
Na fábrica de Várzea Paulista (SP), onde o ESC será produzido, a Continental já faz freios hidráulicos e freios ABS. A capacidade inicial de produção de ESC será de 700 mil a 1 milhão de unidades ao ano, com investimento de ? 5 milhões (cerca de R$ 23 milhões). Placas eletrônicas serão importadas, pois não há produção local. Sebbagh vê chances de outros itens serem nacionalizados no futuro.
Testes indicam que o ESC reduz em até 38% o número de colisões traseiras, segundo o coordenador técnico do Centro de Experimentação e Segurança Viária (Cesvi), Alessandro Rubio.
Outra que inaugura nova linha nos próximos dias é a Joyson Safety System (ex-Takata), que produzirá airbags de cortina (ou laterais), sistema que poderá ser usado para atender norma que determina, a partir de 2020, o reforço nas laterais dos veículos para reduzir riscos de ferimentos em colisões laterais, comuns nos cruzamentos.
A Joyson já produz vários tipos de airbags, cintos de segurança e aviso de cinto desafivelado e está ampliando a fábrica de Jundiaí (SP). A capacidade atual de 5 milhões de airbags ao ano será duplicada, afirma Oliver Schulze, diretor de engenharia da empresa. O principal item dos airbags, o gerador de gás, é importado.
Estrelas
Schulze lembra que, além de atender ao Rota 2030, testes feitos pelo Latin NCAP incentivam as empresas a melhorem os níveis de segurança dos seus produtos. O teste que bate os carros em barreiras concede ao modelo de zero estrelas (inseguro) a cinco estrelas (segurança total), e a nota máxima normalmente é usada pela fabricante no marketing do veículo.
Alexandre Pagotto, gerente de Relações Institucionais da Bosch, fabricante de várias autopeças, como freio ABS, diz que a empresa avalia todo ano a possibilidade de produção local de itens importados, mas esbarra no volume. "Com a definição do que será obrigatório, é mais fácil planejar para o longo prazo."
Peças importadas
A participação de peças importadas nos carros brasileiros subiu de 20% em 2012 para 35% em média no ano passado, uma alta de 75% no período, segundo estudo feito pela Bright Consultoria. A expectativa é que esse porcentual suba ainda mais a partir de 2020, quando entra em vigor o calendário de itens de segurança obrigatórios.
Empresas que se anteciparem à agenda do Rota 2030 terão benefícios fiscais extras. Vários modelos lançados recentemente já estão equipados com alguns dos itens, como o Jeep Compass, fabricado em Goiana (PE), que tem aviso de saída involuntária de faixa, e o Volkswagen T-Cross, feito em São José dos Pinhais (PR), que tem controle eletrônico de estabilidade (ESC) e seis airbags.
A maior parte dos componentes é de alta tecnologia, como sensores e câmaras, e não tem produção local. "O Brasil perdeu a onda de grandes investimentos em tecnologias eletrônicas que começou há dez anos na Europa, EUA e China", diz Besaliel Botelho, presidente da Bosch na América Latina.
Como as grandes fabricantes que atuam no País são multinacionais, é possível introduzir algumas das novas tecnologias, mas o investimento só se justifica com grande escala de produção e custo competitivo, afirma Botelho. "Dos portões das fábricas para dentro somos competitivos, mas dos portões para fora não", diz, referindo-se a custos com tributos e infraestrutura.
Novo mix
Para Paulo Cardamone, presidente da Bright, o que gerou o aumento das importações nos últimos anos foi a mudança de mix de produtos voltados em especial para SUVs, legislações com obrigatoriedade de instalação de itens de segurança e eficiência energética e a instabilidade do mercado.
"Há muitos empresários postergando investimentos à espera do aumento mais consistente de vendas e produção da indústria", diz Cardamone. "Se continuar no ritmo que está, em alguns anos a participação de itens importados irá a 50%."
Mesmo alguns componentes já comuns nos carros brasileiros ainda dependem das importações. Cardamone cita a injeção de combustível e a transmissão automática (ver quadro).
O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Flavio Sakai, ressalta que a condição tributária no País afugenta a produção local de vários componentes pois, sem escala suficiente, importar é mais barato.
Ele lembra que outro grande impacto ocorrerá quando as empresas iniciarem a produção de carros híbridos. Segundo Sakai, o índice de nacionalização desses modelos deve cair para 30% a 35% num primeiro momento, e retomar gradativamente ao longo do tempo. O mesmo ocorrerá com modelos elétricos.
Um dos indicadores da alta das importações é o saldo da balança comercial do setor de autopeças, que está negativo desde 2007, após quatro anos de superávit. Em 2018, o saldo ficou negativo em US$ 5,6 bilhões. Nos dois primeiros meses deste ano, está em US$ 625,8 milhões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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